ATENÇÃO: esse review contem spoilers!
por Caio Coletti
No ano passado, alguns meses depois do lançamento da primeira temporada de Hemlock Grove, O Anagrama publicou um review duplo compreendendo a totalidade dos 13 episódios do ano de estreia da série do Netflix. Na minha metade do review, procurei defender a série das críticas infindáveis que havia recebido desde o seu lançamento, especialmente daqueles que determinaram House of Cards como o padrão do nível de produção do site de streaming. Para mim, era claro que Hemlock não era como a série de Frank Underwood e cia, mas não porque era inferior – pelo contrário, ela simplesmente procurava contar a sua história por um método diferente. E era esse método, com todas as suas estratégias de manipulação e confusão do espectador, sua interminável teia de aranha de delírios e monstruosidades, que a fazia especial. Na minha visão, Hemlock Grove fez uma primeira temporada espetacular. Uma pena que a maioria dos espectadores não concordou comigo.
Apesar de ser obviamente menos permeável à opinião de seu consumidor pelo simples fato de liberar as temporadas completas no mesmo dia, o Netflix ainda tem o intervalo entre essas temporadas como um momento de vulnerabilidade, e o massacre em cima de Hemlock não passou despercebido. Dá para notar cada uma das reclamações que foram feitas sobre o primeiro ano na estrutura desse segundo, desde pequenos detalhes até grandes mudanças: digam adeus ao diário gravado do Dr. Johann Pryce (Joel de la Fuente, apesar de tudo, faz uma ótima temporada), por exemplo; as sequências de sonhos e delírios ganham artifícios de fotografia e edição diferentes para separá-las do restante da série; a narrativa labiríntica que fazia mais dos mistérios do que das soluções foi para o espaço, dando lugar a uma progressão cruelmente linear que cria mais perguntas para preencher o lugar das que responde com rapidez.
Hemlock Grove tenta com todas as forças não se desprender da própria alma como narrativa, mesmo quando é obrigada a mudar tão drasticamente a forma como procede com ela. Essa segunda temporada vem recheada de momentos tocantes e arcos de personagem interessantes, e não abre mão de deixar no ar várias perguntas para o (muito provável) próximo ano. A trama gira em torno da filha de Letha. O bebê está sendo cuidado, após a morte da mãe, por Roman (Bill Skarsgard), que deixou a Mansão Godfrey abandonada e se refugiou com a filha em um novo – e modernoso – local. As coisas mudam quando surge a misteriosa Miranda (Madeline Brewer, Orange is the New Black), que descobre instintos maternais e começa a lactar espontaneamente. Sim, você leu certo. Enquanto isso, Peter (Landon Liboiron) volta para Hemlock Grove a fim de resgatar sua mãe, Lynda (Lili Taylor) da cadeia – e resolve ficar quando ele e Roman começam a ter os mesmos sonhos macabros envolvendo assassinato de crianças (!).
A nova trama principal não tem o charme da caça pelo vargulf na primeira temporada, mas isso se deve ao fato de ela não ser conduzida com os mesmos truques. Despidos do seu estilo, é difícil culpar os escritores de Hemlock Grove por não conseguirem empolgar tanto quanto no primeiro ano – menos fácil de perdoar é o fato de que vários potenciais temas narrativos são deixados de lado, como a discussão da radicalização de preceitos religiosos e o pacto de paz entre a Igreja e os upir. Nas beiradas dessa elaboração central está Olivia (Famke Jansen, ainda mais superlativa que na primeira temporada), se recuperando de ser assassinada pelo filho no finale passado e descobrindo uma humanidade inesperada nos efeitos colaterais do tratamento – leia e releia essa frase se você ainda quiser saber porque amamos Hemlock Grove. Shelley, agora interpretada por uma doce Madeleine Martin, também ganha trama própria, envolvendo até o transplante de sua consciência para um corpo “sem defeitos”.
Não é por acaso que mãe e filha da família Godfrey ganham mais a atenção do espectador do que a trama envolvendo Roman e Peter. Por serem essencialmente secundárias, as storylines das duas tem a liberdade para se desenvolver no ritmo peculiar de Hemlock Grove, com aquela lentidão arrastada que abre espaço para numerosos momentos de brincadeiras estruturais e conceituais. Além de, é claro, se apoiarem menos em plot e mais nos personagens, o que significa que podem se ancorar no trabalho sólido de desenvolvimento do primeiro ano. Enquanto isso, só a força de Skarsgard e Liboiron, especialmente quando juntos em cena, segura o andar da série, lutando com todos os dentes para não perder o interesse do espectador.
Em suma: nessa segunda temporada, Hemlock Grove em larga escala deixa seus atores à deriva. Em muitos momentos, eles e a familiaridade do espectador com os personagens são mais do que o bastante para gerar interesse – mas é impossível não lamentar que, na busca cega por se tornar o que a crítica define como uma série melhor, o patinho feio do Netflix abriu mão de tudo que a fazia uma série única.
✰✰✰✰ (3,5/5)
O Netflix ainda não confirmou se Hemlock Grove terá uma terceira temporada.
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