por Fabio Christofoli
Eu gosto tanto de música que dificilmente me arrisco muito a falar sobre isso de forma oficial. Porém, vez ou outra um álbum me chama tanto a atenção que surge uma vontade absurda de falar dele. Peço que o leitor não espere um texto técnico e sim um texto mais voltado às emoções envolvidas ao escutar essa ou aquela música.
Ouvi Marshall Mathers LP2 pela primeira vez em dezembro do ano passado. Eu confesso que tinha certa desconfiança. Aliás, vou além. Eu não gostei na primeira vez que ouvi. E o motivo é simples. O nome do álbum me remetia a um dos melhores álbuns que escutei na vida: Marshall Mathers LP, lançado em 2000 e que projetou Eminem para o mundo.
Aquele álbum até hoje me intriga pela sua forma extremamente crua, violenta, debochada e dinâmica. É uma obra de arte, pois trouxe à tona todas as sensações sinceras do artista. Tem narrativa, tem mágoas, tem ironias, tem críticas... enfim, todas possibilidades que expandem as interpretações em torno dele. Muitos podem não concordar com o que foi dito ou não gostar da sonoridade por uma preferência pessoal, mas a maioria das pessoas não pode ignorar que ali há um artista entregue.
Portanto, é inevitável que haja uma comparação repleta de expectativa entre o MMLP1 e o MMLP2. E eu fiz imediatamente, o que foi um erro. Ao mesmo tempo em que esses álbuns são similares e complementares, eles também são completamente diferentes. A começar pelo tom. Em 2000 predominava um Eminem no auge do sucesso, cheio de raiva do seu passado e de artistas pops. Em 2013, o que vemos é um Eminem ainda sarcástico, mas bem mais maduro. Também é um Eminem firmado como grande artista, mas tentando voltar à velha forma depois de muitos dramas pessoais – melhor amigo assassinado, vício em drogas que quase resultou na sua morte, doença da mãe, fim do seu casamento (pela segunda vez com a mesma mulher).
Mas a grandeza de MMLP2 está exatamente no fato dele ter essa relação controversa com o seu homônimo. Não podemos exigir que o Eminem de hoje seja o Eminem do passado. Temos a péssima mania de achar que artistas devem parar no tempo. Não, grandes artistas evoluem, se transformam. Aliás, sempre que o Eminem se repetiu, ele foi apenas uma caricatura dele mesmo. Quem acompanha sua carreira percebe a evolução entre os melhores álbuns dele - quase como uma história.
O seu primeiro álbum, Infinite, foi um fracasso de vendas, mas apresentava um talentoso MC. O seguinte, The Slim Shady LP, assombrosamente apresentava um psicopata americano, disposto a xingar, matar e ferir a sociedade com palavras. Veio então o ápice com The Marshall Mathers LP e The Eminem Show, e a queda com Encore. A tentativa de voltar com um apelativo Relapse. E o recomeço mais humilde em Recovery. Agora é um novo passo. Talvez o mais ousado de todos. O desafio é se manter "sóbrio" e maduro sem perder a essência do seu diferencial.
Não ouso fazer uma análise música por música porque o álbum (versão Deluxe) é muito grande e seria injusto com algumas músicas que escuto pouco. Prefiro então destacar as que mais chamaram minha atenção, como faço a seguir.
Bad Guy
Ouça
Primeira grande conexão com o MMLP1. É simplesmente a continuação de “Stan”, que em minha opinião é a melhor música do Eminem. Se vocês lembrarem, “Stan” falava sobre um fã doentio, que era tão obcecado por Slim Shady que cometeu suicídio e matou a namorada para chamar atenção do seu ídolo. Em “Bad Guy”, temos a narrativa do irmão de Stan, Mathew (o menino que finaliza o épico clipe da música). Mathew representa todos os que foram ofendidos pelo desbocado Slim Shady e busca vingança. É uma clara reflexão do rapper sobre tudo o que fala, e as consequências que isso pode ter – a mesma reflexão feita em “Stan”, mas por outro ângulo, já que Stan exaltava o lado sombrio de Slim Shady, e Mathew o abomina. Uma música boa, mas incomparável com sua antecessora. Ela é mais longa e o ritmo é mais lento, o que distancia ela das rádios, por exemplo (“Stan”, mesmo longa, estourou em 2001). Em compensação temos mais uma incrível interpretação de Eminem no versos e diversas variações de tons conforme o humor de Mathew. Ah, e se em “Stan” Eminem fez o favor de apresentar para o mundo a talentosa Dido, em “Bad Guy” ele conta com a participação de Sarah Jaffe. Aliás, ao longo do álbum todo ele faz questão de promover novas vozes femininas para a música.
Survival
Um dos grandes sons do álbum. Um pancadão motivacional, com um envolvente refrão cantado por Liz Rodrigues e com interessante participação de guitarras. Fala sobre atingir o topo, sobreviver aos desafios. Eu quando preciso enfrentar um problema sempre aumento o volume e coloco-a pra tocar. Uma curiosidade, essa música foi feita inicialmente para o jogo Call of Duty, e não para o álbum, mas, para nossa sorte, foi incluída nele.
Legacy
Ouça
Mais uma vez Eminem percorre o seu passado triste e busca o garoto que era tímido, desajeitado, rejeitado pelo pai e sofria com abusos morais da mãe. Mas aqui ele troca o tom debochado e violento por uma reflexão mais profunda e esperançosa sobre o seu legado. Mais uma voz feminina se destaca no refrão: Polina.
Berzerk
Ouça
Foi o primeiro single do álbum. Uma clara referência ao hip hop dos anos 80, a música foi produzida pelo lendário Rick Rubin. Aqui ele perde a compostura e volta a ser um pouco Slim Shady, falando sobre violência (de forma bem sutil se comparado ao passado) e provocando Khloe Kardashian, que ele carinhosamente chama de Kardashian “feia”. Gosto das variações de tom e de ver que ele ainda pode “enlouquecer” como antigamente.
Rap God
Um épico. “Rap God” é pretensiosa e extremamente irônica. É quase um freestyle onde ele dispara muitas palavras por segundo e atinge muita gente. Ela é tão grande e complexa que fica difícil destacar tudo. Há momentos interessantes onde ele provoca rappers novos. Há o resgate de uma frase cortada em MMLP1, onde ele falava das crianças assassinadas em Columbine. A frase foi cortada pela gravadora na época e aqui ele a fala como quem dissesse “quem vai cortar agora?”. Há também a velha polêmica envolvendo homossexuais – apesar de ser amigo de Elton John e ter se declarado favorável ao casamento gay, ele ainda usa a palavra “fag” que é extremamente ofensiva. Mas acho que em muitas partes da música ele é irônico com ele mesmo, como quando diz que rima como um robô ou até mesmo quando finaliza a música perguntando porque ele deveria ser um rei se ele pode ser um deus. Cabe lembrar que a música foi lançada no mesmo ano em que Kanye West lança Yeezus e Jay-Z lança Magna Carta Holy Grail. Não é de se duvidar que tudo não tenha sido uma grande provocação.
The Monster
Ouça
Muitos fãs do Eminem odiaram essa música por ela ser muito pop. Eu gostei dela por isso. É um daqueles momentos confusos que te fazem pensar “por que isso?”. Gosto da temática de “The Monster”, fala sobre Slim Shady e seus pensamentos mais sombrios. Fala não, confronta. Há um momento interessante onde ele fala sobre falar às crianças que sofrem com bullyng como ele sofreu, na vontade de dar a elas a motivação a responderem e serem mais confiantes. O que não posso discordar, ele foi meu herói em uma época difícil no colégio. O clipe complementa todo esse resgate que ele faz com suas polêmicas relacionando a esse “monstro” que tem no inconsciente. E parem de odiar a Rihanna. Eles fazem uma puta dupla!
Love Game
Ouça
Kendrick Lamar é uma das grandes promessas do rap moderno. Eu particularmente não sou tão fã dele, gosto de uma ou outra música e acho supervalorizado. Entretanto, essa é uma das melhores músicas do álbum e ele tem grande culpa nisso. “Love Game” é um show lírico! A ironia toma conta do começo ao fim e é hilária a forma que os dois lidam com relacionamentos.
Headlights
Essa sem dúvida alguma é minha música favorita do álbum. “Headlights” é extremamente emocionante, sincera e intrigante para quem acompanhou a carreira do Eminem desde o início, onde ele sempre culpou a mãe por sua infância difícil. Viciada em drogas ela abusou moralmente dele, agrediu e o expulsou de casa. Eminem sempre fez músicas pesadas contra ela – matando-a nas letras, inclusive. Porém, isso mudou há alguns anos. Deborah Mathers ficou doente e pediu perdão ao filho. Isso aconteceu, mas não midiaticamente. Em “Headlights”, Eminem traz isso à tona e demonstra que está arrependido de tudo que falou, dizendo que ama sua mãe apesar de todas as diferenças entre eles. Eu nem sabia que curtia a voz de Nate Ruess até ele me emocionar com esse refrão – principalmente na última parte, que infelizmente foi cortada no clipe...
Evil Twin
Ouça
Outro confronto com o passado. Aqui ele questiona quem ele vai provocar agora que as boy bands acabaram. Diz não ter graça provocar Justin Bieber ou a Lady Gaga, que o alvo dele agora é outro: os falsos rappers. É uma música polêmica, que se assemelha nas intenções à “The Real Slim Shady” ou “Without Me”, mas é distante em termos de ritmo. Não foi feita para tocar na rádio e sim para ver o sombrio Slim Shady atuar mais discretamente.
Beautiful Pain
Ouça
Eu quase nem dei bola pra essa música durante muito tempo, mas hoje é uma das minhas favoritas e possivelmente o próximo single. É poética e conta com um refrão vibrante cantado por Sia (mais uma voz feminina).
Não que as outras músicas sejam ruins, bem pelo contrário. Elas são bem boas. Mas são essas as que me chamam mais atenção e que escuto com mais frequência. Escuto esse álbum há 8 meses sem parar, e temo me viciar como me viciei em MMLP1, vício que dura 14 anos.
Novamente alerto que um não pode ser comparado com o outro, são momentos diferentes. Se fossem parecidos seria trágico! O grande lance de MMLP2 é ele ser uma revisão. É como se Eminem olhasse para o passado e avaliasse como ele está AGORA. E, mais uma vez, ele faz isso de um jeito genial.
The Marshall Mathers LP 2
Lançamento: 5 de Novembro de 2013
Gravadora: Interscope
Produção: Aalias, Alex da Kid, Cardiak, DJ Khalil, Dr. Dre, DVLP, Emile, Eminem, Filthy, Frank Dukes, Frequency, Jeff Bhasker, Luis Resto, M-Phazes, Rick Rubin, S1, Sir Roams, StreetRunner
Duração: 78m13s
0 comentários:
Postar um comentário