por Caio Coletti
Apesar de ser uma das maiores (senão a maior) cerimônia de premiação do planeta em qualquer área do entretenimento, o Oscar por vezes não é uma festa feita e pensada para um grande público. A noite da Academia pode até agradar os olhos e a fome de espetáculo dos novatos, mas a verdade é que é feita sob medida para quem realmente ama cinema, e poucas cerimônias demonstraram isso melhor, na história recente, do que o Oscar 2012. A começar pelo resgate de Billy Crystal como apresentador da noite (o comediante, anfitrião do prêmio da Academia pela nona vez, não pisava no palco do Oscar desde 2004), esse ano foi definido por duas palavras conforme os prêmios eram entregues e os gracejos da cerimônia eram apresentados no ex-Kodak Theatre: paixão e nostalgia.
Crystal não é um apresentador de Oscar à la Hugh Jackman com seus convidados especiais e números acrobáticos, e também não faz o estilo abobalhado de Steve Martin e Alec Baldwin, que fizeram da cerimônia de 2010 algo bem mais divertido. Mas tanto Hugh quanto a louvável dupla supracitada precisam se curvar a experiência e as piadas do nova-iorquino. Zombeteiro na medida certa, econômico nos recursos de que desfrutou, sempre com uma boa risada na manga e cheio de classe quando precisou falar sério (um dos homenageados do sempre emocionante in memoriam era um amigo pessoal do comediante), Crystal protagonizou alguns dos momentos mais dignos da história recente do Oscar. Pra escolher só um grande momento do anfitrião da noite, melhor ficar com a passagem em que ele leu as mentes de alguns dos figurões da platéia (vídeo em inglês).
Para além do anfitrião, o show do Oscar 2012 foi um dos maiores triunfos de produção que a Academia conseguiu alcançar nos últimos anos. A saída das apresentações musicais dos indicados a Melhor Canção acabou sendo uma escolha acertadíssima quando se tem na manga interlúdios encantadores para apresentar os indicados de cada categoria (a parte das categorias musicais, aliás, com seu livro de partituras projetado, foi realmente deslumbrante), o Cirque de Soleil apresentando uma belíssima performance que casou perfeitamente com o tema da cerimônia e, claro, as peças mais interessantes da noite: pequenos vídeos de rostos conhecidos (e outros nem tanto) que fazem cinema, falando exatamente sobre fazer cinema. Foi o momento de realmente mergulhar num mundo que só estamos acostumados a ver do outro lado da tela. E talvez seja justamente essa a grande magia da noite do Oscar.
Quem levou?
Você já sabia, e eu também, mas nada disso apaga a tremenda ousadia da Academia em premiar um filme em preto-e-branco, mudo e francês. O prêmio principal da noite não saía para nada fora do eixo EUA/UK desde 1988, quando Bertolucci e seu O Último Imperador foram coroados, e o filme de Michel Haznavicious, também coroado como melhor diretor, é a primeira história muda a levar o prêmio desde Asas, em 1929, ano da primeiríssima cerimônia de entrega da Academia. O Artista acabou levando para casa 5 prêmios: Melhor Filme, Melhor Ator (o carismático e eufórico Jean Dujardin, que até sapateou no palco em seu discurso de agradecimento), Melhor Diretor (Haznavicious), Melhor Figurino e Melhor Trilha-Sonora. Só não foi vencedor isolado da noite porque havia um Martin Scorsese no caminho.
“E, como esperado, o filme mudo e em preto e branco, levou o prêmio de melhor filme da noite e o de Melhor Figurino. A academia podia ter continuado com a sua tendência de dar seus prêmios de melhor figurino a filmes épicos, sendo assim, Anonymous (Anônimo) e Jane Eyre teriam tido chance de mostrarem como seus figurinos são realmentes dignos do prêmio, porém parece que a ideia de mostrar que a Era Jurássica e suas tecnologias adjacentes nos servem de inspiração e diversão deu mais certo do esperávamos.”
(GuiAndroid sobre a categoria de figurino)
Hugo é mais uma ousadia: adaptação de uma novela infanto-juvenil, o filme apresenta Scorsese lidando pela primeira vez com a tecnologia 3D, mas não foi dessa vez que um filme empregando a nova moda do cinema contemporâneo levou alguma coisa nas categorias principais. Ainda assim, a fábula do diretor ítalo-americano saiu com o mesmo número de prêmios de O Artista, afirmando sua primazia técnica com as estatuetas de Melhor Fotografia (terceira vitória da carreira de Robert Richardson, que já levou por O Aviador, também de Scorsese, e JFK, de Oliver Stone), Melhor Direção de Arte, Melhor Edição de Som, Melhor Mixagem de Som e Melhores Efeitos Visuais. Entre os favoritos, só não sobrou muita coisa para Os Descendentes, que acabou se tornando a grande aposta de George Clooney para esse ano, já que a Academia esnobou seu brilhante Tudo Pelo Poder. O filme de Alexander Payne ficou só com Melhor Roteiro Adaptado.
O clube dos agraciados com apenas uma estatueta ainda teve o encantador Meia-Noite em Paris de Woody Allen, que surpreendentemente levou Melhor Roteiro Original, uma vez que a picuinha entre Allen e a Academia (o diretor-roteirista nunca compareceu a cerimônia, ainda que tenha 4 vitórias no currículo) nunca foi totalmente resolvida. Do suposto favoritismo de The Help restou o seu único prêmio incontestável, o de Melhor Atriz Coadjuvante para uma emocionada e adorável Octavia Spencer. Toda Forma de Amor também se contentou com o seu prêmio esperado: a lenda viva Christopher Plummer se tornou ator mais velho a ser premiado com o Oscar ao levar Melhor Ator Coadjuvante pelo papel do pai de Ewan McGregor.
Capítulo a parte, mesmo, merece Meryl Streep. Não se contentando em levar pra casa o terceiro prêmio de sua carreira ao vencer Melhor Atriz por A Dama de Ferro, a americana ainda destilou classe, deboche e humildade em um dos melhores e mais amáveis discursos da noite. Ela começou com um ligeiramente venenoso: “Eu tive essa impressão, quando chamaram meu nome, de ouvir metade da América dizer ‘ah não, porque ela de novo?’. Mas, sabe, que seja.”. Para contrariá-la só mesmo a ovação instantânea e barulhenta de toda a audiência (no teatro e, eu imagino, do outro lado da TV) e a confirmação de que, ao vê-la subindo no palco, vemos não apenas uma atriz que estoura todos os padrões de qualidade de atuação, mas uma das maiores artistas que tiveram a honra de receber aquela estatueta. E que alguém ouse contestá-la e suas 17 indicações ao prêmio maior do cinema. Ou duvidar que venham mais algumas por aí, aliás.
“Meryl. Mamma Mia! Nós estavamos na Grécia. Nós dançamos. Eu era gay, e nós éramos felizes” (Colin Firth apresenta a indicada – e depois vencedora – Meryl Streep, fazendo referência a seus personagens em “Mamma Mia!”)
“Você é só dois anos mais velho que eu, onde esteve toda a minha vida?” (Christopher Plummer trava um diálogo com a estatueta do Oscar ao subir para receber o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante)
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