13 de fev. de 2012

Born To Die – E quem disse que um personagem não pode ser real?

born to die 1

por Caio Coletti

Assim como em boa parte dos atos pop desde sempre, a grande questão que tem cercado Lana Del Rey desde sua ascensão ao estrelato com o vídeo caseiro de “Video Games” pode ser expressada em uma palavra: autenticidade. Do olhar vazio às melodias arrastadas (essas ainda realçadas pela interpretação sedada que parece ser a escolha primária da cantora), passando pelo nome falso e pelos lábios supostamente aumentados por cirurgia, Del Rey tem alimentado rumores quanto a validade de sua performance.  O fato de possuir um disco lançado em 2010 (um fracasso retumbante, mas um bom álbum) sob seu nome de batismo, Lizzy Grant, não ajuda. O que de fato surpreende este que vos fala, no entanto, é o seguinte: com Lady Gaga andando por aí e nos mostrando que, às vezes, um personagem é a expressão mais autêntica de um artista,  qual é o problema de aceitar Lana Del Rey como um teatro?

O pseudônimo condiz com a imagem: o primeiro nome é emprestado da diva do cinema da era de ouro Lana Turner, conhecida pelos papéis de femme fatale nos filmes noir; o sobrenome, por sua vez, faz referência ao modelo Del Rey da Ford, um sedan de luxo produzido entre as décadas de 80 e 90, no nascimento da cultura hip hop, e vendido na América Latina. O resultado dessa mistura é que o Born To Die é algo como o álbum que uma das personagens de Turner faria, se tivesse crescido em Nova York mergulhada na cultura das ruas e feito amigos porto-riquenhos em sua época de faculdade. Nem um pouco coincidência que essa seja justamente a história de vida de Grant, agora tornada em Lana Del Rey, e é justamente essa mescla de influências que faz do Born To Die um disco tão único.

As batidas do hip hop soam e ressoam em canções como “Off To The Races” e “Diet Mtn Dew”. A primeira é o épico do disco, com duração que estoura os 5 minutos e coloca Lana para declamar versos que poderiam ser um rap, se não estivessem colocados na entonação súplice e arrastada da cantora. A produção climática do refrão lembra os melhores momentos de Kanye West, enquanto Lana demonstra sua incrível flexibilidade vocal e interpretativa em uma série de usos perfeitos do registro agudo. “Diet Mtn Dew” é uma coleção de ganchos e refrões mezzo-hip-hop, mezzo-funk (o funk de James Brown e cia., que fique claro). Tanto Lana quanto a produção passeiam pelos três minutos e meio de canção: ela, nos oferecendo uma interpretação sexy em sua qualidade de Lolita; e a produção, estourando a criatividade em cima de um instrumental baseado em batida, baixo recortado e linha de piano.

A femme fatale de Lana aparece também em momentos mais melódicos, é claro. A faixa-título, que também é a de abertura, “Born To Die”, tem refrão e versos que hipnotizam o ouvinte e o colocam no clima do álbum sem precisar mostrar todas as cartas que este tem na manga. “Video Games”, por sua vez, não é canção que começou todo o hype sobre a figura de Del Rey por acaso. Com sua letra acima da média, a canção ganha ainda mais pontos com a produção criativa, que se aproveita da recém-revivida obsessão da música pop por harpas (culpa do Florence + The Machine) e acrescenta detalhes sutis que complementam a experiência do ouvinte, como a batida de fanfarra ao fundo no refrão.

“Million Dollar Man” é uma balada jazz solitária em meio a tantas influências no Born To Die, mas tem a produção ao seu lado para lhe dar um toque parecido com as outras canções do álbum, o arranjo de cordas com toques digitais soando quase estridente e ainda assim dando espaço para se ouvir uma linha de piano tradicionalíssima (e linda) sob a voz segura e fervilhante, aqui em interpretação audaciosa, de Lana. E, claro, há “Radio”. Há certa qualidade etérea nela, e em quase todas as melhores canções do Born To Die, que talvez seja o grande diferencial de Lana até o momento em sua carreira. Aqui, os vocais passados por filtros na produção servem a um bom propósito: a atmosfera sedada da canção é fácil de ser transportada para o ouvinte, que se vê navegando pela vida “doce como canela” que a cantora descreve com um pouco de espírito de vingança e um pouco de sedução pop, conseguindo um resultado genuinamente brilhante.

A única falta do álbum parece ser a hiperbólica “National Anthem”, ambição demais para pouco envolvimento, que ainda desperdiça pelo menos uma grande ideia melódica (a ponte “Red, white, blue’s in the skies/ Summer’s in the air/ Baby, heaven’s in your eyes”). Há também as duas canções com a interferência de Rick Nowels, conhecido pelo trabalho com Dido e Colbie Caillat. “Dark Paradise” é a faixa que mais demonstra intenção da produção de carregar a música de Lana para as pistas de dança, e os sintetizadores e batidas electro não fazem tão mal a cantora. Já o objetivo de “Summertime Sadness” parece ser a de sintetizar musicalmente o restante do álbum. Aqui ouve-se batidas hip hop, arranjos de cordas, o registro mais agudo e o mais grave de Lana, a batida de fanfarra, a guitarra de faroeste. Talvez seja informação demais para uma música só.

Em Born To Die, vemos Lana como a femme fatale dos anos 50, a mulher perigosa que, ao mesmo tempo que era capaz de matar (literal e figurativamente) seu parceiro, era também devotada e dedicada ao amor, dotada de certa melancolia. Mas é possível enxergar a trajetória de Lizzy Grant também. É possível enxergar alguém lidando com a fama repentina, maquinando suas próprias influências de vida em forma de música. Criar uma personagem, afinal, não deixa de ser uma expressão da “atriz”. Lana Del Rey faz parte da tradição mais antiga, e ainda assim daquela que mais está em voga, da música pop: dramatizando a si mesma, estourando suas próprias qualidades e defeitos na forma de uma criação que é ao mesmo tempo música e personagem (e não me venham tentar dividí-los), ela se expressa tanto e tão bem quanto qualquer outro artista.

**** (4/5)

born to die 3born to die 2

PS: Por falar em gente (e talento) nova, eu postei esses dias no meu SoundCloud dois cover que minha amiga fez, um para uma música da Adele, que papou todos os prêmios do Grammy realizado no último domingo, e outri para uma canção do Pink Floyd. A aprovação foi geral. Talento é pra ser admirado. Cliquem ali em cima e apreciem o da Brenda também. ;D

“Come on take a walk on the wild side/ Let me kiss you hard in the pouring rain/ You like your girls insane/ So choose your last words/ This is the last time/ ‘Cause you and I/ We were born to die”

(Lana Del Rey em “Born To Die”)

0 comentários: