25 de mar. de 2011

Tudo Pode dar Certo (Whatever Works, 2009)

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É raro, hoje em dia, encontrar um filme que, sem grandes dramas nem grandes farsas, faça o espectador realmente pensar sobre a forma como vem encarando a vida. O cinema pensante, mais ainda, o cinema que faz pensar, está em extinção. E a função dos filmes como forma de arte, além de entretenimento que são em primeira estância, como espelho e oportunidade de reflexão de nosso mundo, está acabando junto com ele. Talvez por isso um filme como Tudo Pode dar Certo seja como um bem-vindo refresco. Vindo de Woody Allen, não é de se espantar que a obra faça pensar: mas é a estranha e encantadora mistura de cinismo e romantismo do diretor que dá sabor e graça a história de um misantropo que, aos poucos, se prova tão certo quanto poderia estar, na teoria. Mas como o próprio protagonista diz a certa altura do filme: a vida não é na teoria. E Tudo Pode dar Certo nos ensina a reconhecer nossas próprias convicções mais arraigadas e segui-las com todo o afinco. Nada mais reconfortante, e nada menos “woodyalleniano”.

A verdade é que Tudo Pode dar Certo (no original, Whatever Works, algo como “o que quer que funcione”) é um pouco estranho no ninho das obras recentes do diretor e roteirista preferido da crítica. Primeiro, Allen volta a nova York na qual não filmava desde Melinda e Melinda, de 2004. E o conhecimento intrincado que ele tem da cidade, a liberdade que ele tem nela para incluir um tipo autoreferente como o Boris verborrágico, cínico e descrente de Larry David, tudo traz a memória um Woody Allen que costumava ser menos frio com os personagens que tratava. Sim, o roteiro ainda joga com destinos e finais com realismo e honestidade exemplares, mas Allen se permite envolvimento, afeição, quase amor incondicional pelas pessoas multifacetadas que ele constrói com a genialidade verbal de sempre.

A trama acompanha Boris (Larry David), homem passado da meia-idade, divorciado, suicida fracassado e cientista frustrado, com a visão paranóica, ácida, sarcástica e cínica do mundo que é a marca registrada do próprio Allen. Quebrando a quarta parede com muita originalidade, Boris conversa com o espectador e conta sua própria história ao encontrar-se com Melody (Evan Rachel Wood), garota mais nova e interiorana que foi parar na Grande Maçã escapando da casa dos pais puritanos de mente fechada. Abrigando ela após muita resistência, Boris surpreende-se com as tramóias do destino e, aos poucos, percebe que os dois são almas gêmeas. Ou algo parecido, na verdade. Não se preocupem, os menos românticos: Allen dá um jeito de inverter essa história, trazê-la para um contexto ao mesmo tempo estritamente reslista e engraçado na forma que é muito particular do diretor.

O elenco que Allen reúne aqui não é tão estrelado quanto passou a ser nos últimos anos, mas compensa a falta de visibilidade com performances absurdamente adequadas. Larry David, ele mesmo, é um poço de carisma e um comediante de mão cheia, tirando de letra as longas falas que Allen lhe confia e encarnando um memorável alter-ego do escritor mais idiossincrático de todo o cinema americano. É um daqueles personagens que adoramos odiar, com os quais nos irritamos as vezes, mas pelo qual nos vemos sorrindo quando sobem os créditos. Evan Rachel, por sua vez, não fica atrás e compoe uma Melody adoravelmente ignorante, com enorme força de vontade e senso de amadurecimento fantástico, uma personagem de certa forma ambígua como todas as boas personagens devem ser.

Os destaques fecham com a marcante presença de Patricia Clarkson, que Allen pescou direto de Vicky Cristina Barcelona para o papel talvez simbólico de tudo o que  Tudo Pode dar Certo representa: o processo de mudança pelo qual a mãe puritana de Melody passa ao se encontrar com o mundo de Boris e com as próprias e verdadeiras ambições artísticas é exatamente o que Allen quer dizer. Não se arrependa, não se enclausure em si mesmo. Cada pequeno gesto pode e deve valer a pena. Cada demonstração de amor deve ser agarrada com unhas e dentes, porque no final é só isso que vai fazer algum sentido. Enfim, nessa vida cheia de pontos escuros, faça o que quer que funcione para você. Mas faça. Tudo Pode dar Certo, como filme, é certamente uma oportunidade bem aproveitada.

Nota: 8,0

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Tudo Pode dar Certo (Whatever Works, EUA/França, 2009)

Uma produção da Sony Pictures Classics/Wild Bunch…

Dirigido e escrito por Woody Allen…

Estrelando Larry David, Evan Rachel Wood, Patricia Clarkson, Henry Cavill…

92 minutos

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