25 de out. de 2010

Michael Moore, armas e o sonho americano

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20 de Abril de 1999, uma cidadezinha no coração do estado americano do Colorado, assistiu a um dos mais famosos massacres escolares da história dos Estados Unidos da América. Na Columbine High School, dois alunos do último ano, Eric Harris e Dylan Klebold, invadiram a escola munidos de quatro tipos de armas diferentes e mataram 12 estudantes, mais um professor, tirando as próprias vidas logo depois. Pronto, está aí o básico de fatos que você precisa saber para entender Tiros em Columbine, o documentário que o sempre incendiário Michael Moore montou em cima do massacre três anos depois, em 2002. Documentário apenas tecnicamente, por nao se apoiar em uma narrativa de ficção nem abandonar a linguagem cinematográfica, que fique bem claro, porque Columbine, o filme, é muito mais um discurso em busca de provar um ponto do que uma obra do cinema-verdade. Moore sobe no palanque com uma tese engenhosa montada, e não resta dúvidas de que é capaz de tudo para prová-la.

Talvez daí venham todas as críticas feitas a veracidade das informações que Moore nos passa em Columbine (entre outras de suas peças polêmicas). Existe, inclusive, uma resposta destes críticos em forma de filme, o pouco-visto-mas-muito-discutido Michael Moore Hates America, que ataca essa investida específica do cineasta contestanto a autenticidade da chocante passagem em que Moore abre conta em um banco, na mesma cidade em que o massacre tomou parte, e ganha como prêmio, nessa “operação”, um rifle de caça, totalmente gratuito. Acontece que, de acordo com os funcionários do banco entrevistados pelo diretor de Michael Moore Hates America, a coisa não funciona bem assim: é preciso retirar um cupom, passar por todas as etapas legais e retirar a arma em um estabelecimento separado do banco. Especula-se até, no filme anti-Moore, que a cena do cineasta saindo do banco com rifle em punho foi feita com uma arma comprada anteriormente. Acontece que, independente da veracidade de tais e outras críticas, os fatos são os fatos. Moore não faz nada a não ser torná-los, mais, digamos assim, cinematográficos (e chocantes).

Portanto, para alguém que realiza mais um discurso político-sociológico que defende uma tese, Moore se mostra um cineasta ciente e conhecedor de sua linguagem. Mas nos atenhamos ao que ele nos mostra: procurando por causas do acontecido em Columbine, Moore se pergunta sobre a origem da violência, e especialmente uma violência tão concentrada e individualizada, em uma sociedade que se orgulha de ser a liderança-maior da civilização contemporânea. Primeiro, ele vira suas câmeras para os culpados pela mídia e pelos políticos em geral a época do acontecido. São os suspeitos usuais, enfim: filmes, games e músicas violentas, o passado violento da nação americana. Numa seqüência especialmente ilustrativa no sentido de desmentir esses suspeitos, Moore mostra, entrevistando civis na França e nos mostrando estatísticas impressionantes, que alguma coisa na América é diferente do resto do mundo.

No Japão, de onde vem a maioria dos games violentos que se acusou, a média de assassinatos por arma de fogo por ano é de 39. Na França, onde mais se assistem filmes americanos (aqueles violentos, inclusive) em toda a Europa, é de 255. Na Alemanha, o berço da do heavy metal gótico, e provavelmente a nação com história mais manchada por violência do mundo, chegamos ao número 381. Do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos, no entanto, a contagem é de 11.127 homicídios, via arma de fogo, anualmente. Pode ser que Moore manipule alguns fatos, mas não dá para negar números como esses. Alguém está fazendo alguma coisa errada na América. Ou não.

É aí que chegamos nos culpados para os quais Moore aponta seu dedo. Uma mídia que nos obriga a ter mais medo do que precisamos ter, cobrindo cada vez mais crimes mais violentos enquanto a própria taxa de assassinatos urbanos cai anualmente, em níveis notáveis, desde 2000. Empresas armamentistas que produzem a ritmo frenético para armar essa população assustada, que sempre é incentivado a consumir, para sua própria segurança, e de sua família. E, quando o consumo não é o bastante, internamente, é preciso escoar essa produção belicamente, para além das próprias fronteiras. Morre nos mostra isso em mais uma de suas set-pieces habilidosas, e no que talvez seja o momento mais claramente político do filme.

Entre 1953 e 2001, Moore explora algumas das mais graves contradições e falhas americanas, com consequências bélicas, ao som irônico de “What a Wonderful World”. Os fatos (e alguns rumores)começam a ficar quentes por volta da década de 1980, quando o governo forneceu, às claras, armas e treinamento para o grupo terrorista de Osama Bin Laden e, poucos anos depois, ainda deu total apoio estrutural a investida de Saddam Hussein contra o Irã. Na década seguinte, no entanto, quando Saddam voltou suas armas para o Kuwait ditatorial, os “Paladinos da liberdade”, então chefiados por George Bush pai, decidiram lutar contra o exército armado as suas próprias custas. Porquê? Moore não nos reponde, mas parece sugerir que a política externa americana, além de uma bagunça, é constantemente guiada por razões econômicas. Claro, a magia sempre vira contra o feiticeiro, e os mesmos terroristas treinados pelos americanos na década de 1980 embarcaram em três aviões que causaram o maior ataque terrorista da história, e você sabe muito bem do que eu estou falando.

O choque gravado pela câmera de Moore em uma filmagem amadora do ataque, no fim dessa mesmas montagem, chega a ser hipócrita. Estava tão obscura assim a razão de tudo isso? Talvez tão obscura quanto a razão para dois garotos criados numa cultura em que o medo alimenta a economia, em que o culto ao porte e uso de armas é absurdo, entrarem numa escola e, num momento de absoluto desespero, matarem 12 estudantes, e a si mesmos. Não é uma justificativa, não é isentá-los de culpa. Psique frágil ainda é um defeito, no final das contas. Mas talvez a culpa seja tanto dos influenciados quanto dos influenciadores. E é nessa virada que Columbine escapa das críticas e contestações para instigar um debate que pode, e deve, render muito.

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Os dois sub-produtos dessa tragédia foram a violência no entretenimento e o controle de armas. E quão perfeito que essas fossem as duas coisas que discutiríamos na eleição para presidente. E, além disso, nos nos esquecemos de Monica Lewinsky e esquecemos que, bem, o presidente estava jogando bombas do outro lado do oceano. Ainda assim, eu sou um cara mau, porque canto algumas músicas de rock n’ roll. E quem é maior influência, Marilyn Manson ou o presidente? Eu adoraria pensar que sou eu, mas eu vou ficar com o presidente”

(Marilyn Manson, entrevistado em “Tiros em Columbine”)

3 comentários:

Unknown disse...

Olá Caio.
Post publicado.
Até mais.

Babi Leão disse...

Por incrível que pareça, nesse eu não dormi! E eu amei a ironia nele!
Melhor que o documentário é a crítica que eu acabei de ler... Você tem uma visão incrível!
Sem palavras, como sempre...
Beijos!

bones disse...

Não consigo levar a sério Michael Moore. No fim ele fez dessa cruzada "contra" a America uma fonte de renda. Tem coisa mais americana que isso?