13 de ago. de 2010

A Onda (Die Welle, 2008)

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Se nesses tempos de Wikipédia alguém ainda tiver paciência de procurar alguma coisa em um dicionário, vai notar que a ascepção de fascismo (diz o Aurélio: “Sistema político nacionalista, imperialista, antiliberal e antidemocrático…”) vem logo abaixo do verbete fascínio (ainda no pai dos burros: “Atração irresistível, fascinação…”). Certos arranjos cósmicos ou humanos não são nem um pouco por acaso. Por definição, e por mais que pareça absurdo pensar nisso hoje, quase um século depois do movimento de Mussolini, irmão próximo do nazismo de Hitler, surgir em terras italiantes, a natureza humana é fraca o bastante, influenciável o bastante, entediada o bastante, para se deixar levar por ideais que são tudo, menos razoáveis. O fascismo não está tão morto quanto pensamos. O que falta, ainda bem, é alguém para trazê-lo a tona.

A Onda, filme alemão de 2008 engendrado bilhantemente pelo jovem Dennis Gansel, pouquíssimo conhecido por aqui (o maximo que você deve lembrar dele é a comédia Garotas Procuram, isso se for o caso), levanta essa questão e bate fundo na percepção do espectador ao mostrar que não há ambiente e geração mais propícios para o aparecimento de um movimento totalitário do que os nossos. Isso tudo transportando uma história real ocorrida  na Califórnia para a Alemanha, onde, naturalmente, o tema gera ainda mais polêmica. O roteiro de Gansel e do desconhecido Peter Thorwath não foge delas, mas sofisticadamente as contorna para contar uma história chocante, sim, mas num ambiente tão realista que não é possível julgar ou culpar ninguém, em momento algum. Em A Onda todos estão, em certa medida, tão certos quanto equivocados. E esse clima torna um filme que poderia ser apenas conceitualmente impressionante em uma obra completa, de cores quentes e intensas, verdadeiramente humana.

A começar pelo professor roqueiro e anarquista Rainer Wenger (Jürgen Vogel), que toma uma rasteira de um colega e é orbigado a dar aulas especiais, por uma semana, sobre autocracia, a forma de governo exercida por um poder centralizado e autoritário. Para tanto, ele aos poucos vai criando um movimento próprio, de ideologia bem definida e objetivos inicialmente pedagógicos, que acaba se tornando um ponto de apoio, um desafio, uma causa para a vida fácil de seus alunos entediados. Jens (Tim Oliver Schultz) talvez seja o personagem mais forte nesse sentido, mas o script é tão engenhoso que envolve o espectador com todos os personagens e mostra diferentes facetas para as causas e conseqüências de um movimento que todos, no primeiro momento, colocariam como impossível. Marco (Max Riemelt) aprende sobre união, mas acaba confundido unidade com perda de individualidade, Dennis (Jacob Matschez) reafirma sua identidade, aprende a impor suas opiniões, mas não percebe que, com isso, deixa de respeitar a dos outros. E o círculo vicioso se repete com todos os personagens, em arcos de transformação lógicos e inteligentes.

Tecnicamente, seja dita a verdade, A Onda não tem nada de especial. A encenação de Gansel é mero apoio para os conceitos que ele deseja passar. Sua concepção de cinema urgente, caloroso, intenso e ainda assim um tanto quanto distanciado do trabalho dos atores deixa um gosto quase agridoce na boca do espectador mais atento. Seus planos longos, preferidos sempre aos cortes rápidos, e sua movimentação insistente e leve de câmera funcionam só até certo ponto. Falta-lhe elegância, sobra-lhe instinto. O elenco, por sua vez, dá conta do recado, mas não apresenta nada de especial. Vogel protagoniza com uma atuação concentrada e ajustada ao personagem, mas nem mesmo na chocante cena final nos apresenta uma atuação capaz de prender a percepção de quem assiste por si só. O mesmo pode ser dito do elenco jovem, destacando-se do pelotão os talentosos Elyas M’Barek (Sinan) e Cristina do Rego (Lisa).

A força de A Onda está mesmo nas palavras, e no significado que elas trazem. O discurso fascista perto do final, proferido pelo professor/líder do movimento, é de um impacto que poucos filmes americanos conseguiram produzir no espectador nesse século. Nisso, A Onda permanece europeu por natureza: faz o espectador pensar, e colocar-se no lugar dos próprios personagens. E, quem sabe, pode até mudar algumas de suas atitudes, se você não for antiliberal, rígido, totalitário… enfim, fascista demais para isso.

Nota: 8,0

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A Onda (Die Welle, Alemanha, 2008)

Drigido por Dennis Gansel…

Escrito por Dennis Gansel, Todd Strasser…

Estrelando Jürgen Vogel, Frederick Lau, Max Riemelt, Jennifer Ulrich, Christiane Paul, Jacob Matchenz, Cristina do Rego, Elyas M’Barek…

107 minutos

3 comentários:

Babi Leão disse...

Absolutamente ! "A força de A Onda está mesmo nas palavras, e no significado que elas trazem." Foi um dos poucos filmes que assisti esse ano e que prendeu minha atenção, me fazendo pensar.
Deu até um certo medo de estarem fazendo uma lavagem cerebral na minha cabeça tambem e eu nao estar percebendo, ou até amadurecendo sem pensar, como aconteceu com vários personagens !


Amei a crítica, eu daria nota 10 !
Beijos!

Igor Pinheiro disse...

Eu sou tipo doido pra ver e esse filme e sse post só me deu mais vontade ainda de fazer isso. Gosto de filmes do gênero, com essa temática mesmo, e esse parece ser bem diferente e, como você mesmo disse, parece fazer pensar... Verei em breve! =D

Marcelo A. disse...

Desde o tempo em que o filme ainda estava em fase de produção, li bastante coisa a respeito. Se não me engano, li até mesmo uma entrevista com o professor que na década de 60, protagonizou o episódio que inspirou o longa. Também tenho a maior curiosidade de ler o livro, mas ainda não o fiz. É um filme para se pensar, por isso, recomendo entusiasticamente praqueles que ainda não o conferiram.

Abração, Caio, e valeu pelos seus comentários sempre inteligentes!