24 de mar. de 2017

Review: Com o remake nos cinemas, qual é o legado do A Bela e a Fera original da Disney?

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por Caio Coletti

A Disney tinha muito mais a provar em 1991 do que tem em 2017. Naquela época, o estúdio tinha acabado de sair de uma de suas fases menos lucrativas e prestigiadas, tudo graças a um pequeno filme de 1989 chamado A Pequena Sereia, que mais tarde ficaria marcado como o responsável pelo “renascimento” do setor de animação do estúdio. O projeto de adaptar A Bela e a Fera, do conto clássico de Janne-Marie Leprince de Beaumont, portanto, era um de vida ou morte para a Disney – muito diferente do que acontece com o A Bela e a Fera live-action, lançado há pouco mais de uma semana nos cinemas, que vem depois do ano mais lucrativo da história do estúdio nos EUA e ainda serve como o novo de uma leva de adaptações com atores de clássicos animados, “franquia” que, via de regra, tem sido muito bem sucedida nas bilheterias e entre a crítica.

A pressão com a qual o filme animado original chegou aos cinemas na década de 90 talvez tenha a ver com o detalhismo do trabalho que transparece nos pouco menos de 90 minutos do filme, recompensado com seis indicações ao Oscar (e 2 vitórias, em Trilha Sonora e Canção Original), incluindo a distinção de se tornar a primeira animação a concorrer a Melhor Filme na premiação. Tecnicamente, o A Bela e a Fera de 1991 é tão impressionante quanto o de 2017, ainda que por motivos diferentes – aqui, a visão artística de cada animador envolvido na concepção e execução das cenas-chave do filme brilha, seja no design dos personagens (a Fera é de fato a obra prima do talentosíssimo Glen Keane, expressiva e inconfundível) ou no desenvolvimento da história através das músicas e do roteiro, trabalhados por Alan Menken & Howard Ashman e Linda Woolverton, respectivamente.

Muitas interpretações e discussões já foram levantadas sobre a história d’A Bela e a Fera. Em seu cerne, ela tem problemáticas óbvias, especialmente levando-se em conta que é, essencialmente, a história sobre uma refém que se apaixona por seu sequestrador, perpetuando noções machistas que “normalizam” o que seria caracterizado como um relacionamento abusivo (no mínimo). Nas mãos de Woolverton, no entanto, essas problemáticas são suavizadas por um tratamento inteligente de outra questão que permite que A Bela e a Fera seja também quietamente revolucionário: a hipermasculinidade tóxica. Essa é uma animação da Disney que coloca um “espécime masculino perfeito”, com toda a sua arrogância e violência, como o vilão da história, e opera uma transformação em seu príncipe baseada nos princípios da gentileza,  misericórdia e humildade.

No coração de seu conto de fadas complicado, A Bela e a Fera é uma fábula sobre as virtudes da afeição, e um argumento por uma masculinidade mais suave, menos paternalista, que não toma por garantidos os privilégios que a sociedade lhe dá. De brinde, ganhamos algumas das melhores canções que a Disney já compôs, da belíssima “Beauty and the Beast”, que tem versos de exatamente 5 sílabas cada, até a deliciosamente marcante “Be Our Guest”, que virou o grande clássico do filme. 26 anos depois de seu lançamento, o legado de A Bela e a Fera é um de elevação do cinema animado ao patamar de arte legitimada, de trabalho narrativo e técnico exemplar, e de confirmação do trabalho criativo sério como melhor caminho para o sucesso dentro da indústria cinematográfica.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

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A Bela e a Fera (Beauty and the Beast, EUA, 1991)
Direção: Gary Trousdale, Kirk Wise
Roteiro: Linda Woolverton, baseada na história de Jeanne-Marie Leprince de Beaumont
Elenco: Paige O’Hara, Bobby Benson, Jesse Corti, Rex Everhart, Angela Lansbury, Jerry Orbach, David Odgen Stiers, Richard White, Jo Anne Worley
84 minutos

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