28 de set. de 2015

Deixem o Wagner “hablar”: As críticas brasileiras de “Narcos” e a cultura latino-americana

Narcos

por Fabio Christofoli

A série Narcos me surpreendeu desde antes de existir. Começou com a proposta. Ousada demais. Falar sobre o maior traficante da história sob o olhar de um detetive estadunidense. Ok, isso seria normal, se o projeto fosse tocado nos Estados Unidos. Não foi. Depois fiquei “surpreso” com a escalação de dois brasileiros: José Padilha e Wagner Moura. Um iria contar, outro iria protagonizar a ferida mais dolorida da Colômbia. Polêmico também. Nisso eu já estava ansioso. Vinha aí uma série bem produzida, com a América Latina tendo autonomia e com dois brasileiros talentosos na linha de frente. Vi os primeiros episódios e me animei ainda mais. Que série incrível! Aí veio a maior e mais decepcionante surpresa de todas: muitos brasileiros reclamaram.

Num primeiro momento não entendi. Reclamaram de que? Aí começaram a brotar motivos. O primeiro era o espanhol do Wagner Moura. Eu confesso que nem reparei. Talvez porque meu espanhol seja bem pior que o dele. É tão ruim que quando viajo para um país que fala espanhol, nem arrisco. Falo português devagar porque acho ridículo ficar tentando hablar (aliás, você já viu algum hispânico tentando falar português por acaso?). Enfim, até entendi a crítica, deve ser muito estranho mesmo para quem é nativo ouvir um estrangeiro. Mas, e já ouvi isso de muitos colombianos, a atuação foi tão boa que isso fica em segundo plano.

Em seguida a coisa piorou. Os brasileiros acharam mais motivos. Alguns acusaram o grande ator Wagner Moura de falhar na interpretação. Chamaram até de “Capitão Nascimento 2”. Aí eu comecei a ver exageros, pois achei a interpretação dele muito boa. Senti toda a imponência de Pablo Escobar como um criminoso e odiei ele por tudo que fez.

Depois disso veio o golpe final. Agora é moda falar que Narcos não se compara a uma outra série sobre Pablo Escobar, a produção colombiana Pablo Escobar – El Patron del Mal. Foi neste momento que parei e pensei: os caras tão de sacanagem.

Não estou dizendo que a série colombiana é ruim. Mas são propostas completamente diferentes. Narcos não é uma série sobre Pablo Escobar. Ela é a visão de um policial estadunidense sobre o período que viveu na Colômbia e perseguiu Escobar. Ele é o vilão, rouba a cena, mas a preocupação não é contar detalhe por detalhe da história dele, nem mesmo a história correta, e sim contar a história do policial com ele. Simples de entender, não? Além disso, com todo respeito: Narcos é uma produção 10x melhor que El Patron del Mal. Tanto no lado técnico (fotografia, edição, trilha sonora e etc) quanto em roteiro e atuações.

Essa onda cult de críticas a algo feito por brasileiros lá fora não é novidade. Lembram quando Ivete Sangalo fez um show no Madison Square Garden? Pipocou gente dizendo que “só tinha brasileiro na plateia”, como se isso diminuísse o feito. Outros exemplos não faltam. É moda falar mal do Romero Britto apenas por falar. No primeiro tombo, Anderson Silva virou um fracassado. Me digam qual brasileiro de sucesso lá fora tem prestígio por aqui? Ayrton Senna, porque infelizmente morreu jovem demais para pegarem implicância.

Brasileiro odeia o sucesso de outro brasileiro lá fora. É como se isso ferisse a nossa cultura, porque o Brasil vive uma histórica frustração com o mundo. Tenta ser aquele país amado por todos, mas não tem a capacidade de se amar. Nossa cultura, que décadas atrás era rica e própria, está cada vez mais sucumbindo à influência do exterior.

Li uma entrevista do Wagner Moura sobre Narcos, e ali vi a maior verdade de todas sobre a série. Ele sentia orgulho de fazer parte daquilo, de ver tantos artistas latino-americanos talentosos envolvidos no projeto. Artistas que ele mesmo reconheceu que desconhecia, pois nós, países latinos, somos desunidos demais para saber muita coisa um sobre o outro – e o Brasil consegue ser o mais alheio dos países. Ele viu ali, e com razão, um grande trabalho colaborativo. Envolvendo várias nações, inclusive os Estados Unidos, que historicamente gosta de contar as coisas do seu jeito. É uma grande oportunidade de promover a América Latina em escala mundial.

Por isso, acho saudável o espanhol com sotaque do Wagner. Poderia ser um ator colombiano? Poderia. Seria mais coerente e até correto. Mas será que teria esse caráter de união continental? Duvido muito. Então, deixem ele hablar um pouco mais, quem sabe assim a gente aprenda um pouco a se entender melhor.

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