22 de mai. de 2015

Review: “Vingadores: Era de Ultron” é o melhor da Marvel no cinema, mesmo com todas as suas falhas

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por Caio Coletti

Desde 2008, quando começou sua passagem de rolo compressor pelo cinema comercial, a Marvel Studios fez um trabalho (de certa forma) admirável em transpor para as telas o conceito de um universo coeso de super-heróis que agem em storylines interconectadas – um conceito que há boas décadas tem funcionado para os quadrinhos. Vingadores: Era de Ultron é o décimo filme dessa colossal franquia e, como culminação de mais um “ciclo” dentro do storytelling da Marvel, é naturalmente uma obra muito atarefada, absorvida na tentativa de nos localizar no universo que os filmes anteriores construíram e, pelo caminho, ganhar personalidade e razão de existir próprias. O mais impressionante, no entanto, é que em algum lugar na sua impressionante metragem de quase 2h30 de explosões, aniquilação mundial e conflitos de personagem, Era de Ultron encontra a rota certa para se tornar um dos filmes mais gritantemente autorais do estúdio até hoje. E mesmo que, sob um olhar técnico e analítico, seja um filme bem falho, isso também significa que é o melhor capítulo do universo cinematográfico da Marvel até hoje.

Para começar, o filme conta uma história reprocessada dezenas de vezes pelo cinema de ficção científica e consegue encontrar um ângulo interessante para abordá-la. Na tentativa de criar uma força protetora para o planeta que torne o trabalho dos Vingadores desnecessário, Tony Stark passa por cima da burocracia e usa uma das joias do infinitos (parte integral da mitologia Marvel, sobre as quais você pode saber mais aqui), contida no cetro de Loki, para criar Ultron. Visto que o nome do vilão está no título do filme, dá para perceber que o androide (dublado espetacularmente por James Spader) não sai exatamente como o planejado, e usa o assustador poder que possui para buscar a aniquilação humana na Terra (porque, como manda o clichê do gênero, nós somos a ameaça à sobrevivência do planeta). O foco do genioso roteiro de Joss Whedon, no entanto, não fica nas implicações filosóficas do abuso da tecnologia, ou na incapacidade robótica de compreender a experiência humana – Era de Ultron é um filme sobre o mito do super-herói, sobre a reponsabilidade do poder bélico, sobre o fardo e a dúvida que é intrínseca à vida desses personagens que vemos desfilar pelas produções da Marvel desde 2008.

O filme de Whedon é o primeiro dessa nova era a entender e retratar com mais profundidade o lado sombrio das histórias em quadrinhos nas quais é inspirado, e a chocante humanidade que existe nesses personagens capazes de feitos inumanos. Seu retrato do vilão Ultron é quase um pedaço de cinema de terror dentro do mundo “limpinho” e “espetacular” do universo Marvel – da voz de James Spader ao design cheio de reentrâncias e expressividades, passando pela linguagem corporal provida pelo departamento de efeitos especiais, o personagem é uma realização completa (e assustadora) da lenta decadência à insanidade que o roteiro retrata. Há algo de muito humano na confusão de Ultron sobre os próprios conceitos, no ressentimento que demonstra ao seu criador, no absoluto ódio que parece alimentar sua missão. Consequentemente, há algo de muito envolvente também no personagem e na teatralidade que Spader empresta a ele, o que só torna mais perturbador quando Ultron se multiplica em infinitas réplicas de si e cria um terror coletivo muito mais poderoso do que o medo de um só nêmesis.

A introdução dos outros dois novos personagens também acerta em cheio no tom, e faz com que Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen) e Mercúrio (Aaron Taylor-Johnson) sirvam a um propósito narrativo que não é apenas a expansão do universo Marvel. Ela está aqui para que possamos entrar na mente dos nossos protagonistas, criando alucinações que revelam ao espectador as ânsias e traumas mais profundos de cada um deles, a reponsabilidade que carregam e os arrependimentos que acumulam. Como se tornou comum no universo cinematográfico da Marvel, o carisma de Robert Downey Jr. faz com que o filme seja um pouco condescendente aos modos paternalistas e militaristas de Stark, trazendo redenção fácil para o personagem que, no final das contas, provocou essa confusão toda por pura soberba. Whedon acerta mais no ponto com os outros personagens, adotando uma postura ambígua em relação aos atos e motivações de todos eles e buscando um retrato realista de um mundo em que pessoas capazes de destruição formidável andam entre nós. “Ultron não sabe a diferença entre salvar o mundo e destruí-lo”, diz a Feiticeira em certo ponto. “A quem você acha que ele puxou?”

Seguindo essa deixa, a ação em Era de Ultron se preocupa muito mais com o impacto da passagem desses heróis pelo mundo em que caminham do que qualquer outro filme de super-herói recente. Enquanto outros roteiristas tentariam reduzir o dano causado pelas lutas, geralmente movendo-as para locais distantes da civilização, Whedon cria um retrato eletrizante do impacto causado pelos poderes e complicações das batalhas dos Vingadores. O clímax não só ameaça a integridade do planeta, como faz com que seja parte integral da tensão o fato de que uma cidade inteira, populada, será erguida no ar e atirada contra a Terra para arquivar o objetivo do vilão. Outra batalha na metade do filme vê dois heróis se enfrentando em uma série de desvios que destroem de forma espetacular uma outra cidade – é uma cena de ação muito empolgante (talvez a mais bem estruturada do filme), dotada de algum humor, mas que nunca se permite ser inconsequente. A câmera de Whedon tenta acompanhar o tempo todo os destroços de um impacto, por exemplo, atingindo o chão, e frequentemente volta o olhar para a expressão de medo com a qual aqueles civis olham tanto para os vilões robóticos quanto para os heróis titulares do filme.

Com um elenco que parece incrivelmente confortável em seus personagens (Scarlett Johansson faz um trabalho particularmente brilhante aqui), Era de Ultron vacila um pouco no final, quando o diálogo entre Ultron e Visão (Paul Bettany finalmente aparecendo em carne e osso no universo Marvel) apela para a filosofia barata que uma centena de ficções científicas mais competentes já elaboraram. Em alguns momentos, no entanto, como o espetacular take em câmera lenta que vê os heróis reunidos em uma catedral combatendo o exército do vilão, o filme de Whedon brilha como uma das traduções mais dignas do espírito e da alma do que fez os quadrinhos da Marvel uma forma de arte tão popular tanto nesse século quanto no século passado: em seu retrato da super-humanidade desses personagens fantasiosos, Era de Ultron é um tomo poderoso sobre as falhas e as virtudes de todos nós.

✰✰✰✰ (4/5)

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Vingadores: Era de Ultron (Avengers: Age of Ultron, EUA, 2015)
Direção e roteiro: Joss Whedon
Elenco: Robert Downey Jr, Chris Hemsworth, Mark Ruffalo, Chris Evans, Scarlett Johansson, Jeremy Renner, James Spader, Samuel L. Jackson, Don Cheadle, Aaron Taylor-Johnson, Elizabeth Olsen, Paul Bettany, Cobie Smulders, Anthony Mackie, Hayley Atwell, Idris Elba, Linda Cardellini, Stellan Skarsgard, Claudia Kim, Thomas Kretschmann, Andy Serkis, Julie Delpy
141 minutos

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