9 de jan. de 2011

Na espera, por Caio Coletti

Conto (nunk excl)na espera 1

Ele sentava-se lá, todas as noites, desde que se conhecia por gente, e esperava. Aliás, era até melhor fazer uma ressalva nesse aspecto:  cultivava esse hábito não desde pequeno, quando tudo era simples demais e nada era rotina, mas desde algum tempo, quando as coisas ficaram um pouco mais complicadas. Ouvira em algum lugar que não era impossível ser feliz depois da infância. Só era um pouco mais difícil. Esperava que fosse verdade, porque por enquanto o amadurecimento só lhe trouxera dores. E, afinal, o que ele tinha, que era seu, e que conseguira por seus próprios méritos, e não por alguma casualidade? Nada.

Não, ele não era ingrato. Sentado naquela sala de espera, a altas horas da noite, ouvindo a suave música ambiente que enchia o aposento, quase sempre sozinho, a mesma expressão arguta de quem procura o tempo todo por um sentido por estar lá no rosto jovem, contrastante demais com os olhos turvos de quem já se decepcionara com a vida, ele agradecia por tudo que tinha na vida. Os amigos, ainda que poucos, que ele amava e que o amavam (ou ao menos assim ele pensava). A família que, apesar dos pesares, ainda o estimava como sempre haveria de estimar, não importa o quão idiota pudesse ser em certos momentos. A arte, o gosto por ela, a forma como ela parecia impregnar cada molécula de seu corpo e gritar sua verdadeira identidade para o mundo. Quem era ele? Difícil dizer, mas era possível ter uma ideia olhando para o que ele via, o que ele ouvia, o que ele lia e, especialmente, o que ele escrevia.

Ainda assim, às vezes, naquela sala de espera toda pintada de branco impecável, tão vazia quanto sua mente tentava ficar enquanto mil problemas pulavam por ela sem querer se fixar em nenhum lugar perto de uma solução, ele sentia que tinha muito pouco. E que queria muito mais. Já tentara se convencer a almejar menos, a sonhar mais baixo, a ser mais realista. Mas era um sonhador por natureza, um homem com ambições que muitas vezes não podia controlar. Por mais que falassem disso como um defeito, ele não conseguira se dissuadir de sonhar alto: se não sonhasse, convencia a si mesmo, morreria afundado na sua própria mediocridade. E aí, sim, assumindo os defeitos sem tentar mudá-los, ele se tornaria patético.

Acima de tudo, naquela sala, respirando aquele ar gelado movimentado pelo aparelho logo acima de sua cabeça preocupada com o mundo fora daquele lugar, o mundo que o esmagava com informação perecível e valores invertidos, ele almejava um amor. Ou melhor, o amor. Aquele dos sonhadores e dos artistas, aquele que move mundos e que é capaz de gerar frases como “vou estar com você até meu último suspiro”. Um amor parra morrer por. E era um pária, portanto, por buscar por isso em uma época que se via descrente de todos os clichês e solta das amarras de todo compromisso. Vivia na era da leviandade, e pensava como um inglês vitoriano. Talvez tivesse apenas vindo no século errado.

E, portanto, ele passava a vida esperando. Esperando que o mundo mudasse, ou que alguma alma igualmente deslocada viesse se encontrar com a dele, como algumas já haviam feito na forma de amigos que ele jamais conseguiria abandonar, pois o que os unia era mais forte do que qualquer convivência e não poderia ser posto em palavras. Mas que essa viesse, enfim, para trazer luz aqueles olhos turvos e um sorriso aquele rosto jovem, para fazer de seus sonhos uma realidade e de seu deslocado idealismo uma qualidade. Para fazer do pária um milagre. E para provar que, como bem diria Einstein, “todas as coisas são um milagre”.

Nesse dia, ele pararia de esperar. E deixaria para trás aquela sala. Talvez tentasse uma das portas que a ladeavam, talvez simplesmente saísse de uma vez por todas para escancarar um outro mundo a sua frente. Mas sabia que, um dia, haveria de se levantar daquela cadeira e mostrar para o mundo quem ele era, de verdade. Ser, de uma vez por todas e sem medo, aquele seu eu que revelava no que escrevia. E ser por inteiro. Enquanto o dia não chegasse, é claro, ele ficaria ali, esperando e acreditando. E só haveria dois fatos irrefutáveis: o relógio da parede batia com cruel precisão, e não havia nada de errado em dar uma escapada para tomar um ar, de vez em quando.

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“In the deepest hour of night, confess to yourself you would die if you were forbidden to write. And look deep into your heart, where it spreads its roots, the answer, and ask yourself: must I write?”

(Rainer Maria Rilke, filósofo alemão)

2 comentários:

Unknown disse...

Olá Caio .
É bom telo novamente por aqui.
Seu post foi publicado na Teia .
Até mais meu amigo.

Babi Leão disse...

Maravilhoso! Sempre gosto de ver que nós estamos em uma cadeira na sala de espera enquanto a vida não nos revela algo maior! E dá um medinho de perder a nossa vez né? Parabéns, lindo texto! Beijos! :D