27 de jan. de 2011

Duas gerações, dois filmes: um diálogo entre “A Origem” e “O Escritor Fantasma”

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A primeira vista, não há muito em comum entre A Origem (“Inception”, no original), mais nova obra de Christopher Nolan, e O Escritor Fantasma (este sim, traduzido propriamente), recente feito cinematográfico do mestre polonês e exilado da justiça americana Roman Polanski. Mas, pensando propriamente, não era mesmo para haver. Só para começar, Nolan e Polanski, apesar de ambos geniais, são cineastas de gerações diferentes, que concebem e executam suas ideias de forma bem distinta desde a intenção até a aplicação. Se não bastasse isso, as premissas dos dois filmes apontam para locais tão distintos que fica ainda mais difícil achar que seus caminhos possam se cruzar. A Origem é fantasioso, apesar de num contexto tão realista, e deve em grande parte a essa fantasia os recursos e os encantos que possui. O Escritor Fantasma, por outro lado, é um thriller cru e intenso, por vezes frio, mas inevitavelmente intrigante e absurdamente elegante.

Enfim, coloquem-se as cartas na mesa. O filme de Chris Nolan segue de perto o “ladrão de ideias” Dom Cobb (Leonardo DiCaprio), acostumado a infiltrar-se nos sonhos de gente poderosa para, a mando de mais gente ainda mais poderosa, “extrair” ideias, conceitos e segredos bem guardados que podem ser de grande vallia para seus rivais. Claro, A Origem não se importa muito com a rotina desse tipo de trabalho: quando encontramos Cobb, ele é contratado por Saito (Ken Watanabe), que almeja, ao invés de uma extração, uma “implantação” (ou “inception”, do título), visando fazer o herdeiro de sua empresa concorrente, Robert Fischer (Cillian Murphy), dividir o império de seu pai em vários pedaços. A trama secundária inclui a esposa falecida de Cobb, Mal (Marion Cotillard), que insiste em infiltrar-se no subconsciente do viúvo para convencê-lo a abandonar de uma vez por todas o mundo real.

É na figura de Mal, aliás, que A Origem estabelece seu primeiro paralelo com O Escritor Fantasma: em ambos a figura feminina ao lado do protagonista é forte, ardilosa e dominante no contexto da trama. No filme de Polanski tal papel cabe a Ruth Lang (Olivia Williams), a participativa esposa do ex-primeiro-ministro britânico Adam Lang (Pierce Brosnan), o mesmo que contrata o escritor-fantasma sem nome de Ewan McGregor para escrever sua “auto-biografia” em segredo, logo após o fantasma anterior ter sido encontrado morto em circunstâncias suspeitas, enquanto explodem acusações graves contra sua pessoa na mídia. Tanto Olivia quanto Marion, ambas grandes atrizes em seus estilos particulares, brilham na mesma intensidade de seus protagonistas, e mostram uma instintiva adequação as personagens e ao proprio clima do filme que representam. É claro notar que, enquanto Olivia arquiva uma atuação concentrada e manipuladora, Marion enche de calor, intensidade e sensibilidade o filme de Nolan. Como, aliás, é de seu feitio, vide as performances em Inimigos Públicos e Nine, filmes medianos aos quais emprestou brilho e excelência.

Em A Origem a história é outra, é claro. Marion é apenas um dente em toda uma engrenagem bem azeitada que Nolan encaixa aos poucos para o público. Habilidosamente, ele engendra seu filme, diretivamente, em função do próprio roteiro, sem nenhuma dúvida o grande destaque da nova obra do homem que criou o maravilhoso O Cavaleiro das Trevas: Nolan só não se supera nesse novo filme porque não tem um conteúdo emotivo e lógico tão forte para explicitar quanto tinha no filme do Homem-Morcego. Mas não me entenda mal: os personagens de A Origem são feitos nos moldes do esmero, tridimensionais, complexos e fascinantemente humanos, mas não tem tanto a dizer e a ressoar para o nosso mundo quanto Bruce Wayne, Harvey Dent ou O Coringa. Ainda assim, A Origem exibe orgulhosamente a marca de Nolan na narrativa, encontrando ressonância emocional e clímax narrativo, caminhando facilmente por uma trama que, complexa como é, Nolan torna instintiva a compreensão do espectador. Mesmo que seu final ambíguo não seja exatamente o melhor encaixe para o todo do filme.

O Escritor Fantasma, por sua vez, também vence por causa da coesão e personalidade de seu diretor. Consagrado, festejado e amado por todo o mundo (menos pela justiça americana), Roman Polanski ainda é, do alto de seus setenta e poucos anos, um diretor de elegância ímpar, que segura um thriller urbano na ponta dos dedos e move a câmera com a linguagem e o instinto de quem entende do riscado. Enfim, Polanski é um trunfo atrás das câmeras e, embora tenha tido a ajuda de uma linha narrativa retirada de uma obra literária e a assistência do próprio autor de tal obra na elaboração do roteiro, o polonês também tem experiência de roteiro o bastante para segurar a narração e a surpresa de O Escritor Fantasma até o último minuto. E sem retoques no final, aqui. Polanski e o escritor-roteirista Robert Harris terminam sua obra de forma agridoce e, sem dúvida alguma, repleta de classe.

Por fim, é interessante perceber que, embora sejam conduzidos por cineastas de pensamento narturalmente diferente por suas gerações, tanto A Origem quanto O Escritor Fantasma confiam em astros de uma mesma safra para carregar suas tramas nas costas. A aposta de Nolan é em Leonardo DiCaprio, que acumula dois dos mais elogiados filmes do ano entre este e Ilha do Medo, e investe em uma atuação centrada para tornar Cobb um homem de verdade, que alcança a sensibilidade do público com facilidade, mesmo na natureza excepcional de seu trauma. De certa forma, é um papel similar ao seu no último filme de Scorsese, mas DiCaprio maneja para torná-lo em algo completamente diferente (e funcional). Polanski, por sua vez, prefere a pose britânica de Ewan McGregor, que andava meio sumido e mostra que fez falta ao encarnar uma persona meio sarcástica (como todo bom inglês deve ser) na pele do fantasma. Não que ele seja inoportuno: McGregor sabe quando lançar seu sorriso malicioso e quando levar a sério a missão de ser os olhos do espectador em um mundo tão fora do nosso alcance quanto lamentavelmente real.

Esse, afinal, é o estranho e desconexo diálogo que existe, apesar das diferenças, entre A Origem e O Escritor Fantasma: ambos falam de segredos, possibilidades e mistérios que envolvem não muito mais do que nós mesmos. Porque embora A Origem tome um escopo maior e abordagem com mais adrenalina, ainda é um filme, essencialmente, sobre o funcionamento da mente humana. E há tantos segredos nesse campo quanto falcatruas na política internacional. Penetrar nesses mundos misteriosos, tão distintos, especialmente se guiados por dois diretores brilhantes, é sempre um prazer.

Notas: A Origem – 8,0; O Escitor Fantasma – 8,5

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A Origem (Inception, EUA/Inglaterra, 2010) Escrito e dirigido por Christopher Nolan. Estrelando Leonardo DiCaprio, Marion Cotillard, Ken Watanabe, Ellen Page, Joseph Gordon-Levitt, Cillian Murphy, Michael Caine. 148 minutos. 

O Escritor Fantasma (The Ghost Writer, França/Alemanha/Inglaterra, 2010) Dirigido por Roman Polanski. Escrito por Roman Polanski e Robert Harris. Estrelando Ewan McGregor, Pierce Brosnan, Olivia Williams, Kim Cattrall. 128 minutos.

É mais uma vez uma honra para o Anagrama anunciar que ganhamos o prêmio do blog Parada Obrigatória em 2011, como Melhor Blog Parceiro. Em 2010 o Anagrama também foi o mais votado, e como os responsáveis por essa vitória são vocês, leitores e especialmente os amigos blogueiros, nada mais justo do que repassar esse selo para 5 dos blogs que mais apoiaram nossa jornada durante esse ano.

As regras do selo são: – Postar o selo em seu blog com essas regras . – Indicar mais 5 outros blog parceiros para receberem o selo. – Avisar os blogs que você presenteou.

* Clube do Camaleão, do Fabio Christofoli

                                                              * Babi Leão, da Babi Leão (me sinto óbvio dizendo isso)

                                                              * Diz que Fui por Aí…, do Marcelo Antunes

                                                              * O Quasar, do Vinícius Cortez

                                                              * Speechless, da Talita

1 comentários:

Mateus Souza disse...

Interessante a abordagem. Concordo com o dito, apesar de não ter visto Escritor Fantasma ainda - mas já li bastante sobre o filme, logo sei do que se trata.

Abraço.