20 de dez. de 2010

Geração '2000: Diga-me o que ouves…

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Tentativas de definir a “geração anos 2000” não faltaram. Já fomos chamados de geração Coca-Cola, geração Internet, geração Twitter, geração Prozac e até ‘geração perdida’ (apelido contra o qual nem posso argumentar muito, diga-se de passagem), mais por causa das guerras nas quais o mundo continua se envolvendo do que por qualquer outra coisa. Acontece que nenhuma dessas tentativas de generalização foram eficientes o bastante para manter unidas as “vertentes” jovens que tem surgido em profusão. Talvez sejamos, afinal, a “geração modinha”, ou quem sabe até a “geração Youtube”. Mas gosto mais de pensar que somos mesmo a geração da música. Mais do que em qualquer outra época, a máxima vale para a geração atual: diga-me o que ouves, e te direi quem és. Portanto, para definir a juventude dos dias de hoje é preciso entender as motivações, mensagens e intenções por trás das canções e artistas que mais fazem a cabeça dessa geração.

E ninguém melhor para começar essa análise do que o DJ francês David Guetta. Goste ou não do seu estilo de música, o artista techno europeu enfileira hit atrás de hit e embala 10 em cada 10 festas ou baladas jovens por aí. Inegável também que é nesse tipo de ambiente que essa geração anos 2000 melhor se revela em suas particularidades. Entender o que Guetta faz lirica e musicalmente, portanto, é fundamental no sentido de entender comportamento, pensamento e preceitos que guiam esses jovens.

Musicalmente, se o leitor me permite uma inferência muito pessoal, Guetta me agrada bastante. Aos meus ouvidos ele consegue soar original e infalivelmente criativo em suas batidas techno, criando canções eletrônicas pesadas, bem-marcadas e ao gosto do seu público alvo, mas também muito melodiosas e climáticas. E isso não é pouco feito em um estilo que delimita bastante as possibilidades de um artista. Hoje, ninguém ultrapassa esse obstáculo com mais folga do que David Guetta. Não foi a toa que “When Love Takes Over”, “Tomorrow Can Wait”, “Love is Gone”, a mais recente “Gettin’ Over You” e “Everytime We Touch” se tornaram um tipo de seleção sagrada que não pode faltar no portfólio de DJ nenhum, em nenhum lugar do mundo. Ouvir o restante dos CDs de Guetta lançados oficialmente é perceber que sua competência não fica nos hits: “Joan of Arc”, “Never Take Away My Freedom” e “If We Ever” são bons exemplos da consistência do trabalho do francês.

Lirica e mais concretamente falando, no entanto, as composições que Guetta gravou são uma boa fonte de informação sobre os principios de uma geração muito peculiar. Há valores universais e atemporais, que “One Love” (uma das minhas favoritas pessoais), gravada com os vocais muito desenvoltos da americana Estelle (Guetta raramente canta em seus álbuns), demonstra de forma comovente em sua maneira peculiar. Nos versos da ponte que conduz ao primeiro refrão, Estelle canta “whatever they tell you, we’re bigger than words”, expressando a resistência dessa nova geração em ser rotulada ou estereotipadas. Coca-Cola, Internet, Twitter, Prozac… marcas vazias que não expressam a humanidade dessa geração que recusa preconceitos e generalizações. Logo depois, ela melodiosamente declama “expecting the best when they hope for the worst”, verso que deixa claro o idealismo típico e eterno das gerações mais jovens. E não se deixe enganar: o they do verso são mesmo os pais, professores e quem quer que seja que tente matar esse idealismo antes do momento de ele descansar por si mesmo.

Na mesma canção, a busca pelo “Um Amor” (com letra maiúscula, como o Um Anel da saga de Tolkien), esbarra nos defeitos inerentes da condição humana, mas Guetta e Estelle declaram com muita insistência que essa geração deve “stick together” (em bom português, “permanecer unida”) para se salvar, porque assim é mais fácil de acreditar em todas as ideias novas que se encerram nela. E o que mais caracteristicamente jovem do que o “stuck inside a box, you gotta get out!” (“preso numa caixa/ você tem que se libertar!”) de “Tomorrow Can Wait”, talvez o grande hit da carreira de Guetta? Para uma geração que se guarda até demais, talvez seja mesmo uma chamada ao descompromisso. Mas tudo tem sua medida. Estar desprendido demais da vida pode ser levar ela menos a sério do que ela deveria.

E Guetta é diversão com qualidade e criatividade, chegando a ser catártico e liberador em alguns momentos, mas não deixa de ser também, a reflexão da leviandade que faz parte, infelizmente, da ID de nossa geração. É aí que entra o discernimento de saber o que é aproveitável e o que não é na mensagem e no som não só de Guetta, mas de qualquer artista. Porque o que ouvimos não é e não deve ser, nunca, tudo o que somos.

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“There is nothing more to prove/ Now you still deny the simple truth/ Can’t find the reason to be holding on/ Not that the love is gone/ Love is gone!”

(David Guetta – Love is Gone)

2 comentários:

Igor Pinheiro disse...

Também gosto muito de David Guetta, desde 'Love is Gone', que uma das minhas favoritas junto com 'One Love".
O trabalho do cara é genial, mesmo comigo ficando com um pé atrás quando ele faz parceria com o Akon, mas só sai coisa boa da cabeça dela e ele se supera.
É como voce disse, diversão com qualidade e criatividade.
Guetta rules!!!

Fabio Christofoli disse...

Na verdade, essa geração é definada como geração Y! Uma geração multifuncional, capaz de olhar, ouvir e interagir com vários meios ao mesmo tempo. Uma geração leviana, como vc destacou, mas ao mesmo tempo que busca informação, mas colhe pela metade.

Já ouvi o som do David, mas, como confessei outras vezes, o pop não é exatamente um som que me comove. Mas tenho algumas coisas no ipod.

Aliás, vc anda bem mais entusiasmado com a música do que com o cinema. Ou é impressão minha?

Não sei se já comentei, mas ficou ótimo a caixa de comentários em pop-ups!!!!

2010 foi um ano de muita afirmação do ANagrama.