3 de set. de 2010

Por um mundo mais musical!

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Esses dias estava notando: vivemos sem pensar. O tempo tiquetaqueia a nossa volta, sóis e mais sóis nascem e se põem enquanto nós, aqui tão pequenos, nesse mundo que insiste em continuar girando contra todas as probabilidades, apenas cumprimos com nossas obrigações. Ou talvez eu esteja sendo duro demais. Admito que sentimos, ainda. Mas o fazemos de uma forma apagada, nos apoiando em símbolos que surgem do nada e voltam para ele na mesma velocidade com que apareceram a nossa frente. Nos encantamos tanto com as possibilidades práticas da nossa vida, nos preocupamos tanto em nos comportar da “forma adequada” o tempo todo, que perdemos a prática em sermos sinceros, conosco mesmo e com os outros, sejam eles amigos ou não. De uma hora para outra, deixamos de ser sensíveis, calorosos e, pelo andar da carruagem, muito em breve deixaremos de ser, na definição original da palavra, humanos.

Deve ser por isso que me agarro tanto as formas de arte. Aos meus olhos, há muito mais verdade, beleza e sinceridade na reflexão que o homem faz do seu mundo, traduzido em diferentes formas de expressão, do que nesse próprio lugarzinho distorcido em que continuamos a caminhar. E nos últimos tempos tem me tocado muito a forma como a música, a arte dos acordes e melodias, mas também a morada de pequenas poesias reflexivas, se tornou uma espécie de refúgio de pura sinceridade, para o qual recorremos quando estamos cheios do mundo de falsidades e máscaras que criamos para nós mesmos. Se o cinema é meu oxigênio, a música recentemente se abriu para mim como um mundo onde posso dizer, ou melhor, ouvir, tudo o que seria chamado de “fraqueza” na vida diária. E, quando decibéis soam mais humanos que seres de carne e osso, alguma coisa está indo muito errado.

Caso para análise: o britânico James Blunt, cantor que surgiu em 2004, emplacando o álbum Back to Bedlam e o hit-eterno “You’re Beautiful” nas paradas de sucesso e na sensibilidade romântica de meio mundo. Dados biográficos básicos: Blunt foi soldado e serviu no campo de batalha da Europa Oriental, defendendo as cores britânicas nas regiões de Kosovo e Ioguslávia, no final do século passado. Voltando com muitas histórias para contar e a bagagem das aulas de piano e violino de infância, mais as lições de guitarra de um amigo na época do colégio, lançou-se na estrada e foi descoberto por Linda Perry (sim, a mesma da finada 4-Non-Blondes, hoje produtora gabaritada e compositora de várias das melhores baladas de Christina Aguilera), que o acolheu em seu recém-criado selo e bancou a gravação de Bedlam.

É, eu sei que Blunt foi chamado de brega. E sei o quanto seus detratores tem argumentos fortes o bastante para convencer muita gente. Não me passa desapercebido o simplismo e a pieguice da letra de “You’re Beautiful”, mas ouvir o restante de sua produção até hoje e passar absolutamente incólume é um atestado definitivo que você, ouvinte, não viveu o bastante. “Cry”, ainda nesse primeiro álbum, fala de uma amizade tão forte que consegue misturar tristeza e carinho em uma mesmo momento, em uma relação mútua que deveria ser, no mínimo, bela. Muito mais bela que vários tipos de “amor” que são apregoados por aí. E quando mesmo que nossas amizades deixaram de ser chamadas de “amores”? Porque, hoje, é tão difícil se tornar próximo o bastante de alguém ao ponto de poder dizer “chore no meu ombro, sou um amigo” (cry on my shoulder, I’m a friend)? Alguém ainda tem a coragem de dizer isso na vida real? E, se não, porque? Porque se tornou tão brega amar, seja condicional ou incondicionalmente? Tão constrangedor?

No disco seguinte, o menos massacrado All The Lost Souls, “Same Mistake”, maior hit do britânico até hoje, foi novamente chamada de brega. Não é, ou ao menos não mais do que é incômoda. Porque? Porque fala de admitir os próprios erros, de consertar o próprio passado, de saber das próprias falhas e de não ter medo de ser vulnerável. Não somos todos? Quando pedir por uma segunda chance em uma música se tornou tão incômodo que suscita críticas tão descabidas? Não entro em discussões musicais, porque não é minha intenção aqui. Falo de temas. De letras. De poesia. De verdade. De assumir-se humano por inteiro, de saber que vamos cair e errar muitas vezes ao longo do caminho, de ter a capacidade de retirar a promessa do perdão do mundo fantasioso da canção, e trazê-la para a realidade. Talvez devêssemos fazer como nos musicais. Quando nos faltassem palavras, talvez devêssemos cantar. Ou simplesmente dizer o que diríamos se estivéssemos cantando.

Quem sabe, assim, a vida seria muito mais fácil, e o mundo, muito mais humano. Trazendo de volta, no processo, a credibilidade da produção musical como espelho fiel do comportamento, e não do ideal, de todos nós. E aí, sim, caberia a nós julgar o que é brega e o que não é.

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… There is no place I cannot go/ My mind is muddy but my heart is heavy/ Does it show?/ I lose the track that loses me/ So here I go…

I’m not calling for a second chance/ I’m screaming at the top of my voice/ Give me reason, but don’t give me chance/ ‘Cause I’ll just make the same mistake again…”

(James Blunt em “Same Mistake”)

1 comentários:

Fabio Christofoli disse...

Gosto do som dele, mas admito que tenho pavor de You’re Beautiful.
Concordo com vc sobre o valor da música, principalmente da música sincera, feita com paixão.
Não acho James Blunt brega. As pessoas taxam de brega tudo que nos faz chorar ou sorrir com demasia. Tudo que é exagerado, mas é exagerado chorar de amor? Quem pode definir isso?
COncordo que ele sofreu mto preconceito por causa de uma música. Às vezes os músicos são condenados por seus grandes sucessos, os Los Hermanos são o maior exemplo disso com Ana Júlia. Uma banda que era pop e foi ignorada por causa do sucesso em demasia de seu primeiro hit.
Enfim, dane-se se for brega, eu sou brega com orgulho se a emoção é mais forte que a razão...