6 de jan. de 2018

Review: Me Chame Pelo Seu Nome é o casamento perfeito entre rigor e caos

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por Caio Coletti

Não há nada fora do lugar em Me Chame Pelo Seu Nome. Nenhuma decisão parece instintiva – pelo contrário, na Itália ensolarada de Luca Guadagnino, tudo é calculado. Há um rigor e uma exatidão com a qual o cineasta guia até as cenas que parecem mais casuais, e isso casa elegantemente com os diálogos impossivelmente maduros e articulados do roteiro de James Ivory, que não abandona aqui o estilo classicista, esbanjando oralidade, que rendeu filmes como Vestígios do Dia e Retorno a Howards End nos anos 1990. E, no entanto, Guadagnino nunca deixa que Me Chame Pelo Seu Nome seja um filme frio, ou que aliene o espectador com rigidez excessiva, deixando para trás seu conteúdo à flor da pele, seu ímpeto de juventude – esse ato de equilíbrio difícil é o que transforma o filme em um dos mais inesquecíveis pedaços de cinema do ano.

A princípio, o que salta aos olhos é a rigidez, já que Guadagnino marca o próprio movimento de seus atores com uma precisão impressionante. Na cena em que Elio (Timothée Chalamet) e Oliver (Armie Hammer) conversam perto de um monumento histórico, suas parábolas ao redor da área circular cercada que contem a estátua são coreografadas com a exatidão de um musical de Busby Berkeley, embora sem sua artificialidade – é aí que entra o visceral do filme. Em seu método quase matemático de cinema, Guadagnino conta com o espaço entre movimentos, falas, expressões e cenas para criar espontaneidade, tensão sexual, compaixão, conexão emocional, melancolia, carinho, amor fraternal e mais uma gama vívida de emoções que se escondem no roteiro de Ivory, mas precisavam de um cineasta curioso e corajoso o bastante para serem expressados em tela.

Na trama, Elio é o filho adolescente do professor Perlman (Michael Stuhlbarg), que traz para as férias de verão na Itália o novo estagiário, Oliver, que deve ajudá-lo em sua pesquisa. Elio e Oliver criam uma conexão complicada, que passa por identificações culturais (são ambos de famílias judias), uma inimizade bem humorada e um magnetismo sexual inegável. É uma trama de amadurecimento tanto quanto é um complicado conto moral sobre a exploração da sexualidade em um tempo como os anos 1980, mesmo no mais relaxado e liberal dos ambientes – as barreiras auto-impostas pelos dois protagonistas falam tão alto no roteiro de Ivory quanto a heterossexualidade compulsória que sabemos, por nosso próprio contexto social, que foi imposta a eles. Me Chame Pelo Seu Nome analisa as consequências devastadoras dessa obrigatoriedade pelo convencional, tanto na dinâmica de poder desequilibrada entre os dois amantes principais quanto no desfecho de seu caso amoroso.

Como Elio, Timothée Chalamet captura a volatilidade da adolescência com a compreensão e sabedoria que só poderiam vir de um ator que já passou por ela (o nova-iorquino está com 22 anos). Sua performance é constrangida e audaciosa na mesma medida, oscila entre arrogante e insegura em uma batida de coração, encontra ao mesmo tempo o orgulho e o medo dos próprios desejos carnais. Poucas vezes no cinema os 17 anos de um personagem foram expressados com tamanha combinação de compaixão e técnica. Enquanto isso, Armie Hammer captura até as sombras mais odiáveis de Oliver com a sede de um ator que esperava por esse personagem há muito tempo, Michael Stuhlbarg encarna uma das mais enigmáticas e versáteis figuras paternas do cinema recente, e Amira Casar faz maravilhas com uma atuação discreta em seu pouco tempo de tela como a mãe de Elio.

Para criar o mundo sensual, quase ofegante, do filme, Guadagnino conta com o diretor de fotografia tailandês Sayombhu Mukdeeprom, celebrado por seu trabalho na trilogia As Mil e Uma Noites, de Miguel Gomes, em 2015. Aqui, ele é o agente provocador que cria a atmosfera de cores fortes, composições ligeiramente fora do eixo esperado, exploração comedida, mas inegavelmente sexy, dos corpos em tela – é um trabalho caloroso que, junto com as performances do elenco, brilha pelas frestas de um filme minuciosamente pensado e executado, criando um amálgama irresistível que remete à arte greco-romana que Oliver e o professor Perlman analisam. Me Chame Pelo Seu Nome é um filme que busca a versão cinematográfica da beleza perfeita dos helênicos, mas está interessado demais nas rachaduras e pedaços quebrados dessa arte antiga, e disposto demais a colocar os corpos que retrata em posições distorcidas e incomuns, física e emocionalmente. É uma revolução cinematográfica que venera o padrão acadêmico – é uma grande história para todo mundo, mas, para quem ama cinema, é a tempestade perfeita.

✰✰✰✰✰ (5/5)

cmbyn

Me Chame Pelo Seu Nome (Call Me By Your Name, Itália/França/Brasil/EUA, 2017)
Direção: Luca Guadagnino
Roteiro: James Ivory, baseado no livro de André Aciman
Elenco: Timothée Chalamet, Armie Hammer, Michael Stuhlbarg, Amira Casar, Esther Garrel
132 minutos

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