13 de set. de 2016

Review: Em Billions, a linha entre dinheiro e moralidade é mais borrada do que pode parecer

billions

por Caio Coletti

A primeira cena do primeiro episódio de Billions deixa uma impressão e tanto. Amarrado, Paul Giamatti recebe ordens de uma mulher vestida de couro – a brincadeira sadomasoquista dos dois continua por um tempo antes da moça começar a, literalmente, urinar em cima de Giamatti. Nas mãos dos showrunners Brian Koppelman e David Levien, a cena representa um jogo de poder e moralidade que se estende por todos os 12 episódios da primeira temporada de Billions, uma fascinante exploração dos princípios, ou falta deles, de vários personagens de lados diferentes da lei. A peça de centro dessa metáfora moral é a disputa entre os protagonistas Chuck (Giamatti) e Axe (Damian Lewis), mas todo mundo entra na dança eventualmente.

A trama acompanha o esforço de Chuck, que quer aumentar seu perfil midiático para um dia se tornar chefe da promotoria americana, para desmascarar atitudes ilegais que acontecem por trás dos panos na bilionária empresa financeira tocada por Axe. Em meio a essa disputa, a esposa de Chuck, Wendy (Maggie Siff) trabalha como psicóloga dentro da empresa de Axe, e serve tanto como terceira protagonista da trama quanto como os olhos do espectador sobre a psique desses personagens complexos e ambíguos. Com um senso de justiça aguçado, mas sempre pronto para fazer vista-grossa acerca de suas próprias infrações legais no processo de investigação, Chuck aparece como uma figura talvez tão deturpada e corrupta quanto Axe – a diferença é que a corrupção de Axe é celebrada, porque ela faz (muito) dinheiro.

Damian Lewis e Paul Giamatti são o coração dessa narrativa, obviamente. Lewis entrega uma interpretação que não cai na besteira de tentar ser carismática demais – seu Axe é um bilionário magnético e excêntrico, sim, mas é também um animal calculista, certeiro e perpetuamente misterioso. O meio sorriso esconde a eterna mágoa e desconfiança das instituições que Axe parece guardar, sua trajetória vitoriosa esconde uma personalidade impulsiva, raivosa, hiper-masculina. Enquanto isso, Giamatti confia em seus truques e trejeitos de costume para construir Chuck, mas leva o entendimento e a profundidade para outra dimensão ao retratar a complicada moralidade do personagem e mesmo seu gosto sexual pelo sadomasoquismo. Espetacularmente fascinante de se assistir, a performance de Giamatti dá voltas e voltas ao redor do roteiro, e toma vida própria para além dele.

Isso porque nem sempre Koppelman e Levien, ao lado de seus parceiros roteiristas, sabem exatamente o que estão fazendo. O segundo episódio da série, “Naming Rights”, por exemplo, pesa a mão nas alegorias e na exploração do caráter vingativo da personalidade de Axe, e demora um pouco para Billions achar o território confortável onde pode movimentar todas as camadas de sua história e de seus personagens. Isso acontece mais notavelmente nos três últimos episódios do ano, e especialmente no espetacular “Magical Thinking” (1x11), que destrincha as profundezas da alma de Axe e Chuck de formas bem diferentes, e encontra o momentum para o confronto dos dois no episódio final da temporada, um diálogo excepcionalmente escrito e atuado.

Quietamente, Billions constrói também uma pletora de personagens interessantes que aparecem nas beiradas da narrativa. Toby Leonard Moore e Condola Rashad, como advogados parceiros de Chuck no caso, encontram uma dualidade interessante entre si, uma química que solta faíscas e uma oportunidade de refletir sobre o lugar da ambição em uma carreira de serviço público. A equipe de analistas financeiros de Axe é perfeitamente colorida e excêntrica, vide a performance explosiva de David Costabile como o braço direito do personagem de Damian Lewis. E por fim, é claro, Maggie Siff encontra um espaço notável entre os dois protagonistas para crescer e construir uma Wendy Rhoades tão fascinante, senão mais, que ambos – analítica, honesta e minimalista, a atuação de Siff é o que mais marca emocionalmente o espectador.

Em seus 12 episódios, Billions se esforça para nos embrenhar em um mundo mais fundamental para a nossa sociedade do que imaginamos, e ao mesmo tempo manter tudo mais ou menos acessível. A fascinação vem dos personagens e das situações, não dos milhões ou bilhões em jogo, e a série da Showtime se posiciona, inteligentemente, tanto como uma aula de economia e direito que busca alertar e informar o público, quanto como uma análise do estado mental e dos privilégios sociais que fazem determinados membros da sociedade se permitirem atos que desafiam seu próprio senso de moralidade, e prezem sua própria colocação social acima de vidas e sentimentos alheios. Não há respostas fáceis em Billions, mas há uma certeza: ninguém é tão bonito, ou tão limpo, quanto quer aparentar.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

billions 2

Billions – 1ª temporada (EUA, 2016)
Direção: Neil Burger, Scott Hornbacher, James Foley, Neil LaBute, Stephen Gyllenhaal, John Dahl, Susanna White, Karyn Kusama, Anna Boden, Ryan Fleck, Michael Cuesta
Roteiro: Brian Koppelman, David Levien, Andrew Ross Sorkin, Willie Reale, Young Il Kim, Heidi Schreck, Wes Jones, Peter Blake
Elenco: Paul Giamatti, Damien Lewis, Maggie Siff, Malin Akerman, Toby Leonard Moore, David Costabile, Condola Rashad, Glenn Fleschler, Kelly AuCoin, Susan Misner, Nathan Darrow
12 episódios

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