9 de set. de 2016

Review: Por todo seu encanto visual, o novo “Mogli” triunfa mesmo é na narrativa

jungle

por Caio Coletti

A trajetória de Mogli: O Menino Lobo é talvez a mais conturbada da rica história da Disney. Nascida como um clássico literário instantâneo, intitulado O Livro da Selva, de Rudyard Kipling, a história de Mogli foi criticada como um apoio descarado ao colonialismo, uma alegoria que trocava indianos e britânicos por animais e humanos, e insistia na superioridade dos últimos. Quase 70 anos depois de seu lançamento, Mogli virou uma animação pelas mãos de Walt Disney – de fato, o filme de 1967 foi o último da companhia a ser supervisionado por seu criador, visto que Disney morreu durante a produção do longa. Mudando radicalmente o plot do livro, o Mogli da Disney incluía canções e performers inesquecíveis para criar um hit de bilheteria certo e uma encantadora história sobre amadurecimento.

Uma continuação para o mercado de vídeo (em 2003) e algumas outras tentativas de adaptação da história original depois, a Disney voltou a investir na trama em Mogli – O Menino Lobo, e o resultado, talvez não surpreendentemente, acabou sendo uma mistura interessante de todos esses elementos da origem da história, e ao mesmo tempo uma evolução natural dela. O homem no comando é Jon Favreau, que ganhou a confiança do público, dos críticos e dos estúdios ao dirigir os dois primeiros Homem de Ferro – certificadamente, Favreau é um cineasta deslumbrado com as possibilidades do cinema contemporâneo, e ao mesmo tempo centrado o bastante em narrativa para fazer com que um filme funcione para além de seu visual ou de seus efeitos.

Em suma, ele é o homem certo para refazer Mogli – O Menino Lobo, na reimaginação esperta do roteirista Justin Marks (Street Fighter: A Lenda de Chun-Li), que consegue juntar o carisma dos personagens e uma série de referências respeitosas ao filme da Disney com o espírito alegórico e metafórico do livro de Kipling, tudo enquanto subverte a própria mensagem que Mogli sempre representou. De uma fábula sobre colonização mal-disfarçada, a história do menino que se perde dos pais, é criado por uma matilha de lobos na selva e caçado pelo maligno tigre Shere Khan se transforma em uma encantadora lição de convivência e adaptação às diferenças. Marks não tenta equalizar Mogli a seus co-habitantes animais na selva, mas permite que um aprenda com o outro para se tornarem, coletivamente, melhores.

É um princípio interessante para se manter em tempos que vemos tanta retórica anti-imigração por aí – a frente de um mundo notadamente xenofóbico e amedrontado, Mogli quer nos dizer que trazer alguém diferente para dentro de nossa casa contribui para a evolução natural de uma sociedade. Tudo enquanto Favreau passeia luxuriosamente por paisagens deslumbrantes criadas por efeitos especiais. Não há momento do filme que pareça artificial, mas o truque não é nem mesmo esse – ao lado de seus técnicos de efeitos especiais, Favreau cria um mundo que é ativamente deslumbrante, trabalhando ângulos de câmera que favoreçam o visual concebido e insiram o personagem humano (e estreante Neel Sethi) com cuidado, realismo e beleza plástica em um mundo digital.

Ajuda que o elenco de vozes reunido também seja perfeito, embora de forma óbvia, para os personagens. Quando o assunto é Baloo, Baghera, Rei Louie e Kaa, no entanto, é claro que o público quer percebê-los da forma como se lembra deles de sua infância, e Favreau acerta em cheio ao escalar seus dubladores de acordo com a personalidade dos personagens, sem correr riscos. É claro que Bill Murray dá um ótimo urso bonachão, corajoso e despreocupado; é óbvio que Ben Kingsley traz um quê de respeitabilidade para o admirável Baghera; e é mais do que evidente que o estilo inconfundível e excêntrico de Christopher Walken se presta admiravelmente ao Rei Louie. Idris Elba (Shere Khan), Scarlett Johansson (Kaa) e Lupita Nyong’o (Raksha) completam o elenco com trabalhos igualmente bacanas.

Se alinhando a outros dois filmes excelentes adaptados de propriedades intelectuais exploradas anteriormente em animação pela Disney (Malévola e Cinderela), Mogli – O Menino Lobo toma os riscos calculados que são próprios do estúdio do Mickey, e não é um pedaço de cinema essencial para entender o estado da cinematografia americana (ou da cultura pop) em 2016. No entanto, segue como um entretenimento bem-realizado que supera as deficiências de discurso de um filme anterior da Disney e o transforma em uma mensagem verdadeiramente positiva para qualquer público que venha a apreciá-lo. Mogli – O Menino Lobo corrige os defeitos de ambas as suas versões anteriores (em livro e filme) e encontra espaço para encantar, desafiar e ensinar o espectador. Não dá para pedir muito mais do que isso.

✰✰✰✰ (4/5)

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Mogli – O Menino Lobo (The Jungle Book, Inglaterra/EUA, 2016)
Direção: Jon Favreau
Roteiro: Justin Marks, baseado no livro de Rudyard Kipling
Elenco: Neel Sethi, Bill Murray, Ben Kingsley, Idris Elba, Lupita Nyong’o, Scarlett Johansson, Giancarlo Esposito, Christopher Walken, Garry Shandling, Emjay Anthony
106 minutos

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