11 de mai. de 2016

Review: “Capitão América: Guerra Civil” capitaliza no barulho, mas triunfa na modéstia

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por Caio Coletti

Os irmãos Joe e Anthony Russo não são nem um pouco como os outros diretores que passaram pelo universo cinematográfico Marvel (ou MCU) desde 2008. Vencedores do Emmy pelo trabalho no episódio piloto da inovadora série de comédia Arrested Development, em 2003, os irmãos não são iconoclastas pomposos (Kenneth Branagh, Thor), artistas com ramificações pessoais profundas (Joss Whedon, Os Vingadores), diretores/roteiristas com vozes satíricas únicas (Shane Black, Homem de Ferro 3), ou puros paus mandados de estúdio (Joe Johnston, do primeiro Capitão América). Em cada uma das entrevistas e listas de influências que os Russo passam conforme vão divulgando seus filmes da Marvel, fica claro que os irmãos são cinéfilos dedicados antes mesmo de serem amantes dos personagens e materiais dos quadrinhos. Se Capitão América: O Soldado Invernal era um thriller político traiçoeiro disfarçado de filme de super-heróis, Capitão América: Guerra Civil é um suspense psicológico profundo que quer discursar sobre guerra, vingança, efeitos colaterais e controle governamental – sem esquecer de entreter.

Dessa vez, é preciso considerar, os irmãos estão lidando com uma quantidade muito maior de personagens fantasiados (e fantasiosos) do que em Soldado Invernal, então Guerra Civil não tenta se apegar àquela sensação de gravidade e realismo que permeava seu predecessor, quase um filme de espião em meio às aventuras extravagantes da Marvel – pelo contrário, os Russo procuram abraçar a exuberância desses personagens e seus poderes com gosto, produzindo cenas desenhadas especialmente para que o espectador se deleite com os feitos apresentados em tela, e dirigindo as sequências de ação com um senso de escala, um olho aguçado e uma edição rápida que nunca se torna confusa. Valem palmas os trabalhos do diretor de fotografia Trent Opaloch (Distrito 9) e dos editores Jeffrey Ford & Matthew Schmidt, medalhões do MCU desde Capitão América: O Primeiro Vingador. No entanto, por mais que se venda com o espetáculo de cenas como a imensa batalha do aeroporto, sobre a qual virtualmente ninguém parou de falar desde a estreia do filme, Guerra Civil ganha o jogo mesmo é com seus elementos mais modestos. Em muitos sentidos, o filme se parece com um grande exercício de contenção.

A sensação é que os roteiristas Stephen McFreely e Christopher Markus são predadores cercando os fios de trama e personagens puxados de outros filmes da franquia, os juntando em um ponto concentrado, e usando-os para contar uma história que passa por temas e sub-tramas complexas e numerosas para construir uma narrativa cuja estrutura, em si, é bastante simples. Quando os Vingadores divergem de opinião sobre uma “proposta” (que mais parece uma ordem) do governo de registro e controle das ações dos super-heróis, aos poucos os heróis vão tomando lados distintos, com o Capitão América (Chris Evans) e o Homem de Ferro (Robert Downey Jr) agindo como líderes desses “times”. As motivações dos personagens são construídas com cuidado e consideração por quem eles são e como agiram em suas aparições anteriores – no caso dos dois personagens que o filme introduz (o Homem-Aranha e o Pantera Negra), as motivações, espertamente, são muito mais pessoais e emocionais do que ideológicas.

Guerra Civil desenha uma trajetória cristalina em direção ao seu clímax, que tira potência emocional, assim como alguns outros pequenos momentos espalhados pelo filme, da história dos personagens nesses oito anos de MCU. Se você pensar bem, é o primeiro filme da Marvel a realmente fazer isso, o que significa que a editora, a essa altura de seu projeto cinematográfico, não só se viu no direito de discutir questões políticas e fazer um “thriller psicológico”, como ousou começar a ser auto-referente. Construído com cuidado e nunca superestimando seus próprios momentos de culminação ou junção narrativa, Guerra Civil é um exercício de storytelling que vai contra o instinto da maioria dos roteiristas, mas funciona dentro de uma franquia que existe nesses moldes. O filme não precisa nos mostrar, nos lembrar, da bagagem que traz – o peso que ela carrega fala por si mesmo –, e essa “modéstia” dos roteiristas ao abordá-la faz bem ao efeito duradouro que Guerra Civil causa no espectador.

Faz bem também o fato de que McFreely e Markus, ao lado dos irmãos Russo, buscam acomodar seus impulsos mais grandiosos e iconoclastas às exigências de uma franquia que tem obrigações de continuidade e de introdução de personagens para cumprir. Há momentos de beleza plástica e temática espetaculares em Capitão América: Guerra Civil, e eles são distintamente idiossincráticos do estilo dos Russo, especialmente no embate final entre três dos heróis principais, e na realização do plano do vilão interpretado (com gosto, complexidade e comprometimento subestimados) por Daniel Bruhl. A discussão sobre o controle do governo sobre os super-heróis passa por todas as marcas que deveria, costurando questões de reponsabilidade, corrupção, preconceito, o caráter fundamentalmente falho da lei e a importância dela para ordenar nossa vida em sociedade. Sem advogar por nenhum dos lados de forma explícita, Guerra Civil olha para o mito do super-herói de um ponto de vista frio, político e ponderado, que só funciona por conta do equilíbrio fornecido pela paixão envolvida nas jornadas íntimas dos personagens.

Robert Downey Jr brilha como há muito tempo não lhe era permitido, explorando as complexidades, hipocrisias, razões, imaturidades, egoísmos e fundamentais boas intenções de Tony Stark com a disposição de um ator que ainda não cansou de submergir em seu personagem. Chadwick Boseman cria um Pantera Negra que não esconde seu status de realeza, mas também não se esconde por trás dele – um herói feroz e duro, cuja humanidade se esconde por trás dos olhos decisivos de um governante. E Tom Holland encarna o espírito de Peter Parker/Homem-Aranha através de um carisma nada calculado que se expressa de forma charmosa e comunicativa com o público. Como um casamento impossível entre o íntimo e o épico, o estupidamente divertido e o angustiantemente questionador, a ambição artística e a comercial, Capitão América: Guerra Civil conversa com a cultura criada pelos personagens da Marvel no cinema e, de sua forma singularmente improvável, dá o golpe definitivo na ofensiva da Marvel para se tornar uma das forças definidoras do cinema pop feito no século XXI.

✰✰✰✰✰ (5/5)

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Capitão América: Guerra Civil (Captain America: Civil War, EUA/Alemanha, 2016)
Direção: Joe e Anthony Russo
Roteiro: Christopher Markus, Stephen McFreely
Elenco: Chris Evans, Robert Downey Jr, Scarlett Johansson, Sebastian Stan, Anthony Mackie, Don Cheadle, Jeremy Renner, Chadwick Boseman, Paul Bettany, Elizabeth Olsen, Paul Rudd, Emily VanCamp, Tom Holland, Daniel Bruhl, Frank Grillo, William Hurt, Martin Freeman, Marisa Tomei, John Slattery, Hope Davis, Alfre Woodard
147 minutos

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