por Caio Coletti
“Nem todo mundo pode ser florista ou lavador de pratos. Alguns de nós precisam ser artistas”. A frase é do segundo episódio do primeiro ano de Baskets, nova série de Zach Galifianakis (Se Beber, Não Case) para a FX exibida em 10 episódios entre janeiro e março de 2016. A inversão na frase é quase poética – aspirantes a atores, cantores, músicos, cineastas e pintores por aí já devem tê-la ouvido ao contrário: nem todo mundo pode ser um artista; o mundo precisa de carpinteiros, garis, mecânicos, secretários, recepcionistas. O dito quer fazer graça da noção de que todo trabalhador comum parece ter o sonho de se disfarçar de artista. De sua forma ao mesmo tempo ingênua e deliciosamente cínica, Galifianakis e Baskets parecem nos perguntar se, nesse mundo capitalista esmagador, não é o artista às vezes que é compulsoriamente levado a se disfarçar de trabalhador comum.
E que trabalho magistral que Galifianakis, com a ajuda de uns poucos outros roteiristas (incluindo o comediante Louis C.K., de Louie) e do diretor Jonathan Krisel, faz em nos apresentar um personagem comovente pelos sonhos tanto quanto é por seus instintos mais patéticos. Às vezes anti-herói, o Chip Baskets de Galifianakis não é só um fracassado pelo qual é fácil torcer, como tantos outros na TV americana hoje em dia – é uma alma cujos próprios defeitos, limitações e frustrações emprestam verdade para sua arte. Nos raros momentos em que somos capazes de ver Baskets realizando suas rotinas de palhaço, o absoluto respeito que Galifianakis exibe pela forma de expressão desses artistas relegados à categoria de atrações de circo é palpável. Em uns poucos movimentos, em representações tão simples e simbólicas, Galifianakis faz cuidadosamente explodir em tela as entranhas de um personagem que ele passa o restante da série compondo.
Mas sim, antes que a gente se esqueça, Baskets é também uma comédia, e não é pouco engraçada. Por mais agridoces que sejam seus momentos mais marcantes (“Easter in Bakesfrield”, 1x04, é um episódio de TV que não vai sair da minha memória por muito tempo), Baskets também é ótima em selecionar os alvos certos e os tons certos para suas piadas. Galifianakis está especialmente engraçado como o irmão gêmeo de Chip, Dale Baskets, dono, aluno e garoto-propaganda de uma universidade à distância cuja fachada cuidadosamente construída esconde mal uma pilha de ansiedades, e cujo mero sotaque já é motivo para risadas nervosas. Martha Kelly é uma peça importante com sua entrega minimalista de algumas das melhores falas da temporada, e Louie Anderson faz um trabalho enormemente sensível (e tremendamente engraçado) com o retrato da mãe super-protetora do interior americano.
E talvez as nossas palavras façam crer que é um tipo complicado de comédia, mas Baskets é na verdade muito simples, e fundamentalmente modesto sobre si mesmo. Seus temas, as frustrações de seus personagens, os destinos de suas histórias, tudo surge com a naturalidade de uma comédia que deixou o seu universo crescer e o seus personagens crescerem junto. Se há ambição aqui, é a ambição de contar uma história, e se dessa história nascem reflexões, momentos com os quais o espectador pode se identificar emocionalmente e personagens compreensíveis, tridimensionais e humanos, é um testamento do talento do grupo que a escreveu. Em dez episódios de menos de meia hora, passeando por desertos, rodeios, motéis de beira-de-estrada, escritórios apertados e quartos de hospital, Baskets consegue encontrar poesia, elegância e graça de uma história nada provável. E esse é um tipo de storytelling que precisamos cultivar e guardar como uma pedra preciosa – como a vida, Baskets não tem intenção nenhuma de acontecer; simplesmente acontece.
✰✰✰✰✰ (4,5/5)
Baskets – 1ª temporada (EUA, 2016)
Direção: Jonathan Krisel
Roteiro: Louis C.K., Zach Galifianakis, Jonathan Krisel, Samuel D. Hunter, Rebecca Drysdale, Graham Wagner
Elenco: Zach Galifianakis, Martha Kelly, Louie Anderson, Sabina Sciubba, Ernest Adams, Malia Pyles
10 episódios
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