17 de jun. de 2015

Review: “The Honourable Woman” é uma história amarga que precisava ser contada

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por Caio Coletti

De todas as decisões corajosas tomadas pela SundanceTV, uma emissora de séries e minisséries prestigiadas e frequentemente polêmicas, exibir The Honourable Woman, uma produção britânica, nos EUA talvez tenha sido a mais afrontosa. A minissérie em oito partes (nove no Netflix, sabe-se lá porque) dirigida, escrita e produzida por Hugo Blick é, entre tantas outras coisas que se propõe a ser, uma condenação convicta da política externa americana e do uso dos conflitos no Oriente Médio como parte de uma negociação por prestígio internacional, pela manutenção da imagem do país do Tio Sam como um salvador universal e uma autoridade justa e confiável no campo político intercontinental. E essa condenação é só uma pequena parte de tudo o que The Honourable Woman abraça em sua narrativa monumental, que engloba um determinado espaço de tempo mas não se esquece de apresentá-lo como uma consequência de atos cometidos muito antes e que reverberarão muito depois.

Quem melhor pega essa dica do roteiro é Maggie Gyllenhaal, é claro, e ela é o centro nervoso de The Honourable Woman. A atriz americana emerge dentro da persona de Nessa Stein, uma empresária judia que acaba de ser apontada para integrar o poder legislativo britânico, e transformou a empresa construída pelo seu pai para inicialmente prover armas de guerra para o povo israelense em uma das maiores negociadoras de paz e oportunidade igual entre Israel e Palestina. Na atuação de Gyllenhaal, no entanto, Stein nunca é exatamente essa cifra que o roteiro nos apresenta no início, esse mistério de intenções que aos poucos vai se desenrolando e passamos a conhecer – desde o primeiro episódio, Nessa é uma mulher completa, com inseguranças e dissimulações, nervosismos e segredos escondidos no mais profundo âmago de seu ser. Há algo de assombroso até na voz que Maggie escolhe para a personagem, no sotaque sutil e no tom grave e distante de sua Nessa, parte integral da história e peso que a atriz lhe empresta de forma profundamente dedicada. O resultado é uma protagonista que, assim como a trama de The Honourable Woman, vive e respira para muito além do que nos é mostrado em tela.

Isso não quer dizer que Hugo Blick não amarre bem sua trama – pelo contrário, o episódio final é pragmático em juntar as pontas da narrativa e finalizar o discurso de The Honourable Woman com uma declaração forte e coerente sobre a forma como o ciclo de violência torna impossível a elaboração de algum tipo de paz entre esses dois povos. A história humana da família Stein e da misteriosa Atika (Lubna Azabal, igualmente espetacular em sua sutileza) reflete à perfeição a visão amarga que Blick quer nos mostrar, através da ficção, dessa situação muito real. A minissérie produzida pela BBC é o melhor tipo de thriller político: aquele que não apaga as reverberações emocionais da sua história em favor de um discurso puramente prático, mas as usa para emprestar profundidade e pathos a ele. The Honourable Woman é uma história de resignação, culpa, desconfiança e segredos, que é brutal ao retratar o interminável ciclo de ódio e vingança que existe naquela região do mundo, a viciosa disputa entre dois povos cujo passado impede uma reconciliação. Em um conflito onde todo mundo teve suas famílias e vidas despedaçadas por alguém do outro lado da fronteira, que esperança existe de reconciliação? The Honourable Woman quer nos dizer que promover a paz em um campo de batalha tão injusto e antigo é uma missão tão fútil quanto os cabos de comunicação que Nessa e sua empresa estão tentando instalar na Cisjordânia.

O estilo de direção de Blick, assim como sua escrita, é dado à imagens fortes e marcantes. Sua câmera brinca com iluminação, slow-motion, ângulos improváveis e formatações diferentes de encenação dentro dos cenários que tem disponíveis. A abertura da minissérie dá dicas de alguns desses momentos, provendo ao espectador um fascinante quebra-cabeças para montar entre os muitos oferecidos por The Honourable Woman. A labiríntica trama de espionagem protagonizada pelos ótimos Stephen Rea e Janet McTeer também é assim, ajudando e confundindo o espectador ao mesmo tempo, fornecendo pequenas doses de informação e escondendo outros aspectos dela que serão revelados só depois, mesmo que tenham sido discretamente plantados muito antes. Com estilo e muita coisa a dizer, The Honourable Woman discursa não só sobre Oriente Médio como também sobre confiança, a naturalidade do ser humano em mentir e enganar, o descaso com a vida que alguns aspectos da política implicam (para algumas pessoas), a relação de gênero entre homem e mulher, a posição na qual a mulher é colocada na sociedade, e alguns outros temas menores. É uma obra ambiciosa e vasta, executada com as doses certas de precisão cirúrgica e paixão pelos temas e personagens – e é uma das minisséries mais corajosas, inteligentes e brilhantes em muitos anos.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

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The Honourable Woman (Inglaterra/EUA, 2014)
Direção e roteiro: Hugo Blick
Elenco: Maggie Gyllenhaal, Stephen Rea, Lubna Azabal, Katherine Parkinson, Andrew Buchan, Janet McTeer, Eve Best, Igal Naor, Lindsay Duncan
8/9 episódios

Emmy watch – possíveis indicações:
Melhor Minissérie
Melhor Atriz em Minissérie ou Filme (Maggie Gyllenhaal)
Melhor Atriz Coadjuvante em Minissérie ou Filme (Janet McTeer)
Melhor Atriz Coadjuvante em Minissérie ou Filme (Lubna Azabal)
Melhor Direção em Minissérie ou Filme (Hugo Blick)
Melhor Roteiro em Minissérie ou Filme (Hugo Blick)

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