24 de fev. de 2014

Review: A provocação afiada do excepcional “12 Anos de Escravidão”

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por Caio Coletti

Uma das coisas mais encantadoras sobre qualquer forma de arte é o quão ampla é a gama de cores e expressões que ela pode suportar. Independente de época e tendência, existe algo de infinitamente promissor em uma tela imaculada, uma folha em branco ou um filme virgem. Veja 12 Anos de Escravidão, por exemplo, um filme que absolutamente não pertence a era de cinema que estamos vivendo no momento, e é fácil perceber o quanto quaisquer modas e pressões comerciais podem ser derrotadas tão facilmente pelo simples ato de contar uma história. Contar bem, com os recursos certos e a linguagem adequada para transmitir a mensagem e a emoção ao espectador. É esse simples ato, o de saber a melhor forma de nos mostrar a que veio, que faz de 12 Anos de Escravidão excepcional.

Claro, o filme de Steve McQueen é também, como todos os grandes filmes são, uma feliz conjunção de talentos ímpares e ressonantes. A começar pelo próprio diretor, que depois de uma extensa carreira em curtas-metragens partiu para o cinemão com os polêmicos Fome e Shame. McQueen, um britânico de 45 anos, é dono de um estilo absolutamente particular, e também nada sutil: sua sensibilidade é decididamente masculinizada, com pendências no classiciscmo e, ao mesmo tempo, um olho para o detalhe e o ritmo que vem direto de Terrence Malick. O diretor não tinha encontrado a história certa para o seu cinema até 12 Anos de Escravidão.

Aqui, ele trabalha junto com fotografia e trilha-sonora (contribuição sensacional de Hans Zimmer) para criar um sentimento de submersão para o espectador, que entra na história e vive as argruras do roteiro de John Ridley (Três Reis). Retirada direto das memórias em primeira pessoa do seu protagonista, Solomon Northup, a trama acompanha-o desde sua vida como homem negro e livre na América pré-Guerra Civil. Após ser enganado por dois homens que diziam estar interessados no talento de Solomon como violinista, ele é sequestrado e vendido para a escravidão, deixando para trás a mulher e dois filhos. A odisseia de Northup para reconquistar a liberdade é uma jornada guiada com absoluto instinto e cuidado excepcionalmente acertado com a emoção.

O elenco é essencial para que esse arranjo resulte em uma sinfonia bem afinada. Chiwetel Ejiofor, que já é um grande ator há muito tempo (se você ainda não viu, corra assistir o thriller Endgame, de 2009, estrelado por ele e William Hurt), recebe o papel mais denso da sua carreira das mãos do diretor McQueen e o transforma em tela num observador fiel e confiável para o espectador. Sua performance precisa levar o filme nas costas, e toma essa responsabilidade de forma integral, dinamizando a emoção e nunca caindo na sacarose gratuita. Delicado e marcante, Ejiofor é a própria alma de 12 Anos de Escravidão. Lupita Nyong’o é o outro destaque óbvio, brilhando em uma mão cheia de cenas com uma atuação intensa e simbólica, que não vai sair tão logo da memória de quem assistir ao filme. Em pequenas participações que passeiam pela caricatura mas invariavelmente caem na materialidade como personagens, atores como Michael Fassbender, Sarah Paulson, Benedict Cumberbatch, Paul Dano, Paul Giamatti e até o produtor do filme, Brad Pitt, reforçam um aspecto que pode passar despercebido, mas não deveria.

12 Anos não é só uma história bem contada e uma manipulação bem sucedida do espectador (a crítica e o público precisa, aliás, parar de levar tão a mal esse termo – é ótimo ser “manipulado” por um filme, e sinal de que ele foi muito bem pensado para tal). Essencialmente, o filme é uma condenação aguda e observadora da hipocrisia e da culpa universal que cerca o próprio ato da escravidão, pintando um retrato muito sensível não só dos negros, absolutos protagonistas da história de McQueen e Ridley, mas também dos antagonistas brancos. Isso não é dizer que 12 Anos de Escravidão tenta simpatizar com esses personagens, mas sim que é capaz de admitir que mesmo sendo capazes de tamanha desumanidade, eles são essencialmente (e revoltantemente) humanos. Essa simples concessão faz do filme uma peça muito mais provocante, e um “conto de aviso” muito mais urgente: 12 Anos não quer jogar o jogo da culpa ao mostrar os horrores da escravidão – quer simplesmente mostrar que somos capazes disso, se enterrarmos a cabeça suficientemente fundo na terra do nosso próprio egoísmo.

✮✮✮✮✮ (4,5/5)

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12 Anos de Escravidão (12 Years a Slave, EUA/Inglaterra, 2013)
Direção: Steve McQueen
Roteiro: John Ridley, baseado na autobiografia de Solomon Northup
Elenco: Chiwetel Ejiofor, Michael Fassbender, Lupita Nyong’o, Sarah Paulson, Benedict Cumberbatch, Paul Dano, Quvenzhané Wallis, Paul Giamatti, Garret Dillahunt, Brad Pitt
134 minutos

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