por Amanda Prates
Livro: Respiração Artificial
Autor: Ricardo Piglia
Editora: Iluminuras
Eu poderia começar este review – ou talvez fundamentar quase todo ele – com breves observações ou alertas para os cuidados que se deve ter antes de se lançar à leitura de “Respiração Artificial”, mas eu poderia correr o risco de preterir o caráter de clássico argentino que o livro adquiriu sem nem perceber a infâmia que estaria cometendo. Ou eu poderia ainda apenas narrar as minhas peripécias enquanto leitora do livro que é pauta deste texto. Mas eu não os farei; ressalvas quanto à genialidade do autor não são poucas e se fazem mais úteis aqui.
“Dá uma história? Se dá, começa há três anos. Em abril de 1976, quando é publicado meu primeiro livro, ele me manda uma carta”. É assim que começa “Repiração Artificial”, a obra, talvez, mais incomum que já me deparei nesses poucos anos enquanto leitora – e se você não está acostumado com a literatura argentina, vai pensar o mesmo. Piglia arquiteta o que chamaram de “nova ficção”, quando Borges quebrou a forma até então única de se fazer ficção, ao narrar a interrogação sobre o passado de um homem, reconstruir a agressiva biografia de um possível traidor e descrever um misterioso encontro entre Franz Kafka e Adolf Hitler num romance ficcional epistolar que se põe fora do lugar comum.
É um livro cheio de digressões, de grandes parênteses. Não possui um narrador único e cada personagem é independente dentro da história, e é este um dos maiores triunfos do autor, a bela construção de polifonia. É preciso estar atento aos detalhes; os personagens tomam a palavra sem aviso prévio, interrompem quem antes a detinha; as passagens de ambientes nem sempre são explícitas, e as chances de o leitor se confundir são um milhão em um milhão. Não é um livro fácil, mas talvez não tenha a intenção de o ser, já que parece ser mais um amontoado de pensamentos soltos, de alguém que não tinha uma base sólida e por isso se apegou a qualquer caminho.
“Respiração Artificial”, à primeira vista, pode parecer um romance que pelo menos te ofereça uma história linear para contar, mas não o faz. O que há é um emaranhado de histórias e estórias, completado com discussões sobre filosofia, vida, juventude, política, literatura, a ditadura e suas consequências. Dois homens discutem os rumos que a literatura argentina tomou no século XX, comparam Roberto Arlt a Jorge Luis Borges – e o quão profano isso pode ser! –, refletem sobre qual a forma mais apropriada de se referir a um ex-senador. E tudo soa como poesia.
E se toda essa confusão não for o bastante, o autor, no final, joga em suas mãos a panela quente da descoberta da relação entre Kafka e Hitler. O livro se propõe a responder à pergunta sobre o passado, mas o mínimo que ele faz é despejar densas doses de mais interrogações em sua cabeça. O romance se move por formas diferentes para no final se transformar numa grande metáfora desses tempos em que os homens demonstram precisar de um ar artificial para sobreviver. A leitura é densa, mas acredite: não custa muito para entender por que “Respiração Artificial” fora escolhido por cinquenta grandes escritores argentinos como um dos melhores romances da história da literatura daquele país.
✮✮✮✮ (4/5)
0 comentários:
Postar um comentário