4 de fev. de 2014

Review: Por que, num ano cheio de ficções científicas, “Ela” é a melhor de todas?

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por Caio Coletti

Um dos grandes, senão o grande chavão da ficção científica moderna, é aquele que usa os elementos “extra-realistas” do gênero para exaltar o espírito humano. Em várias histórias, quando ameaçados por elementos fora do nosso mundo habitual – ou mesmo criado por nossos vícios e defeitos –, a humanidade precisa voltar a constituição mais pura de sua alma, aos sentimentos de afeição e união, para perseverar. Nós existimos contra todas as possibilidades, é o que nos diz a ficção científica, e só isso já é prova de que somos verdadeiramente excepcionais. Ela, novo filme de Spike Jonze, indicado a 5 Oscar, não quer negar que sejamos, mas ao contrário da maioria de seus companheiros de gênero, exalta a humanidade exatamente naqueles pontos em que somos mais falhos.

Para começar, como indica a tagline abaixo do título no poster, essa é uma história de amor. Sem rodeios, Ela é um filme extremamente doloroso em seu retrato de todas as fases que compreendem um relacionamento romântico, e de certa forma é também uma narrativa cíclica: Theodore (Joaquin Phoenix) é um recém-divorciado que se apaixona pelo novo sistema de operações que adquire. No futuro de Ela, todo mundo anda com um ponto no ouvido e comanda funções simples como checar e-mails e ler as notícias do dia por controle de voz. A novidade do modelo mais recente comprado por Theo é que o sistema tem uma personalidade própria, uma inteligência artificial que ganha o nome de Samantha (e a voz de Scarlett Johansson, na sua melhor atuação em anos – sim).

Humano e máquina engajam em um relacionamento, e Ela ganha pontos ao retratar um mundo em que nem todas as pessoas que cercam Theo acham isso estranho. Na verdade, o filme dá dicas de que o caso do personagem de Phoenix não é o único nesse universo criado nos mínimos detalhes por Jonze, num trabalho de roteiro excepcional. O script é sem dúvidas a obra-prima do responsável por Quero Ser John Malkovich e Onde Vivem os Monstros, combinando simplicidade e um meticuloso equilíbrio entre sarcasmo social e verdade emocional. Em última instância, Ela, assim como a sociedade que retrata, é incapaz de julgar o relacionamento entre Theo e Samantha, e talvez por isso desenhe nele um arco tão familiar para as histórias românticas. Não que o filme jogue com clichês, mas existe nessa ficção científica algo de muito realista, também, sobre o relacionamento humano.

A elaboração técnica é impecável. O design de produção (indicado ao Oscar) e a fotografia genial de Hoyte Van Hoytema (Deixe Ela Entrar) ajudam a construir um universo para Ela que é absurdamente amplo. Discretamente lírico e sensorial, sem exageros impressionistas, o filme consegue uma proeza que poucos feitos cinematográficos alcançam hoje em dia: tudo na direção só acrescenta camadas e temas a um filme que já é muito rico deles no papel. O trabalho de Hoytema nas câmeras dá à discussão de humanidade e sentimento uma profundidade muito maior, e ao mesmo tempo deixa a história respirar quando o filme precisa apenas observar Joaquin Phoenix e sua impressionante gama de emoções passear pela tela. Assim como o ator acrescenta delicadeza a um personagem difícil, e comanda o filme com autoridade, a fotografia e o universo ao redor dele ajudam a contornar e colorir essa performance de forma absolutamente deslumbrante.

Como toda grande ficção científica, toda grande história de amor, e toda grande obra-prima, este filme carrega consigo uma convicção muito grande, que é tratada em tela com tanta sutileza quanto assertividade. Para Jonze, talvez o grande ponto seja que a maior parte de nossa dimensão não é física, e sim emocional. Ela é uma celebração da humanidade como a espécie que está sempre em busca de quebrar uma barreira, superar algo, viver depois do sobreviver. Mas não se furta de mostrar que nem sempre poderemos fazer isso junto de quem amamos.

✮✮✮✮✮ (5/5)

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Ela (Her, EUA, 2013)
Direção e roteiro: Spike Jonze
Elenco: Joaquin Phoenix, Amy Adams, Rooney Mara, Scarlett Johansson, Chris Pratt
126 minutos

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