Que tipo de escritor eu sou? Não tenho insights, não faço comparações, não tenho desses momentos súbitos de inspiração. Talvez eu não seja um escritor, no final das contas. Talvez Rilke estivesse errado, e aqueles que realmente precisam escrever, aqueles que fazem de cada linha uma forma de descobrir a si mesmo, talvez esses sejam os destinados a serem qualquer outra coisa, que não escritores de verdade. Para se entregar por inteiro a ficção, é preciso não se entregar por inteiro a ficção. É, é uma contradição. Mas diga algo nesse mundo que não é, e eu retiro o que eu acabei de dizer. É preciso certa dose de distanciamento, um apego as idéias para além dos sentimentos, que eu acho simplesmente impossível de ter. O que eu escrevo não é o que eu penso, é o que eu sou.
Talvez eu esteja simplesmente fazendo do jeito errado. Talvez eu deva simplesmente parar por aqui, de enganar a mim mesmo e a você, caro leitor, mas a verdade é que eu não posso. Das imensuráveis vezes em que fiz essa mesma declaração, talvez essa seja a mais verdadeira. Eu não sei se faço o que estou fazendo direito. Mas, mesmo que não esteja, preciso fazer. De que outra forma eu viveria, que não pelas palavras? Dói escrever isso, e é perceber uma vida vazia de atos e vazia de sentimentos. Pode ser que eu esteja chegando ao fundo de mim mesmo agora, e pode ser que eu nunca mais volte. As palavras fazem minha vida. Minha vida culmina em mais palavras. E enquanto elas saem de mim em profusão, não consigo viver e dizer, viver e escrever, viver e sentir, tudo ao mesmo tempo.
Talvez (e quantos talvezes!) eu precise parar, pensar e desligar a música que enche meus ouvidos. Talvez eu deva simplesmente escurecer a tela do computador, jogá-lo pela janela, porque talvez sejam as palavras que estejam me destruindo por dentro. E quando o que eu faço de melhor me faz sentir como se fosse a pior pessoa do planeta? Ao mesmo tempo, escrever me dá um Norte. Um Norte que eu nunca poderei ter de outra forma. Viver é assim? Sem Norte, sem rumo, sem motivo, sem razão? Ou é simplesmente uma playlist em aleatório, uma mistura de sentimentos e motivações, raciocínios e métodos, que não levam a nenhum lugar, nunca, a não ser a um novo começo? Que labirinto! Que jornada finita mais infinita que nós nos arranjamos!
Talvez eu pense tanto que esqueça de viver. Também isso eu já disse várias vezes, e não sinto tanta verdade agora nessa sentença. Talvez tudo o que eu crie aqui seja uma enorme ilusão, e eu viva permanentemente nela. Talvez me faça bem viver nesse sonho-pesadelo constante e sem fim. Talvez seja melhor viver de cabeça para baixo, vendo tudo de uma forma diferente, sonhando o viver e vivendo o sonhar. Que diferença faz? Logo vou parar, e tudo vai voltar ao normal. No fim, é só um espetáculo tragicômico, em que a última risada, ou a última lágrima, é sempre a minha. Quem é alguém para me dizer o contrário?
“Na hora mais escura da noite, confesse a si mesmo que morreria se fosse proibido de escrever. E olhe profundamente na sua alma, onde ela espalhas suas raízes, a verdade, e pergunte a si mesmo: eu preciso escrever?”
(Rainer Maria Rilke)
2 comentários:
não faz comparações? certeza?
se é com um texto assim que vc entra em crise, então você é sortudo.
A vida é cíclica, quando voltar ao normal começa tudo de novo. Vai escrever mais, garoto, e durante as pausas da escrita, viva e acumule mais estorias, coloque todas no papel (no HD ou pendrive se preferir) , tire férias e se aventure no mundo, volte e conte tudo o que aprendeu, mostre-nos seus erros e suas alegrias, encha nossos olhos com palavras de todos os tamanhos e cores, nos faça viajar por elas, pois você É o escritor.
Brilhante, como sempre!
De verdade, foi a confissão mais bonita que já li em toda minha vida.
E amigo, eu te entendo, escrever é uma entrega tão grande que algumas vezes as palavras tomam conta de nossas ações.
Você conseguiu descrever exatamente como me sinto agora.
E isso é muuuuuuito especial.
Perfeito, sem mais!
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