Certa vez estava eu caminhando sem uma direção a ser seguida, caminhando por caminhar. Ouvia uma bela canção, pensava no que escrever: um conto, uma poesia, um capítulo novo do mangá ou do livro que estava trabalhando. Mesmo que o mundo estivesse em plena ebulição, minha mente parecia mais conturbada e caótica do que quaisquer influências externas. O mundo para mim estava cinza e parado. Sem notar eu estava próximo à faculdade. Já se passaram alguns anos desde então. Foi quando a vi: belos cabelos, olhos brilhantes e o melhor de tudo, seu gosto por poesia a transformava na melhor das pessoas, quase lhe conferia poderes divinos. Não sei o que senti, mas sei que não era a primeira vez que sentia. Era amor, a matéria-prima de todas as relações humanas baseadas na cordialidade.
Meus desenhos cismavam em criar traços sozinhos como se eu não tivesse controle sobre eles. Sempre desenhava o mesmo rosto. Minhas poesias tornavam-se felizes subitamente e com a mesma velocidade só conseguia escrever de saudade. Ah! A saudade da pele macia e das deliciosas risadas daquela mulher que me encantava só por existir. Aquele incenso natural, um perfume sem igual... E lá vou eu escrever poesia novamente. A saudade dela era tão forte que qualquer piscar de olhos, mesmo que ao seu lado, se tornava no maior mergulho nas profundezas da escuridão eterna que poderia cair. Evitava até de piscar. Não queria perder um segundo ao seu lado. Como era boa a sensação de... Amar.
Os cadernos caíram junto com o lápis, a caneta vermelha e uma foto minha. Sim, ela tinha uma foto minha. Eu tinha um álbum dela todo decorado na minha mente. Afinal, fotos estragam com o tempo, envelhecem... Memórias não. As memórias são muito melhores do que os fatos realmente foram. Só por ter visto a minha fotografia fazendo parte do material dela, foi o bastante para me alegrar por um mês inteiro. Sorria sem necessidade, como o gato risonho de Lewis Caroll. Sim, eu possuía aquele sorriso inconfundível dos apaixonados, que viam em seu amor a fonte de todas as suas esperanças e resolução de seus problemas. Era a minha musa para todo trabalho. Não havia texto que ela não estivesse presente de alguma forma.
Não sei bem o porquê, mas dedicando-me tanto a ela, fui a aprisionando aos poucos nos meus pobres escritos. Percebi estar fragmentando sua imagem e transpondo-a nas minhas linhas, transportando também sua importância. Fragmentava então o meu amor. Ela estava por toda parte, mas não era ELA completamente. Eram ideias , pedaços virtuais de uma pessoa que sumia do meu coração para o papel.
Um dia estava ela por todo meu quarto. Estava presente em páginas e mais páginas. Enfim, ao meu lado com a forma que dei e com o conteúdo visto por mim. Era ela e não era. E para a saudade doer menos a recriei em mim e a coloquei no papel. Quando chegou o momento de ter matado a saudade, percebi que não havia mais amor. Ela também sabia disso. Éramos apenas duas almas que se conheciam. “’Talvez por medo de perdê-la de vez, que resolvi perdê-la aos pouquinhos. Não conseguiria viver com o fardo de perdê-la numa tacada só’, disse a mulher do padeiro” no Auto da Compadecida de Ariano Suassuna. Tenho certeza que foi o mesmo que senti.
Certo dia não a vi mais. Era só lembrança, uma bela memória que nunca se amarelará. Hoje ela possui outra foto no seu material e eu outra pessoa sobre quem gosto de escrever e que me mata de saudade.
A pergunta do título prefiro responder apenas no final do post: “Quem um dia irá dizer que não existe razão...?” perguntou Renato Russo em “Eduardo e Mônica”. Eu digo que não há. Não há razão no amor. Podem dizer que a procura pelo melhor parceiro seja seleção natural, mas não há razão num sentimento tão nobre (e talvez até inventado) que nos faça suspirar e nos dá força para mudar o mundo.
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“…I’m not looking for us, and neither should you/ Absolutely gorgeous/ Then nothing I say it’s true/ You won’t find yourself in these guilty eyes…
‘Cause I love anybody who’s fool enough to believe/ And you’re just one of many who broke their heart on me/ And so I say I don’t love you/ Though it kills me…”
(James Blunt em “Love Love Love”)
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