28 de jul. de 2010

Equilibrista, por Caio Coletti

Conto (nunk excl)equilibrista 1

Vazio. Assim ele sentia o pensamento, a caneta parada no papel, os olhos fixos em um ponto do nada, vendo mas não enxergando, sentido mas não se importando. Tudo o que ele queria era entrar em catarse, mas não era capaz. Prisioneiro do tempo que tiquetaqueava sem parar, e refém da própria seletividade com a qual seus olhos críticos encaravam o mundo, ele sentia o cano quase vivo da arma da estagnação pressionando sua vida, e se perguntava quantas vezes o relógio bateria antes que o gatilho enfim fosse apertado.

Que mais era vazio? O sorriso congelado em pixels na tela do computador, retrato enganoso de uma felicidade passageira, sem começo, meio ou fim definidos e, pior, sem nenhum propósito. A lágrima que um dia manchou o rosto por uma razão hoje esquecida, superada ou guardada em um canto escuro da mente que, hipócritas e covardes, nos recusamos a visitar. Vazias eram as memórias que cultivava, gloriando e revivendo um passado iluminado pela luz de uma nostalgia difusa, sem nitidez ou exatidão. Eram elas tão vazias porque o faziam deixar de pensar no futuro, cheio demais de dúvidas para que sua mente não explodisse sobre o peso delas.

Vazia era sua estanha predileção por certezas, seu peculiar receio de estar vivendo errado e só perceber quando fosse tarde demais. Vazia a forma como fugia do que seus olhos viam para se refugiar no que a mente projetava, criando devagar uma vida guiada por medo, insegurança e incompreensão. Aos poucos, no entanto, ele percebia o quanto a culpa toda era dele, e não do mundo.

Se o relógio girava para cada vez mais perto do fim do tempo, a culpa era dele por se fazer refém de sua impiedosa marcação. Se a arma contra a sua cabeça ditava uma vida sem mudança e sem movimento, era ele que a segurava, empurrando a própria caminhada para um fim precoce. E, portanto, se um dia o gatilho fosse apertado, cabia a ele resistir ou não a força da bala. Forças para isso ele tinha. Só precisava estar atento ao momento certeiro.

Viver, para ele, era um delicado show de equilibrismo, sem rede, sem ajuda ou suporte algum. A plateia, o imenso mundo que se estendia ao seu redor, infinitamente e para todos os lados, cruelmente vasto, estava lhe assistindo atentamente. E, sobretudo, ele via a si mesmo, como em um espelho dos desejos, do outro lado, como sempre quis. Só restava saber se ele tinha as forças para atravessar a corda.

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Pra mim, parece tão simples, óbvio que a vida deve ser vivida no limite. Você deve exercitar a rebelião. Recusar-se a amarrar-se em regras, rejeitar o próprio sucesso, esforçar-se para não repetir-se. Deve ver todo dia, todo ano, toda ideia como um verdeiro desafio. Então, você saberá como é viver na corda bamba.”

(Philippe Petit, o famoso equlibrista dos prédios, no documentário vencedor do Oscar “O Equilibrista”)

2 comentários:

Anônimo disse...

Adorei o conto Caio, me identifiquei muito pois ele se parece muito com a minha vida, que é um verdadeiro jogo de equilibrismo..acho que a de todos nós é, né?

Bjos infinitos querido;**

Babi Leão disse...

"Viver, para ele, era um delicado show de equilibrismo, sem rede, sem ajuda ou suporte algum." Mas não é que é mesmo ? Equilibrio é essencial ! A busca por certezas para se manter na corda pode ser bom, o projeto dos desejos a frente podem ser bons e ter fé em nós mesmos tambem pode ser muito bom ! Mas ainda acredito que o equilibrio nao é conquistado sozinho. Na minha vida pelo menos eu preciso de um suporte.
Lindo, como sempre! Parabens !
Beijao !