19 de jul. de 2010

Música pop, arte e simbolismo

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Somos como esponjas, e não só materialmente. Se o nosso corpo é o que comemos, nossa mente é o que ouvimos, o que vemos e o que tiramos de tudo isso. Absorvemos o que nossos sentidos captam com a avidez de quem precisa, constantemente, afirmar a própria identidade. E, não estou exagerando aqui, nossa identidade é arte. Na forma como a construímos, nos moldes em que a colocamos, na necessidade de fazê-la única ou, justamente o contrário, na de encaixá-la nos padrões deifnidos, vejam só, justamente pela arte. É um círculo vicioso que revela muito do funcionamento do nosso próprio mundo, e da forma como o encaramos.

Talvez por isso seja urgente reafirmar o sentido de arte, de exposição pessoal de uma ideia que deveria ser universal, como um objeto construído tanto por quem produz quanto por quem consome. E nenhum tipo de arte possui mais essa maleabilidade do que a música, ainda mais especialmente a música pop. Subdividida em milhares de vertentes e constantemente ditando as tendências que vão do “mundo de fantasia” das cantoras no clips diretamente para o cotidiano de seu público, mais especificamente o jovem, a música pop, hoje, precisa voltar a ser encarada como arte. Ou estaremos com um tremendo problema em mãos.

Basta dar uma olhada no Vigilant Citizen (em inglês), site daqueles que discutem conspirações governamentais, mas que eventualmente abre espaço para analisar o simbolismo contido em letras e clipes de cantoras como Lady Gaga, Rihanna e Beyonce, para entender o porque de tal mudança de perspectiva ser tão importante. Há muito pouco de besteira no que ele fala, se você prestar bem atenção. A análise de fotos da popstar que o “vigilante” faz no artigo sobre Lady Gaga chega a ser chocante, relacionando a cantora a rituais satânicos, teorias de controle mental e a lendária organização dos Illuminati, hoje uma espécie de piada entre detratores e fãs de Dan Brown, que mexeu com a organização (mais real do que muita gente imagina, e ainda um mistério), na trama de Anjos & Demônios.

Tudo bem, explanemos melhor o que o “vigilante” nos diz sobre Gaga no artigo. A começar pelo nome, ele disseca os simbolismos em fotos e clipes da cantora, usando de referências nem um pouco duvidosas e até análises semânticas para nos convencer de que a estrela pop mais proeminente da atualidade prega uma “ausência de consciência” do mundo a sua volta para os ouvintes. As referências a Metropolis, o clássico cinematográfico de 1927, as letras sobre não se importar com nada que acontece ao redor e simplesmente “just dance”, são válidas. Mas o que o “vigilante” deixa de se perguntar, como é do costume de nossa sociedade, é se tudo isso é uma apologia ou, justamente, um alerta vindo de uma mente absurdamente criativa.

Como forma de arte, a música em sua melodia e letra são veículos para disseminar uma visão de mundo, a forma como o artista percebe e se desenvolve no mundo a sua volta. Em The Fame, mais universal, Gaga fala sobre jovens que não se importam com nada (“Just Dance”, “Beautiful Dirty Rich”), que se arriscam em perigos dos quais não têm a mínima ideia das conseqüências (“Poker Face”, “I Like it Rough”), e que fazem de tudo para obter símbolos imperfeitos e rasos de sucesso pessoal (“The Fame”, “Money Honey”, “Paparazzi”). No álbum seguinte, o mais pessoal The Fame Monster, ela versa sobre os perigos de se obter tais símbolos, e nos apresenta os medos e angústias que tomam conta de quem não se controla quando alcança o topo: a violência (“Bad Romance”, “Monster”), o desamor (“Alejandro”, “Speechless”), e a entrega escapista a prazeres passageiros (“Dance in The Dark”, “So Happy I Could Die”). E faz tudo isso colocando seu eu lírico na posição que leva a tais degradações.

Levada como um livro de condutas, a música pop sem dúvida produziu muito da degeneração de certos valores que vivemos hoje. Por isso, é essencial resgatar a noção de tal estilo como arte, como forma de expressão, como reflexão de seu tempo e, freqüentemente, como veículo de denúncia social e humana. As considerações do “vigilante” são válidas e interessantes, desvendando muito de um mundo de símbolos que se esconde por trás de cada imagem e colocação da personagem de Gaga e de outras cantoras pop. Mas não se pode deixar levar por tudo o que se lê. E isso inclui as linhas que passam por seus olhos agora. Elas, como todas, devem ser digeridas, pensadas, meditadas e incorporadas com cuidado ao arsenal de armas que temos para enfrentar o mundo lá fora. Porque, convenhamos, toda a ajuda é bem-vinda.

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[Man]: Where is it? Where is it, Candy? Candy?

[Gaga]: Ate it.

[Man]: Yes, I don’t believe you.

[Gaga]: Look for yourself. Pop ate my heart.

[Man]: I see!

(“Who Shot Candy Warhol”, introdução aos shows da Monster Ball Tour)

3 comentários:

Babi Leão disse...

Um voto para desafiador e outro para intrigante !
"Levada como um livro de condutas, a música pop sem dúvida produziu muito da degeneração de certos valores que vivemos hoje. " Falou tudo e muito mais !
Mostrou tudo e muito mais ! Desafiou, intrigou e convenceu ! Deu um injeção de Gaga em cada leitor !

Parabens, Beijos !

Fabio Christofoli disse...

Bom texto, bem reflexivo. Infelizmente meu inglês não permite que eu leia o site indicado, mas sempre me interessei por simbolismo, mensagens ocultas e etc. A maioria das coisas é besteira, mas há teorias que chegam a arrepiar a espinha de tão bem elaboradas.
Eu tenho algumas criticas sobre a Lady Gaga, mas a reconheço como uma expressão viva de arte. É uma das poucas artistas da nova geração que demonstram um compromisso maior com a arte do que com a fama e o dinheiro...
Abraço

Lari Reis disse...

Não sou muito fã de musica pop, mas gosto de observar. Lady Gaga é um fenômeno que tomou conta de muita gente ao meu redor, principalmente o pessoal da faculdade.
Me intrigava muito. Lady Gaga, de repente, virou tudo. E um grupo de jovens começou a viver Lady Gaga sem antes digerir o que ela diz em suas músicas. Conheço muita gente que quer ser alguma das personagens que ela cria sem nem entender o contexto, sem nem se questionar se há apologia ou alerta em cada uma das histórias que Gaga cria...
Tens razão! O pessoal tá precisando se ligar mais ao simbolismo, ao "o que isso representa" ao invés de puramente engolir uma música só porque veio de um fenômeno pop.