5 de jul. de 2017

Mais Mulher-Gato, menos Michael Bay: Hollywood precisa de gente com a coragem de fazer filmes ruins

ed woodEdward D. Wood Jr, o rei dos filmes ruins

por Caio Coletti

Durante a infância, eu lembro de me sentar no sofá da sala e ligar a TV em qualquer programa do tipo Sessão da Tarde que estivesse no ar. Não só essas lembranças são os momentos formativos da minha paixão pelo cinema, como são os momentos formativos da minha paixão pelo cinema ruim. Eu assistia Power Rangers: O Filme (1995), ou A Incrível Jornada (1993), ou Pequenos Guerreiros (1998), ou A Chave Mágica (1995), ou A História Sem Fim (1984), ou Guerreiros da Virtude (1997), ou qualquer um dos dois filmes do Batman dirigidos por Joel Schumacher (1995, 1997). Na pré-adolescência, vi Resident Evil (2002), Mulher-Gato (2004), Adrenalina (2006) e Anjos da Noite (2003). Conforme fui mergulhando mais fundo no cinema, me “graduei” para os clássicos de Ed Wood, John Waters, Sam Raimi e Peter Jackson, e para trashs como O Monstro do Armário (1986).

Eu amo cinema. Amo cinema cult, cinema francês, cinema documental, Cinema Novo, cinema experimental e, porque não, cinema ruim. Ou melhor, uma certa estirpe de cinema ruim – nessa estirpe a que me refiro moram os trabalhos de cineastas que buscam incessantemente realizar suas próprias visões, e em grande parte conseguem. O problema é que tais visões são absolutamente equivocadas: bregas, de mau gosto, nauseantes, amadoras, ou simplesmente desconectadas com a demanda do público na época em que foram lançadas. Dentro desses filmes ruins, mora arte, e mora a noção de que nem toda arte é para o gosto de todo mundo (algumas, inclusive, não são para o gosto de ninguém).

Eu sinto falta desse tipo de filme ruim no cinemão hollywoodiano hoje em dia. O filme ruim do estúdio americano atualmente é um filme ruim muito chato – é a bolha espúria de efeitos visuais vazios e narrativas machonas da franquia Transformers e de tudo o mais em que Michael Bay coloca o dedo. O diretor, inclusive, é talvez o grande responsável pela morte do cinema ruim como eu o conheci na infância e pré-adolescência, fazendo nascer uma padronização hollywoodiana que escapou aos anos 80 e 90, talvez influenciados pela matilha de cineastas rebeldes dos 70, que fizeram filmes muito mais conceituados mas não deixaram de ter um impacto na “cultura baixa”, por assim dizer.

O meu tipo de filme ruim sobreviveu ao começo dos anos 2000 com pequenas obras que quebraram o teto de vidro de Hollywood (e alguns arrasa quarteirões anômalos no meio do caminho), mas morreu com a “gourmetização” do cinema independente com selo de qualidade Sundance. Não desprezo o cenário indie como ele existe hoje, mesmo porque é dele que algumas das grandes obras-primas dos últimos anos saíram, mas é preciso ter a consciência de que ele está se tornando um “clubinho” tão exclusivo e acadêmico quanto o sistema de estúdios do qual supostamente surge como alternativa.

Sem espaço para respirar nesse ambiente, o meu tipo de filme ruim morreu. Até os “mestres” cujas obras eu me sentava para assistir no passado foram assimilados por uma Hollywood de padrões rígidos ou simplesmente se aposentaram. Basta dar uma procurada:

  • Joel Schumacher (Batman Eternamente, Batman & Robin) não dirige desde 2011, quando lançou Reféns, com Nicole Kidman e Nicolas Cage. Aos 77 anos, é improvável que volte da aposentadoria.
  • Frank Oz (A Chave Mágica) parou em 2007, quando saiu a comédia de humor negro Morte no Funeral. Aos 73 anos, está mais do que contente em apenas emprestar a voz ao Mestre Yoda, de Star Wars.
  • Joe Dante (Pequenos Guerreiros) trabalha regularmente na TV, mas seu último filme foi Enterrando Minha Ex, de 2014. Rumores de uma continuação de Gremlins circulam por aí.
  • John Waters (Pink Flamingos, Cry-Baby) não dirige desde Clube dos Pervertidos, de 2004. 71 anos de idade.
  • Wolfgang Petersen (A História Sem Fim) não dá sinal de vida desde que lançou Poseidon em 2006. 76 anos de idade.
  • Peter Jackson (Trash) e Sam Raimi (Uma Noite Alucinante) foram absorvidos pela máquina hollywoodiana, com resultados variáveis.

Sobre a safra de diretores que fez filmes corajosamente ruins já nos anos 2000, o destino foi ainda mais cruel com eles: a maioria foi rejeitada por Hollywood, e poucos dirigiram novamente. Treze anos depois de seu lançamento, eu preferia sofrer por outro filme assinado pelo francês Pitof, cuja câmera alucinante fez de Mulher-Gato uma espetacularmente horrenda aventura cinematográfica, do que pelas cores mudas e aguda falta de criatividade de um A Lenda de Tarzan ou um A Múmia, só para citar os exemplos mais recentes. Me dê uma escolha entre um filme medíocre por seu medo do diferente e um filme ruim pelos riscos que corre e eu vou, sempre, escolher esse último. Arte não precisa ser sempre boa – só precisa ser sempre, irrevogavelmente, arte.

tumblr_mkyrahHW8b1qd8s62o1_500Jim Carrey em Batman Eternamente

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