16 de abr. de 2017

Lady Gaga – The Cure: Onde erramos quando falamos de música pop?

chellaLady Gaga em seu show no Coachella 2017

por Caio Coletti

Nesse domingo de Páscoa (16), acordei com a notícia de que Lady Gaga havia estreado uma nova música na sua aparição no Festival de Coachella 2017. O show, transmitido para todo o mundo na internet, teve a cantora desfilando criações de seus quatro álbuns, com uma ênfase especial no Joanne, lançado no ano passado. E então veio “The Cure” (que você pode ouvir mais abaixo), supostamente o primeiro single de um EP ou edição especial do disco, no estilo The Fame Monster, lançado como complemento e oposição ao The Fame, disco de estreia de Gaga.

“The Cure” começa com sintetizadores agudos entoando um micro-gancho repetitivo que alude a algumas das canções pop mais bem sucedidas (e mais imediatamente esquecíveis) dos últimos anos, das criações do The Chainsmokers à “Sorry”, do Justin Bieber. Em seguida, a música desagua em uma melodia redondinha levada com garra por Gaga, sempre convicta nos vocais – em termos de composição, o refrão é formalmente esperto, fugindo discretamente da rigidez do estilo, mas “The Cure” nunca quebra o molde contemporâneo do pop-eletrônico de forma significativa.

Eu não quero dizer, caro leitor, que você não pode gostar de “The Cure”. Não tenho autoridade nenhuma para dizer isso, nem se quisesse. É uma canção competente cuja conexão pessoal com você depende de inúmeros fatores externos à criação da artista, do momento que você está passando em sua vida até o conjunto de gostos e conceitos que você acumulou com os anos. O objetivo de qualquer crítica que possa se seguir nesse texto não é atacar seu gosto pessoal pela canção, mas observar o contexto em que ela aparece, e o que ela significa para a carreira e a narrativa de Lady Gaga.

Esse é o problema que me incentivou a dar a esse texto o título que ele tem. Nosso erro ao falar de música pop é que nos perdemos em paixões e pessoalidades, em discussões cheias de respostas rasas, e não somos capazes de admitir as falhas naquilo que gostamos. “The Cure” não é o meu tipo de pop inofensivo, e é por isso que eu, particularmente, não gosto dela. No entanto, muito além disso, eu me posiciono como crítico a ela porque o pop, na minha visão, não pode e não deve ser inofensivo, mesmo que haja pop inofensivo por aí que eu goste de ouvir.

Já expliquei nesse site centenas de vezes qual é a minha visão sobre o pop como arte – mais recentemente, em um artigo sobre a própria Gaga. A ideia do pop como “música descartável” não me desce porque ele tem o poder de deixar uma marca indelével na cultura, nas pessoas e, por consequência, no mundo. Ele tem a potencialidade de ajudar a quebrar tabus, e alimenta de forma definitiva as produções artísticas que virão depois dele. Como a própria Gaga costumava colocar: “No pop, você sabe que foi bem sucedido quando sua arte tem um elemento de crime”.

Há elemento de crime (cultural) em “Perfect Illusion”. O lead single do Joanne é uma óbvia e inteligente reversão de expectativas, inserindo um pop com pulso e garra de rock n’ roll, mudança de tom ao estilo anos 80, e uma letra sobre o passageiro sentimento de êxtase do mundo contemporâneo, sempre em velocidade alucinante (como a canção, inclusive). No dia do lançamento de “Perfect Illusion”, cada repetição da música nos meus fones de ouvido era uma nova camada no meu entendimento dela. Em “The Cure”, essa dimensão profunda e fascinante não existe, não importa quantas audições você faça.

Eu não acho que Lady Gaga fez “The Cure” para “relaxar e se divertir”. Acho que fez de forma calculada para ganhar um hit tradicional nas paradas americanas – o que, a longo prazo, pode ser uma jogada acertada. É de se lamentar, no entanto, que uma artista tão única e genuína quanto ela precise fazer pop “inofensivo” para chegar lá, e o meu medo é que, quanto mais elogiarmos e aclamarmos decisões como essa, mais fundo no poço do “mais do mesmo” o nosso pop ficará.

Lady Gaga é a artista pop mais importante do nosso tempo porque ela faz escolhas diferentes. Porque tira prazer em chocar ouvidos despreparados e conquistá-los mesmo assim. Porque tem afetado e moldado a nossa cultura de forma mais definitiva do que qualquer outra artista pop. Se esse lançamento for indicativo de um novo caminho pelo qual Gaga pretende seguir, seja por pressão comercial ou vontade própria, e não importa o quanto eu ou você goste ou desgoste da canção, nós acabamos de perder uma das nossas grandes inovadoras. Na trajetória dela, “The Cure” precisa ser a exceção, e não a regra.

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