17 de jul. de 2015

Review: “Advantageous” e o poder renovador da ficção científica

adva

por Caio Coletti

Eu não sei exatamente qual foi o meu primeiro contato com uma obra do gênero que convencionamos chamar ficção científica – existem tantas ramificações e maneiras de posicionar uma história de ficção hoje em dia que fica difícil acompanhar todas elas. Há um momento que eu posso apontar com certeza, no entanto, como àquele no qual eu me apaixonei de verdade pelas histórias “impossíveis” e “fantasiosas”: foi quando abri pela primeira vez O Viajante do Tempo, um livro de contos assinado por Ray Bradbury. Eu não devia ter mais do que 13 ou 14 anos, mas em meio àquelas páginas envelhecidas pelo tempo encontrei pela primeira vez a identificação do que significava escrever ficção – do ato de criar algo extremamente pessoal que, mesmo assim, ressoe com tanta gente; do esforço para refletir, através de fantasias, a realidade. Embora muitos associem a ficção científica ao espaço sideral, ela é muito mais um espelho do que jamais será um telescópio: uma ferramenta para olharmos para nós mesmos, e não para as estrelas.

Hoje em dia, ficção científica é um rótulo um pouco vazio em Hollywood. Filmes com uma pletora de virtudes, como o criativo e divertido No Limite do Amanhã, usam essa etiqueta classificatória por tratar de aliens, do futuro ou de tecnologias inexistentes na nossa realidade. Espetáculos do cinemão americano, nem todos tão bacanas quanto o já citado star-vehicle do Tom Cruise, montam uma sequência impressionante de cenas de ação em cima de uma premissa vagamente fantasiosa, e chamam isso de ficção científica. A verdade, no entanto, é que não é bem assim: ficção científica de verdade implica um pensamento mais elaborado, e isso não significa que todos os filmes do gênero precisem ser dramas arrastados e verborrágicos – o que eles precisam ser é uma reflexão precisa sobre a natureza humana, e que aspectos dela podem ser mudados e sublinhados pelo que existe de diferente no mundo criado pelo escritor. Nos últimos anos, poucos filmes fora do circuito alternativo tem acertado nesse tom (o subestimado Transcendence, estrelado pelo Johnny Depp, é um), e Advantageous é mais um exemplo de que o cinema independente americano continua anos-luz à frente de Hollywood.

O efeito do filme de Jennifer Phang (Half-Life), apenas em seu terceiro longa-metragem, é de restauração da fé no poder da narrativa, e também da narrativa cinematográfica em especial. O roteiro assinado pela diretora e pela também protagonista Jacqueline Kim é uma meditação melancólica e ascética sobre a natureza da maternidade, do amadurecimento e do envelhecimento, e é tremendamente inteligente ao usar os elementos de ficção científica ao seu favor para passar essa mensagem. A trama acompanha Gwen (Kim), uma mãe solteira que por anos foi o rosto das propagandas de uma organização científica duvidosa cujo novo produto é um procedimento cirúrgico em que a consciência de seus clientes é transferida de um corpo envelhecido para um mais novo. A fim de manter seu emprego e continuar provendo para a filha em um mundo onde o mercado de trabalho, especialmente para as mulheres, é escasso, Gwen aceita se submeter ela mesma ao procedimento, se tornando a jovem interpretada por Freya Adams (The Blacklist)  – não é preciso dizer que nada sai exatamente como o esperado.

Advantageous, de certas formas, é uma fábula feminista, colocando uma protagonista forte e determinada em um mundo em que as mulheres são pressionadas a retornar para a ocupação de donas-de-casa, e deixar que os homens provenham para a família. Gwen não só não tem essa opção como sente algum orgulho de sua independência – Jacqueline Kim faz um trabalho excepcional ao demonstrar esse sentimento particular quando Gwen é obrigada a retomar contato com sua irmã e o cunhado (Jennifer Ikeda e o comediante Ken Jeong, que entrega uma atuação agradavelmente contida e expressiva aqui) como último recurso de suporte financeiro a fim de “escapar” da tal operação. Nas cenas que divide com sua filha na história, Kim mostra ainda mais competência e conexão com a história – como co-roteirista, a atriz entende a personagem e coloca, sem dúvida, muito de si nela. Carismática, ela ainda passa por cima do tom insípido do filme para dialogar o tempo todo com o espectador e fazê-lo se identificar com a postura desafiadora da personagem frente a sociedade em ruínas (disfarçadas) ao seu redor.

Silencioso, tremendamente sensível e com um leque de temas tão amplo quanto bem-trabalhado, Advantageous é um drama sobre as dores do tempo, e desenha uma conexão irremediavelmente bela entre a evolução do mundo futurista e pessimista ao seu redor com a trajetória de vida de seus próprios personagens. É uma história triste e dona de uma beleza terrível (no melhor sentido da palavra), um filme que usa as ferramentas da ficção científica para realçar o comportamento humano e nos mostrar a tragédia e a alegria contidas nele. É ficção científica de verdade, e cinema de primeira qualidade. Nos faz realizar nossa humanidade mais plenamente, ao encarar o nosso futuro, refletindo as características imutáveis que existem em cada um de nós. Em suma: Advantageous é uma das melhores coisas que este que vos fala viu em 2015.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

15301-2-1100

Advantageous (EUA, 2015)
Direção: Jennifer Phang
Roteiro: Jacqueline Kim, Jennifer Phang
Elenco: Jacqueline Kim, James Urbaniak, Freya Adams, Ken Jeong, Jennifer Ehle, Samantha Kim, Jennifer Ikeda
90 minutos

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