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2 de ago. de 2016

Diário de filmes do mês: Julho/2016

diário julho

por Caio Coletti

Nem todos os filmes merecem (ou pedem) uma análise complexa como a que fazemos com alguns dos lançamentos mais “quentes” ou filmes que descobrimos e nos surpreendem positivamente. É levando em consideração a função da crítica e da resenha como uma orientação do público em relação ao que vai ser visto em determinado filme que eu resolvi criar essa coluna, que visa falar brevemente dos filmes que não ganharam review completo no site. Vamos lá:

the guest

The Guest (EUA/Inglaterra, 2014)
Direção: Adam Wingard
Roteiro: Simon Barrett
Elenco: Dan Stevens, Maika Monroe, Brendan Meyer, Sheila Kelley, Leland Orser, Lance Reddick, Joel David Moore, Ethan Embry
100 minutos

Recentemente, o diretor Adam Wingard anunciou que seu projeto ultra-secreto anteriormente anunciado com o título The Woods é na verdade uma continuação de A Bruxa de Blair, neo-clássico de 1999, feita em segredo. Em uma edição anterior do boletim cinéfilo, já falamos do filme que mais qualifica Wingard como um mestre em formação da mistura de gêneros e especialmente do terror, o ótimo Você é o Próximo (veja o que dissemos aqui). Para continuar no pique, esse mês vimos The Guest, sua obra mais recente, e o filme nos fascinou, prendeu e divertiu de uma forma bem diferente do anterior.The Guest é um suspense oitentista em seu cerne, algo que fica claro na composição visual de seus materiais promocionais, na escolha do clímax, bizarramente passado em um labirinto decorado por uma escola para o Dia das Bruxas, e no desenrolar de sua trama. O estranho David (Dan Stevens) invade a vida da família Peterson dizendo que costumava conhecer o filho deles, que morreu na guerra – David foi antes à casa dos Peterson do que a qualquer outro lugar, e aos poucos vai se insinuando na rotina doméstica da família, conquistando de uma forma ou de outra as simpatias da mãe, a sofrida Laura (Sheila Kelley); do pai, o trabalhador Spencer (Leland Orser) e do filho mais novo, o jovem e inseguro Luke (Brendan Meyer).

Stevens está em estado de graça como o protagonista. O astro lançado por Downton Abbey, que em breve fará o príncipe Adam em A Bela e a Fera, mostra que tem faro para papeis diferentes, que exijam uma ameaça velada e um controle sutil – seu David não é nunca impositivo ou aterrorizante de forma explícita, é apenas uma presença penetrante cujas graças sociais, o espectador sabe, brotam de motivos desconhecidos e nada inocentes. Com um temperamento explosivo que não foge de ser sangrento quando precisa, The Guest é menos caloroso e mordaz do que Você é o Próximo, um filme de invasão domiciliar travestido de comédia de humor negro, mas é igualmente bem construído para seus propósitos. Absurdo, com um gosto apurado para o trash e o charme do cinema dos anos 80, o filme de Wingard reverte expectativas de familiaridade e brinca com aspectos sombrios da jornada de amadurecimento padrão de Hollywood. É a obra de um cineasta em crescimento, mas funciona.

✰✰✰✰ (3,5/5)

musaranas

Musarañas (Espanha/França, 2014)
Direção: Juanfer Andrés, Estevan Roel
Roteiro: Juanfer Andrés, Sofía Cuenca
Elenco: Macarena Gómez, Nadia de Santiago, Hugo Silva
91 minutos

Um thriller hitchcockiano de relações familiares femininas distorcidas, com aquelas mesmas pontas afiadas de psicossexualidade do velho mestre do suspense, adicionado a uma dose saudável de voyeurismo violento à la Quentin Tarantino – essa é a receita para Musarañas, o terror espanhol que serve como estreia da dupla Janfer Andrés & Estevan Roel na direção. Diminuir o filme às suas referências, no entanto, não é fazê-lo justiça: ele é também uma visceral análise do medo e de seus efeitos sobre o ser humano, da exasperante e sufocante sensação de mudança que se abate em uma geração que sacrificou sua própria independência em virtude das dificuldades da vida entre Guerras e ditaduras, e que agora, assim como a protagonista Montse, não se vê estimulado a sair de casa para encarar um ambiente que não deve lhe acolher. A agorafobia da personagem é uma manifestação desse medo geracional, e Musarañas reflete, em seu cenário único, ambiente claustrofóbico e clímax cheio de revelações devastadoras, uma situação muito maior que si. O blefe dos diretores e da co-roteirista Sofía Cuenca funciona, seja pela intensa dramaticidade dos acontecimentos ou pela riqueza de significados imbuídos neles.

Na trama, Montse (Macarena Gómez) é a irmã mais velha que, após a morte tanto do pai quanto da mãe da família, criou praticamente sozinha a irmã caçula, que permanece sem nome durante o filme (Nadia de Santiago). Quando a mais nova começa a ter desejos que muito ultrapassam a capacidade de controle de Montse, as coisas começam a desmoronar na família – especialmente após o vizinho de prédio Carlos (Hugo Silva) despencar da escada direto na porta da casa, e passar a depender de Montse para sobreviver. Musarañas toma seu tempo para desenvolver a trama, mas a tensão é palpável, em grande parte por conta da vigia estrita da protagonista sobre os passos da irmã, especialmente quando dentro da casa, visto que Montse é tomada por fobia paralisante quando tenta passar da porta da frente. Em atuação intensa, Gómez vai retirando as camadas protetoras de Montse com habilidade, e o filme se revela, em seu ritmo, uma bem-estudada história de horror com o potencial de marcar a memória do espectador.

✰✰✰✰ (3,5/5)

Hello-My-Name-Is-Doris

Hello, My Name is Doris (EUA, 2015)
Direção: Michael Showalter
Roteiro: Laura Terruso, Michael Showalter
Elenco: Sally Field, Max Greenfield, Stephen Root, Tyne Daly, Wendi McLendon-Covey, Kumail Nanijani, Elizabeth Reaser, Natasha Lyonne, Jack Antonoff, Beth Behrs
95 minutos

Sally Field é uma lenda viva, e uma das melhores atrizes americanas na ativa atualmente. Vencedora de dois Oscar, Field merece lugar entre as Meryl Streep’s, Jane Fonda’s, Jessica Lange’s e Glenn Close’s, mas por algum motivo, nos últimos anos, raramente vemos Sally em tela. Nos últimos seis anos, ela esteve só em quatro projetos – os dois O Espetacular Homem-Aranha, o drama Lincoln, e esse excêntrico Hello, My Name is Doris. Não é surpresa, portanto, que Field abrace com vontade a oportunidade de retratar uma personagem tão rica, envolvida em uma história tão raramente contada no cinema, e que lhe permite passear entre comédia física e escrachada (na qual Field é surpreendentemente excelente), construção de personagem cheia de minúcias e detalhes visuais, e drama pungente. Ela “muda de marcha” com a rapidez e a habilidade de uma profissional veterana, mas é na sua vivaz encarnação da trama e da personagem que mora o charme de Hello, My Name is Doris, que sem ela seria uma boa ideia desperdiçada por um roteiro que comete alguns tropeços aqui e ali.

Não nos leve a mal: o roteiro de Michael Showalter (Wet Hot American Summer) ao lado de Laura Terruso, de quem Showalter emprestou a premissa de um curta-metragem, é bem-intencionado e tem momentos de brilhantismo em sua delicadeza e óbvia afeição pelos personagens; a direção de Showalter também não deixa a desejar, encontrando pequenos momentos em que o visual auxilia a comédia tanto quanto o diálogo; Tyne Daly está tão incrível como a melhor amiga da protagonista quanto era de se esperar para uma vencedora de 6 prêmios Emmys; mas na trama sobre uma solteirona que acaba de perder a mãe a quem dedicou toda sua vida, e que decide investir em um crush que cultiva pelo colega de trabalho mais novo (Max Greenfield, fugindo habilidosamente do seu tipo normalmente mais antipático), é Field quem dá as cartas. É por ela que nos apaixonamos, e é através dela que entendemos essa história sobre uma nada comum, mas tremendamente viva, história de luto, superação e descobrimento.

Por conta de Sally Field, Hello My Name is Doris é belíssimo. Não são muitas atrizes por aí que tem esse tipo de poder sobre o filme em que atuam.

✰✰✰✰ (4/5)

let me in

Deixe-me Entrar (Let Me In, Inglaterra/EUA, 2010)
Direção: Matt Reeves
Roteiro: Matt Reeves, John Ajvide Lindqvist
Elenco: Kodi Smit-McPhee, Chlë Grace Moretz, Richard Jenkins, Cara Buono, Elias Koteas, Richie Coster, Dylan Minnette
116 minutos

Em tempos de Stranger Things, Deixe-me Entrar, o remake americano do neo-clássico sueco de mesmo nome, está prontinho para ser redescoberto por uma audiência faminta por mais histórias de suspense focadas em protagonistas mais novos, que lidam com um ambiente oitentista e fazem referência à forma de contar histórias da época. O filme de Matt Reeves se passa na época de Reagan, quando o medo e o patriotismo andavam de mãos dadas, e os americanos só confiavam no que era familiar – ironicamente, o filme é também uma triste documentação de infâncias e juventudes negligenciadas justamente por aqueles que deveriam chamar de família. No enquadramento de Reeves e do diretor de fotografia Greig Fraser, o rosto da mãe de Owen (Kodi Smit-McPhee), sempre envolvida em brigas com o ex-marido e com um copo de vinho em mãos, praticamente não é visto, e não é por acaso. Os relacionamentos mais significativos e abertos de Owen são com a jovem Abby (Chloe Grace Moretz), uma estranha nova vizinha de prédio, e com os colegas de classe, especialmente o insistente bully feito por Dylan Minnette (Goosebumps). No filme de Reeves, essas crianças são o que são pelo que deixaram de receber, e não pelo que receberam, de seus pais – é um retrato deprimente e gelado, como os arredores do filme.

O filme pulsa também, no entanto, com uma ambiguidade de quebrar o coração, uma mistura do maligno com o fundamentalmente puro que não é nem um pouco estranha a quem passou pela infância e adolescência. “Eu lembro-me de minha infância vividamente. Eu sabia de coisas terríveis”, como disse o autor Maurice Sendak (Onde Vivem os Monstros) uma vez – essa aguda percepção infantil, esse olhar para o que há de mais amargo e mais assustador do mundo, transpira de Deixe-me Entrar, um filme espetacularmente bem escrito que nem sempre encontra o tom certo para funcionar por completo, mas que sem dúvida merece ser assistido. Mesmo que seja só pelas performances complementares e profundas de Smit-McPhee e Moretz, em sintonia perfeita entre si e com o filme ao seu redor, criando uma identificação e comunicação com o espectador que às vezes o próprio diretor Reeves esquece de estabelecer.

✰✰✰✰ (3,5/5)

28 de dez. de 2015

Diário de filmes do mês: Dezembro/2015


por Caio Coletti

Nem todos os filmes merecem (ou pedem) uma análise complexa como a que fazemos com alguns dos lançamentos mais “quentes” ou filmes que descobrimos e nos surpreendem positivamente. Particularmente, também, eu não me dou a escrever críticas grandes de filmes que considero ruins ou irrelevantes, porque não vejo sentido em remoer demais os erros de uma produção cinematográfica. É levando em consideração a função da crítica e da resenha como uma orientação do público em relação ao que vai ser visto em determinado filme que eu resolvi criar essa coluna, que visa falar brevemente dos filmes que não ganharam review completo no site. Vamos lá:

Mississippi Grind (EUA, 2015)
Direção e roteiro: Anna Boden, Ryan Fleck
Elenco: Ben Mendelsohn, Ryan Reynolds, Sienna Miller, Analeigh Tipton, Alfre Woodard
108 minutos

Mississippi Grind começa com a imagem de um arco-íris se formando no céu. A simbologia utilizada pela dupla de diretores/roteiristas composta por Anna Boden e Ryan Fleck (Half Nelson) não poderia ser mais clara: esse é um filme sobre duas pessoas correndo atrás do famoso pote de ouro no final do fenômeno multicolorido. Ben Mendelsohn, um dos melhores e mais surpreendentes quase-astros de Hollywood no momento (indicado ao Emmy por Bloodline), faz o fracassado Gerry, um corretor de imóveis viciado em apostas que encontra o mais jovem e mais charmoso Curtis (Ryan Reynolds), e o identifica como seu amuleto da sorte, o convencendo a partir em uma viagem pelo Sul dos EUA para recuperar o dinheiro que deve a meio mundo. O filme elaborado por Boden e Fleck não é um de arroubos estilísticos ou narrativos complexos, mas uma história honesta, contada de maneira inteligente pela dupla, que estrutura um roteiro econômico e expressivo ao mesmo tempo, com tempo para ao menos um belo e contemplativo interlúdio (o período que Gerry e Curtis passam com as prostitutas feitas por Sienna Miller e Analeigh Tipton), mas uma refrescante e objetiva abordagem da movimentada jornada que retrata em seus 108 minutos. Mississippi Grind é chamado de “um grande filme americano” na citação que aparece em todos os posters por aí, e tal distinção lhe é merecida pela forma como encara seus protagonistas e a tipicamente americana sede por mais – mais vitória, mais felicidade (seja ela baseada em que, quantificada em que), mais dinheiro. Não é uma perspectiva pessimista, e sem dúvida é dotada de alguma empatia, mas os coloca mais como vítimas de si mesmos do que qualquer coisa.

Reynolds e Mendelsohn encarnam essa dupla de personagens de maneira espetacular, é preciso dizer. O filme é deles, e em última instância merece ser visto porque eles incutem perspectivas novas e interessantes nessas personas desenhadas pelo roteiro. Reynolds brilha ainda mais como o carismático Curtis, um papel ao mesmo tempo feito para seus alcances como ator (ninguém faz um tagarela charmoso como ele) e muito mais complexo do que a maioria das coisas que Hollywood lhe permitiu fazer. O idealismo que transpira em alguns momentos do personagem, a liberdade que ele representa para seu co-protagonista, a ambivalência quase imediata desses mesmos valores – todas essas sutilezas moram na atuação tremendamente inteligente de Reynolds, especialmente levando-se em conta o gigante com o qual ele contracena. O australiano Mendelsohn é uma presença dominante sempre que está em tela, mas na pele de Gerry a integralidade com a qual ele encarna o personagem, o entende e o traduz para a câmera é ainda mais impressionante. Esperem muitos prêmios no futuro desse astro tardio.

Mississippi Grind termina relativizando aquela busca pelo pote de ouro no final do arco-íris. Com seus últimos minutos surpreendentes, tocantes e agridoces, o filme parece olhar para a mentalidade americana, a relação entre vitória e fracasso e as pressões sociais que levam a essas construções sob um viés arguto e detalhista, mas nunca político. O filme de Fleck e Boden é humano, acima de qualquer coisa – e talvez por isso funcione tão bem.

✰✰✰✰ (4/5)



Como Sobrevier a um Ataque Zumbi (Scouts Guide to the Zombie Apocalypse, EUA, 2015)
Direção: Christopher Landon
Roteiro: Carrie Lee Wilson, Emi Mochizuki, Christopher Landon
Elenco: Tye Sheridan, Logan Miller, Joey Morgan, Sarah Dumont, David Koechner, Halston Sage, Cloris Leachmann Blake Anderson
93 minutos

Qualquer tom de sátira passa longe de Como Sobreviver a um Ataque Zumbi, um herdeiro maldito do casamento entre o infinitamente melhor Zumbilândia e as comédias no estilo Se Beber Não Case. Toda tentativa de comédia (ou pelo menos uma imensa parte delas) é feita sem nenhuma piscadela para o ridículo da situação, seja com o insuportável personagem feito por Logan Miller tirando selfies com os mortos-vivos ou os conselhos amorosos absurdos passados pela bartender Denise (Sarah Dumont) para o inseguro protagonista Ben (Tye Sheridan). Se você realmente precisa saber, o filme conta a história de um trio de escoteiros mirins que, nem mais tão mirins assim, escolhem o dia errado para tentarem fugir de um acampamento e ir para um festa – quando eles retornam à cidade, ela foi tomada por uma praga zumbi, e boa parte da população foi evacuada. O pouco pathos e empatia que o filme consegue levantar na sua história é graças à relação dos três protagonistas, marcada pela morte do pai de um deles e pela ambivalência dos outros dois em “abandonar” tal amigo, muito mais devotado aos escoteiros do que qualquer um deles. As mensagens da importância da amizade e de ser você mesmo são sempre bem-vindas, mas vem misturadas com tantas piadas grosseiras vindas do excesso de hormônios dos protagonistas (e, presumivelmente, da plateia) que fica difícil fazer vista grossa.

De vez em quando, uma dessas piadas funciona – memoravelmente, uma envolvendo uma parte do corpo inusitada de um dos zumbis, e outra envolvendo a princesa do pop Britney Spears (!), mas não sou eu que te direi, caro leitor, se tais momentos de diversão valem pela experiência de assistir ao resto do filme. O que eu posso dizer é que o clímax em uma piscina esvaziada, envolvendo armas alternativas e os três escoteiros exterminando toda uma horda de zumbis, não poderia ser estragado nem por mil piadinhas de mau-gosto; e que, por outro lado, o filme desperdiça talentos como o jovem Tye Sheridan (Lugares Escuros) e a veterana Cloris Leachmann (Raising Hope) sem explorar seus potenciais dramático e cômico, respectivamente. Com o risco de usar o trocadilho mais óbvio de todos, o que falta para Como Sobreviver a um Ataque Zumbi é justamente a iguaria na qual os monstros que retrata se deliciam: cérebro. Dependendo do seu objetivo quando entrar na sessão, isso pode ser um pró ou um contra.

✰✰✰ (2,5/5)



Missão: Impossível – Nação Secreta (Mission:Impossible – Rogue Nation, EUA, 2015)
Direção e roteiro: Christopher McQuarrie
Elenco: Tom Cruise, Jeremy Renner, Simon Pegg, Rebecca Ferguson, Ving Rhames, Sean Harris, Tom Hollander, Alec Baldwin
131 minutos

Quando Nação Secreta estreou nos cinemas, em Agosto, muita gente o viu como uma continuação brilhante justamente por seguir com a tradição da série Missão: Impossível de não ter muita conexão entre os capítulos. Agora, bons 4 meses depois, talvez o filme não pareça mais tão convencional para a franquia em que está inserido – recentemente, foi anunciado que o sexto capítulo da série já está em produção, o que não é comum para uma franquia que até hoje foi bissexta; atrelados ao projeto também estão Christopher McQuarrie, que se tornará o primeiro diretor a retornar à série, e Rebecca Ferguson, a primeira protagonista feminina a ter essa mesma distinção; por fim, vale destacar que Nação Secreta é a primeira entrada da franquia a ter um diretor que também serve como roteirista (J.J. Abrams co-escreveu M:I III, mas McQuarrie é o único roteirista creditado aqui). Não parece, mas faz diferença, e o sentimento é cada vez mais que, finalmente gozando de boa reputação com a crítica e bilheterias confiavelmente espetaculares, a série Missão: Impossível está pronta para ter uma continuidade de verdade. Mas o que isso significa para Nação Secreta?

Para começar, significa dar um pouco de atenção aos personagens. McQuarrie, com quem Cruise trabalhou no terrível Jack Reacher, faz escolhas mais sábias aqui ao: 1) deixar Ethan Hunt como o herói mal-definido e desenhado que sempre foi, um Coringa quase super-poderoso, mas eventualmente humano, com quem podemos simpatizar sem nos envolvermos muito; 2) servir boas doses de desenvolvimento para os coadjuvantes, se aproveitando do talento de gente como Simon Pegg (voltando como Benji) e da própria Rebecca Ferguson (The White Queen) para construir o começo de uma identificação com o público. Talvez o senso de movimento de McQuarrie como diretor não seja tão espetacular quanto o dos comandantes anteriores da série, mas é interessante que M:I tenha escolhido trazer um cineasta que dá importância a história. Nação Secreta ainda é maravilhosamente divertido, com doses generosas de pulp e absurdo hollywoodiano, mas tenta fazer uma coisa diferente – resta saber onde esse esforço vai dar, em 2017.

✰✰✰✰ (4/5)



Slow West (Inglaterra/Nova Zelândia, 2015)
Direção e roteiro: John Maclean
Elenco: Kodi Smit-McPhee, Michael Fassbender, Ben Mendelsohn, Caren Pistorius, Rory McCann
84 minutos

“Mesmas estrelas, mesma Lua. Um dia nós estaremos andando por aquela Lua. Eles vão construir uma estrada de ferro, uma estrada de ferro que suba e desça até lá. Uma estrada de ferro para a Lua. E quando chegarmos lá, a primeira coisa que faremos é caçar e matar os nativos”. Slow West não é seu faroeste tradicional. Até entre os faroestes revisionistas, ele pode ser classificado como incomum. Feito por um diretor britânico, com um elenco todo europeu, e filmado em uma das ilhas da Nova Zelândia, ele jamais poderia ser qualquer coisa que não um filme de Velho Oeste diferente – mas Slow Swet, felizmente, escolhe se diferenciar não só pelas circunstâncias em que foi produzido, mas pela forma como conta sua história, e pelo olhar que lança para ela. No trechinho de diálogo transcrito nas primeiras linhas deste parágrafo mora o coração do longa-metragem de estreia do diretor/roteirista John Maclean, a forma como ele retrata o Velho Oeste americano com um aspecto lúdico que é deixado sempre à mão, digressões filosóficas constantes e o olhar arguto de quem sabe que conjugar amor, beleza, violência e morte não é tão difícil quanto parece. No mundo real, elas andam muitas vezes de mãos dadas, e em Slow West também.

A história acompanha Jay Cavendish (Kodi Smit-McPhee em atuação espetacularmente sensível), um jovem escocês que vai parar em uma viagem improvável pelo Oeste americano após sua amada, Rose (Caren Pistorius), fugir para lá com o pai (Rory McCann). Tentando encontrá-la, ele topa com o fora-da-lei Silas (Michael Fasbender), que aceita pagamento para conduzi-lo mais ao Oeste e ajudá-lo na missão. O roteiro é impiedoso com os males e perversões da época que retrata, e ao mesmo tempo salva uma parte de sua aridez e melancolia para o tom quase conto-de-fadas da narrativa e especialmente da fotografia, uma obra de arte assinada por Robbie Ryan (Philomena), trabalhando brilhantemente as cores e enquadramentos, criando imagens marcantes para acompanhar a narrativa paciente e envolvente do filme. Slow West é um conto cruel e belo, ao mesmo tempo, sobre a forma como o impulso de violência e o impulso de paixão convivem dentro do ser humano, e sobre a forma como a realidade se choca com todos esses elementos já em conflito dentro do indivíduo. É uma estreia promissora para o diretor/roteirista, e um filme que merece ser tirado da obscuridade.

✰✰✰✰ (4/5)



Victor Frankenstein (EUA, 2015)
Direção: Paul McGuigan
Roteiro: Max Landis
Elenco: Daniel Radcliffe, James McAvoy, Jessica Brown Findlay, Andrew Scott, Charles Dance, Mark Gatiss
110 minutos

Na dança hollywoodiana das “reimaginações” de histórias clássicas, 2015 ficou mesmo no 2x0. Sem contar Cinderela, que na verdade não reimaginou tanto assim, as outras duas tentativas de grandes estúdios e elencos estrelados de revisitar personagens e histórias marcantes para a cultura do século passado não passaram nem perto de entregar o que prometeram. Pan acabou sendo uma concepção equivocada desde o início, com escalações estranhíssimas (Rooney Mara como a princesa indígena Tiger Lilly?) e uma revisão entediante do espírito e do significado da história dos Meninos Perdidos. Victor Frankenstein, por sua vez, é quase tão mal-idealizado quanto, e ainda por cima não tem um diretor como Joe Wright para fazê-lo funcionar pelo menos no nível visual. O que o filme assinado por Paul McGuigan (Xeque-Mate) tem, no entanto, é uma dupla de protagonistas comprometida com seus personagens e com a fisicalidade e intensidade deles, além da química que vai se construindo entre os dois durante o filme. Em alguns momentos em meio aos 110 minutos de metragem, isso é o bastante. Em tantos outros, passa longe de ser.

O golpe de misericórdia para quem ainda espera gostar bastante do filme vem nos últimos minutos, quando finalmente somos introduzidos à experiência de reanimação de cadáver pela qual o Dr. Frankenstein (James McAvoy) ficou conhecido no livro original de Mary Shelley. Depois da exaustiva e supostamente sombria e complexa (embora não seja nenhuma dessas duas coisas) história de origem do doutor e do assistente Igor, repaginado sem a corcunda e com o rosto de Daniel Radcliffe, o filme reduz a criatura da lendária história de terror a um slash killer instantâneo, um problema para se lidar no clímax apressado, sujo e “intenso” que não é muito diferente de muitos outros blockbusters hollywoodianos. Esse monstro formidavelmente físico é a coroação de um filme que quer com todas as forças ser um dos Sherlock Holmes de Guy Ritchie, mas não tem o bom humor e a esperteza para tanto. Victor Frankenstein depende, portanto, inteiramente de seus protagonistas – e a intensidade de McAvoy, junto com a inteligência da performance física e magnética de Radcliffe, fazem sua parte. Se isso for o bastante para você, não custa dar ao filme uma chance. Se não for, você vai se decepcionar.

✰✰✰ (2,5/5)



O Último Caçador de Bruxas (The Last Witch Hunter, EUA/China/Canadá)
Direção: Brek Eisner
Roteiro: Cory Goodman, Matt Sazama, Burk Sharpless
Elenco: Vin Diesel, Rose Leslie, Elijah Wood, Michael Caine, Òlafur Darri Ólafson
106 minutos

Filmes de Hollywood sobre bruxas são, com raras exceções, um festival de equívocos e clichês. Se há um subgênero que perpetua estruturas e storylines problemáticas (misóginas e xenofóbicas, entre outras coisas), não dá para negar que é esse. Por quê O Último Caçador de Bruxas seria diferente, então? A esperança contida no trailer do novo veículo de ação/fantasia de Vin Diesel era que o trabalho do diretor Breck Eisner (Sahara) trouxesse leveza ao material e que o roteiro assinado por Cory Goodman (Padre), Matt Sazama (Dracula Untold) e Buck Sharpless (Deuses do Egito) fosse esperto o bastante para reconhecer e brincar com o lado ridículo e pulp da história de um guerreiro imortal que, com a ajuda de uma organização religiosa/mística representada pelos padres feitos Michael Caine e Elijah Wood (!!), caça um antigo nêmesis trazido de volta à vida por bruxas dissidentes que não concordam com o opressivo tratado de ocultação dos poderes firmado e segurado pela Igreja. No entanto, se O Último Caçador de Bruxas não é o blockbuster que mais ridiculamente se leva a sério desse ano (esse título provavelmente fica com Quarteto Fantástico), está bem perto de ser.

O mais lamentável é que Diesel está entre os melhores e mais interessantes astros de ação em Hollywood hoje em dia. Tanto nos filmes da franquia Riddick quanto em momentos peculiares da carreira como o drama de tribunal Sob Suspeita, o ator californiano mostrou que não se deve subestimar o poder do seu carisma na hora de construir personagens em torno dos quais uma história pode se desenvolver. Esse magnetismo é desperdiçado aqui, juntamente com os consideráveis talentos de Wood, Caine e da jovem Rose Leslie (a Ygritte de Game of Thrones), por um roteiro fino como uma folha de papel, que não resiste a nenhum escrutínio maior e cujas “reviravoltas de trama” conseguem a proeza de serem previsíveis e insustentáveis ao mesmo tempo. Por fim, Eisner é um técnico habilidoso, mas não injeta personalidade ao filme, nem torna O Último Caçador de Bruxas mesmo que palidamente divertido. Uma pena.

✰✰ (2/5)



Quero Ser John Malkovich (Being John Malkovich, EUA, 1999)
Direção: Spike Jonze
Roteiro: Charlie Kaufman
Elenco: John Cusack, Cameron Diaz, Catherine Keener, Mary Kay Place, Orson Bean, John Malkovich, Charlie Sheen
112 minutos

Dezesseis anos atrás, Quero Ser John Malkovich foi a introdução do público ao mundo bizarro e metafictício de Charlie Kaufman, um talento que mais tarde nos daria Adaptação (2002), Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004), Sinédoque Nova York (2008) e, esse ano, o premiado Anomalisa. Cada uma das muitas idiossincrasias e marcas da escrita de Kaufman estão presentes nessa fábula dirigida com esmero por Michel Gondry (Rebobine, Por Favor), do surrealismo persistente das premissas até a caracterização aguda de personagens e relacionamentos, passando pela absoluta disposição a levar às últimas consequências as implicações filosóficas, psicológicas e práticas da história. Em Quero Ser John Malkovich, o sistema narrativo é de satisfação imediata – em um ritmo tremendamente gracioso de narrativa, Kaufman nos leva da descoberta da  peculiar “porta para a mente” do astro hollywoodiano do título para a hilária cena em que o próprio Malkovich adentra sua mente sem enrolações. Para a maioria dos filmes, 112 minutos não seria uma metragem enxuta, mas John Malkovich tem tanta história para contar que seu ritmo parece ágil e elegante mesmo assim.

A discussão que Kaufman levanta aqui. na sua estreia, é em muitos sentidos a “irmã mais nova” das discussões levantadas em seus filmes posteriores. John Malkovich é um estudo cômico, tocante e cuidadoso dos entremeios do desejo humano, da forma como uma personalidade, uma noção, uma ideia pode nos enamorar da mesma forma que o corpo físico de alguém. No final das contas, é uma história de amor torta e estranha como só Kaufman poderia escrever, e tem a sensibilidade cortante de Gondry para ajudar na direção, realçando as piadas e a precisão de seus personagens com uma direção limpa, de estética meio suja e direta. No elenco, os destaques ficam por conta de Cameron Diaz, que se aproveita do disfarce da falta de maquiagem e do cabelo diferente para mostrar profundidades novas de sua capacidade como atriz; Catherine Keener, em uma interpretação esperta e afiada do interesse romântico comum entre marido e mulher (John Cusack e Diaz), uma personalidade magnética, carismática e patética ao mesmo tempo; e do próprio Malkovich, que equilibra senso de ridículo, naturalismo e pathos para interpretar a uma versão idealizada de si mesmo com a habilidade do grande chatacter actor que inspirou Kaufman a escrever esse pequeno clássico moderno.

✰✰✰✰ (4/5)



Um Senhor Estagiário (The Intern, EUA, 2015)
Direção e roteiro: Nancy Meyers
Elenco: Robert De Niro, Anne Hathaway, Rene Russo, Anders Holm, Jojo Kushner, Andrew Rannells, Adam DeVine, Zack Pearlman, Nat Wolff, Linda Lavin, Celia Weston
121 minutos

As duas horas de metragem de Um Senhor Estagiário, novo filme dirigido e escrito por Nancy Meyers (Simplesmente Complicado, Alguém Tem que Ceder) passam quase sem serem percebidas. O estilo “classe média-alta e seus problemas” de Meyers, que atraiu muitas críticas no passado, serve bem à leveza e à eficiência do filme, uma fábula feminista light que se ancora nas atuações de seus dois protagonistas para conseguir pathos para mais uma história madura e esperta da roteirista, que ao menos guarda para si o mérito de colocar nas telas uma geração mais velha a quem quase nunca são dados papeis complexos e interessantes para interpretar. De Niro parece respirar aliviado por estar em uma comédia que o utiliza para além de piadinhas com sua idade e com sua persona de machão – pelo contrário, Um Senhor Estagiário faz dele um cavalheiro, um homem discreto, mas dotado de emoção, empatia e personalidade pulsantes. O trabalho que o veterano ator faz é detalhista, sutil e tremendamente eficiente em vários sentidos, sendo observado de perto pela câmera paciente de Meyers, que tem um olho para superfícies brilhantes e o que os críticos americanos chamam de luxury porn, mas não deixa de lado os personagens.

Quem brilha mesmo em Um Senhor Estagiário, no entanto, é Anne Hathaway, no que provavelmente é sua melhor atuação desde o Oscar por Os Miseráveis. Aqui, ao encarnar a motivada fundadora de uma companhia de comércio online que ainda mantem um casamento aparentemente feliz e uma filha adorável, Hathaway brinca habilmente com a persona de “garota perfeitinha” que cultivou na mídia (e que já a trouxe muitas críticas injustas), agarrando a oportunidade que o roteiro de Meyers a dá para tornar real, palpável e humana essa figura da mulher moderna, competente e bem-afortunada. Um Senhor Estagiário, em grande parte, apesar de contar a história de um viúvo aposentado (De Niro) que, não aguentando estar em casa o tempo todo, se torna estagiário da empresa comandada por Hathaway, pertence a ela. E a personagem complexa e carismática que ela constrói é o que faz o filme de Meyers funcionar, quase à força, porque Um Senhor Estagiário, embora seja uma experiência agradável e bem-intencionada, deixa transparecer que Meyers está esgotando as possibilidades de histórias para contar na estreita faixa socioeconômica em que ela se permite transitar.

✰✰✰✰ (3,5/5)



A Travessia (The Walk, EUA, 2015)
Direção: Robert Zemeckis
Roteiro: Robert Zemeckis, Christopher Browne
Elenco: Joseph Gordon-Levitt, Charlotte Le Bon, Ben Kingsley, Clément Sibony, James Badge Dale
123 minutos

Na sua meia-hora final, A Travessia é uma obra-prima, um testamento absoluto e inegável do talento espetacular de Robert Zemeckis para transportar o espectador para o mundo de seus personagens e suas sensações, usando em iguais medidas a magia digital da Hollywood contemporânea e a preocupação “antiquada” com a expressão de sentimentos e significados para além da maravilha visual. Assim que Philippe Petit (Joseph Gordon-Levitt) dá o primeiro passo na corda bamba que ele e seus comparsas estenderam ilegalmente no topo das Torres Gêmeas, A Travessia é uma montanha-russa, um espetáculo do qual é impossível tirar os olhos. A vertigem e a ansiedade se misturam com a pura mágica que o feito físico e artístico de Petit carregaram, com a ressignificação de um cenário urbano e com a humanização visceral que ele trouxe, em 1974, às torres de concreto que vieram a significar tanto em tantos sentidos para o mundo contemporâneo.

Os que buscam um relato sem fantasias devem ir atrás de O Equilibrista, documentário de James Marsh que ganhou o Oscar na sua categoria em 2009. A Travessia é uma fábula sobre o elemento criminoso e subversivo da arte, uma história obviamente embelezada pelos óculos da nostalgia, e contaminada pela narração em primeira pessoa de Petit, interpretado com garra por Gordon-Levitt, que ultrapassa a barreira do teatral sotaque francês e empresta vida a essa representação idealizada de uma figura real – no fundo dos olhos de Levitt mora a vontade incansável de desafiar que levou Petit a seu feito extraordinário, a ambição e a auto-confiança para levá-lo a cabo. Levitt é carismático e charmoso no papel, sem dúvida admirável, mas também um pouco assustador – ele é a carta na manga de A Travessia, um filme falho na definição do seu tom e do crescendo da narrativa, mas que ganha o jogo no seu protagonista e no absoluto tour de force do seu formidável final. Como performance e entretenimento, vale os aplausos de pé que Petit arrancou dos nova-iorquinos quatro décadas atrás.

✰✰✰✰ (3,5/5)