3 de dez. de 2016

Review: Animais Fantásticos demora para se encontrar, mas é mágico quando consegue

beasts

por Caio Coletti

Às vezes, nós críticos nos perdemos tanto em análises e análises sobre como a saga Harry Potter marcou uma geração (e de fato é fascinante pensar e falar sobre isso) que esquecemos do fato de que J.K. Rowling é uma das melhores contadoras de histórias em atividade na literatura popular. É um caso clássico de se concentrar no impacto de uma obra ao invés de seu conteúdo ou sua técnica, mas assistir Animais Fantásticos e Onde Habitam é simultaneamente uma lembrança da absurda habilidade de Rowling em tecer histórias e um aviso de que ela também é capaz de falhar. Essa expansão/prelúdio da saga Harry Potter explora terrenos desconhecidos para a autora, e isso fica claro na primeira meia hora de filme, quando Rowling parece estar procurando pela história que quer contar.

O filme começa com Newt Scamander (Eddie Redmayne) chegando à Nova York dos anos 20 com uma maleta mágica cheia dos animais fantásticos do título, espécies que só existem no mundo bruxo. A tranca mais que frouxa da mala é o dispositivo de plot que Rowling usa para colocar em movimento uma trama que se conecta profundamente com o passado da saga, e também com seus temas. Quando finalmente se encontra, após fazer a introdução de personagens e situações, Animais Fantásticos é cheio daquela magia típica da escrita de Rowling, um prazer que mistura a intimidade com os personagens e a sensação de assistir enquanto todas as peças aparentemente desconectadas se juntam em uma exploração de tema e trama perfeita.

Animais Fantásticos tem questões sérias para discutir sobre opressão e as formas insuspeitas que ela muitas vezes toma, além dos nada belos resultados dela nos indivíduos. Rowling sabe que, ao viajar para o passado (muito mais do que viajar para o outro lado do Atlântico), uma adaptação social precisaria ser feita no mundo bruxo, e se aproveita da localização nos anos 20 para inverter a situação do preconceito que vimos na saga Harry Potter – aqui, a “caça aos bruxos” é muito mais literal que metafórica, e Rowling é mais uma vez esperta em sua construção de universo ao retratar a perseguição social que levaria ao preconceito no universo que conhecemos, de décadas mais tarde. É um círculo vicioso de ódio que a autora revela aqui, uma observação aguda da forma como a nossa sociedade funciona.

Ajuda que Rowling continue colocando os outsiders como seus campeões e heróis – o perpetuamente constrangido Scamander, interpretado com os maneirismos adoráveis usuais por Redmayne, é apenas um condutor para o público se conectar a personagens como a subestimada ex-Aurora Tina (Katherine Waterston), a excêntrica leitora de mentes Queenie (Alison Sudol), o caloroso e fracassado Kowalski (Dan Fogler), e até o terrivelmente reprimido Credence (Ezra Miller). Cada um desses atores traz um elemento diferente que contribuí para a forte miscelânea de estilos do filme, que só não parece mais vibrante porque o diretor David Yates, que comandou as quatro derradeiras aventuras de Harry Potter, insiste em um visual e mise-en-scene de poucas intervenções estilísticas.

Não significa, é claro, que o trabalho de figurino da sempre espetacular Colleen Atwood não brilhe, assim como o esforço da equipe de efeitos especiais ao criar criaturas críveis inseridas em visuais de encher os olhos. Animais Fantásticos é um caldeirão de criatividade conduzido por uma força unificadora (Yates) talvez centrada demais para seu próprio bem, mas funciona como filme, entretenimento e pedaço de narrativa pop assim que encontra seu rumo como história. A expectativa de outros quatro capítulos dessa nova saga é excitante especialmente para ver o que a mente de Rowling pode tramar tendo tirado as introduções e caracterizações do caminho.

Deixamos esse último parágrafo pra endereçar o “elefante na sala”, que atende pelo nome de Johnny Depp – o ator, recentemente acusado de violência doméstica pela agora ex-esposa Amber Heard, aparece por poucos minutos no final do filme (não se preocupe, não vamos “estragar” a surpresa aqui), mas deve ter papel maior nas continuações. E sim, a escalação dele diz algo sobre o quanto produtores, estúdios e até criadores que amamos em Hollywood realmente se importam com questões sociais, mas a verdade é que histórias transcendem aqueles que as contam. Animais Fantásticos é sobre a unidade superando o medo, mesmo em um mundo mais adulto e cruel do que o de Harry Potter, e o tempo vai transformar Johnny Depp, assim como transformou a cruel vilã Mary Lou (Samantha Morton), em uma nota de rodapé nessa história.

✰✰✰✰ (4/5)

FANTASTIC BEASTS AND WHERE TO FIND THEM

Animais Fantásticos e Onde Habitam (Fantastic Beasts and Where to Find Them, Inglaterra/EUA, 2016)
Direção: David Yates
Roteiro: J.K. Rowling
Elenco: Eddie Redmayne, Katherine Waterston, Alison Sudol, Dan Fogler, Colin Farrell, Ezra Miller, Samantha Morton, Carmen Ejogo, Jon Voight, Johnny Depp
133 minutos

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