28 de ago. de 2016

Diário de filmes do mês: Agosto/2016

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por Caio Coletti

Nem todos os filmes merecem (ou pedem) uma análise complexa como a que fazemos com alguns dos lançamentos mais “quentes” ou filmes que descobrimos e nos surpreendem positivamente. É levando em consideração a função da crítica e da resenha como uma orientação do público em relação ao que vai ser visto em determinado filme que eu resolvi criar essa coluna, que visa falar brevemente dos filmes que não ganharam review completo no site. Vamos lá:

resolution

Resolution (EUA, 2012)
Direção: Justin Benson, Aaron Moorhead
Roteiro: Justin Benson
Elenco: Peter Cilella, Vinny Curran, Emily Montague, Bill Oberst Jr.
93 minutos

Resolution é aquele raro filme que pretende funcionar em três níveis diferentes, e consegue. Primariamente observado, o filme de estreia de Justin Benson e Aaron Moorhead é um bom suspense independente com um mistério envolvente e alguns momentos genuinamente assustadores, ou no mínimo desconfortáveis. O espectador um pouco atento, no entanto, vai notar que a jornada dos personagens aqui é tão importante quanto o mistério, e as atuações naturalistas dos protagonistas Peter Cilella e Vinny Curran não deixam a peteca cair nesse aspecto – como história de um homem que tenta ajudar um amigo a sair de seu vício em drogas por algum senso deturpado de justiça ou senso de controle, Resolution é um poderoso drama de personagens com uma jornada emocional bem construída e considerações importantes sobre autonomia, amizade e os motivos egoístas dos quais nos escondemos quando sentimos o impulso de “ajudar” o outro. Na sua terceira e talvez mais fundamental camada, no entanto, Resolution é uma sátira esperta e uma consideração profunda, ao mesmo tempo, do próprio ato de contar histórias.

Benson e Moorhead deixam isso transparecer até na forma como filmam seu longa, utilizando truques de câmera como indicações de momentos fundamentais da trama, desenhando com seus protagonistas um arco fascinante que pondera o poder de nossas escolhas sob o nosso destino, e o papel do acaso, do vício e do senso de responsabilidade nessas escolhas. Cheio de recursos e ao mesmo tempo desprovido de pompa, Resolution é intensamente inteligente, atacando o espectador intelectualmente muito mais do que sensorialmente. Esse cinema cerebral de Benson e Moorhead deixa espaço para os sentimentos dos personagens vazarem pelos cantos, e anseia por uma conexão que seja ao mesmo tempo conceitual e emocional com seu público – como qualquer boa história, Resolution fica com quem o assiste por um bom tempo.

✰✰✰✰ (4/5)

the house of the devil

A Casa do Diabo (The House of the Devil, EUA, 2009)
Direção e roteiro: Ti West
Elenco: Jocelin Donahue, Tom Noonan, Mary Woronov, Greta Gerwig, AJ Bowen, Dee Wallace
95 minutos

De muitas formas, A Casa do Diabo é o completo oposto do nosso filme anterior nesse diário, Resolution. Isso porque, no espectro oposto ao filme de Benson e Moorhead, essa obra de Ti West tem muitos deleites visuais para serem absorvidos pelo espectador, mas lhe falta um pouco de riqueza narrativa. A Casa do Diabo se preocupa antes em ser um filme de terror, e uma homenagem meticulosa aos anos 80, do que em contar uma história que signifique qualquer coisa demais, e é claro que ao filme é reservado esse direito. Como exercício de estilo e demonstração da combinação certeira de direção, fotografia, trilha-sonora, atuações e design de produção, A Casa do Diabo é um filme que precisa ser visto. Seu visual saturado desde o começo, os movimentos de câmera (constantes zoom rápidos, como há muito já não é usado no cinema de terror), o clima de paranoia satanista, até a estrutura simples da trama – tudo aqui é um enorme tributo à época que ele representa, e de certa forma Ti West faz essa referência a outros tempos do cinema de terror para acordar no horror moderno um senso de antecipação, de excelência técnica e de paciência construtiva que não existe mais na grande Hollywood.

É um esforço válido, que passa pela performance tour de force de Jocelin Donahue como Samantha, uma universitária que aceita o trabalho de cuidar por uma noite de uma velha senhora na casa de uma estranha família. A trama vem pronta com uma melhor amiga que tenta avisar a protagonista dos perigos de aceitar o trabalho (feita por Greta Gerwig!); um excêntrico e suspeitíssimo, mas ainda desconcertantemente educado, patriarca da família (Tom Noonan, excelente como sempre); e uma gélida matriarca, interpretada por Mary Woronov. Com um clímax aterrorizante e envolvente que chega sem muito aviso e um final chocante para combinar, West faz a festa com uma fotografia magistral de Eliot Rockett e uma capacidade de criar tensão que certamente o coloca como um dos melhores artesãos do gênero a surgir nos últimos anos.

✰✰✰✰ (3,5/5)

warcraft

Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos (Warcraft, EUA/China/Canadá/Japão, 2016)
Direção: Duncan Jones
Roteiro: Charles Leavitt, Duncan Jones
Elenco: Travis Fimmel, Paula Patton, Ben Foster, Dominic Cooper, Toby Kebbell, Clancy Brown, Daniel Wu, Ruth Negga
123 minutos

Warcraft: O Primeiro Encontro Entre Dois Mundos é moderadamente passável como entretenimento porque em nenhum momento o diretor Duncan Jones permite que o filme se leve a sério demais. Também co-escritor do roteiro, Jones explora um mundo de magos, magias coloridas, orcs, “orquisas” e reis com o senso de humor certo e uma concepção visual bacana que remete aos tempos dos anos 80 e 90 em que os filmes de fantasia não tinham a pretensão de ser O Senhor dos Anéis. O problema é que, em algum lugar ali no meio do caminho, a Universal decidiu que queria um O Senhor dos Anéis. Seja em seu final forçado ou na atuação de seu protagonista, o terrível Travis Fimmel, Warcraft em algum momento perde a mão de seu próprio senso de ridículo e se torna uma produção estupidamente cara que nunca se deu ao trabalho de justificar todos os dólares investidos nela. Jones tinha um plano sólido para o visual e o clima de seu primeiro blockbuster, mas plano nenhum para sua narrativa – e há uma diferença enorme entre não se levar a sério e insultar a inteligência do espectador.

É fácil engolir uma performance exagerada como a de Ben Foster como o feiticeiro Medivh; difícil é passar por cima da trama apressada espremida em 123 minutos, das três terríveis atuações principais (Fimmel, Paula Patton e Toby Kebbell), que não parecem se divertir nem metade do que deveriam, de uma narrativa que não decide se quer satirizar ou fielmente seguir os clichês de filme de fantasia mais baratos que você encontrar por aí, e do desperdício monumental de um esperto trabalho de efeitos especiais nessa bagunça de filme. Por duas horas, é possível que Warcraft te deixe entretido, mesmo com alguns pedaços sonolentos e a vontade zero que o filme mostra de subverter as manias mais problemáticas de sua origem no mundo dos RPGs – o que ele não vai te deixar é satisfeito. Muito como Jurassic World, do ano passado, Warcraft quer tirar sarro do livro de regras de Hollywood sem quebrar umazinha sequer.

✰✰✰ (2,5/5)

spring

Primavera (Spring, EUA, 2014)
Direção: Justin Benson, Aaron Moorhead
Roteiro: Justin Benson
Elenco: Lou Taylor Pucci, Nadia HIlker, Francesco Carnelutti, Jeremy Gardner, Holly Hawkins
109 minutos

Como Resolution, o filme da dupla Benson e Moorhead do qual falamos lá no começo do diário, Primavera é uma peculiar abordagem do cinema de horror, um filme cheio de camadas e misturas (“um híbrido de Richard Linklater e H.P. Lovecraft”, como definiu o crítico do RogerEbert.com)… e uma história surpreendentemente tocante. Assim como Resolution, Primavera esconde uma história muito humana por baixo de seus efeitos de maquiagem impressionantes, sua fotografia refinada e certeira (mas nunca pedantemente bela), e especialmente dos elementos absurdos de sua trama, que pendem para a ficção científica tanto quanto para o horror. Na superfície, vemos o jovem Evan (Lou Taylor Pucci, excelente), que acaba de perder a mãe e viaja para a Itália a procura de algo que nem ele sabe definir – lá, ele encontra trabalho em uma fazenda e uma namorada, Louise (Nadia Hilker, que também tem algo de especial), uma insinuante mulher que esconde um segredo antigo e selvagem. Sem entregar mais nada, Primavera aos poucos introduz seus elementos sobrenaturais, mas nunca deixa o filme descender em um pesadelo de revelações apressadas ou em um clímax de sustos e violência.

Ao contrário do que poderia se esperar do gênero, Primavera é como um lento e idílico, mas levemente desajustado, sonho de troca de estações. O momento que Evan passa em sua vida é tão importante quanto a natureza daquele segredo guardado por Louise, e no final o filme se revela a história de dois personagens tentando se reconciliar com a beleza trágica da vida, e especialmente com sua inerente finitude. Primavera poderia ser deprimente, mas escolhe conscientemente não ser – ao contrário, é uma celebração daqueles que não tem a eternidade para viver, uma viagem iluminada por possibilidades incríveis, contos fantasiosos e personagens lidando com dilemas muito reais. Essencialmente, é uma ficção científica e tanto, e ao mesmo tempo não se deixa limitar pelo rótulo. É um filme que precisa ser visto.

✰✰✰✰✰(4,5/5)

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