23 de nov. de 2017

Review: Liga da Justiça erra quando foge do grande filme que poderia ser

justice

por Caio Coletti

Quando Batman vs Superman foi lançado, no ano passado, logo no título do meu review escrevi que o filme “só errava quando não estava totalmente comprometido com sua proposta”. Havia um cinismo na visão dos roteiristas Chris Terrio e David S. Goyer, e na iconoclastia de Zack Snyder, que me encantava – o retrato desses heróis como deuses caídos à Terra, incapazes de proteger o mundo sem destruí-lo, em muitos sentidos perpetuamente aprendendo a mexer em uma “caixinha de brinquedos” perigosa na forma de seus superpoderes, me fazia mais conectado do que nunca a essas figuras em tela. Eles eram míticos no sentido mais puro da palavra, maiores que a vida, mas ao mesmo tempo tão absolutamente familiares a ela.

Por todo o seu alarde de mudança, o que Mulher-Maravilha fez foi pegar esse conceito inovador e muito habilidosamente aplicá-lo de forma mais equilibrada e mais sutil, erguendo um novo mito em torno de Diana Prince e seus ideais mais positivos, embora não menos ambíguos, de heroísmo. Se tivesse aprendido as lições desses dois antecessores, Liga da Justiça poderia ser um grande filme – ao direcionar a visão única de Snyder e Terrio, que retornariam para dirigir e escrever o filme, respectivamente, para uma narrativa que crescia em uma direção mais esperançosa, uma “saída do inferno” que se completaria no fim do filme, os maiores heróis da mitologia dos quadrinhos poderiam fazer jus a esse título também no cinema.

Como costuma acontecer nessas histórias, no entanto, havia uma Warner Bros no caminho do Liga da Justiça que poderia ser sutil o bastante para consertar os erros de Batman vs Superman. A gigante corporativa aproveitou-se da saída de Zack Snyder da produção durante o processo de refilmagens, devido à problemas familiares, para chamar Joss Whedon (Os Vingadores), um diretor e roteirista eficiente quando tem espaço para realizar sua visão, a fim de tornar o filme “mais leve”, nos moldes do seu análogo da Marvel. O problema é que Liga da Justiça, da forma como foi lançado, com suas rasteiras 2 horas de duração, não é o filme de nenhum desses dois cineastas – de fato, é aquele raro produto cinematográfico que, preso entre múltiplas identidades, não consegue alcançar nenhuma.

Em meio à continuada e inteligente reflexão do roteirista Terrio sobre heroísmo e a oposição entre cinismo e esperança que existe no coração dele, as piadas quase “improvisadas” de Whedon não só são inclusões por vezes constrangedoras como são entregues com compreensível inabilidade por atores que passam o restante do tempo construindo personagens conflitantes com elas. Isso é verdade especialmente do Batman de Ben Affleck, no que poderia muito bem ser a pior atuação de sua carreira (se ela não incluísse Contato de Risco, é claro). O Bruce Wayne estoico e calejado que o ator construiu no filme anterior some embaixo de um arco forçado do qual Affleck apenas muito eventualmente consegue extrair qualquer sentido ou substância.

Ezra Miller, Gal Gadot e Jason Momoa encontram formas mais equilibradas de construir seus heróis, em especial os dois rapazes, destaques óbvios do filme, já que à ela é relegado, no pior estilo Whedon, o papel da mulher responsável que reclama das irreverências dos seus colegas de equipe (uma versão piorada da Viúva Negra fetichizada de Whedon em ambos os filmes dos Vingadores). Poucos meses depois de Patty Jenkins lançar o espetacular Mulher-Maravilha, é desencorajador ver um filme que dá tantos passos atrás na representação de mulheres fortes, autônomas e guerreiras, mas que não cabem em estereótipos, nos blockbusters – e essa culpa deve ser dividida entre Snyder e Whedon, diga-se de passagem.

Também é desencorajador perceber que algumas das virtudes técnicas óbvias de Batman vs Superman foram abandonadas após a recepção fraca do filme. A troca de Larry Fong por Fabian Wagner na fotografia, por exemplo, significa que os efeitos especiais não são explorados por sua plasticidade, e sim de uma maneira mais “pedestre”. O estilo de Wagner funciona bem para a tela pequena e para a elaboração realista das batalhas de Game of Thrones, mas não se encaixa no mundo de deuses superpoderosos da DC. O mesmo vale para a troca de Junkie XL & Hans Zimmer por Danny Elfman na trilha sonora – como um todo, Liga da Justiça parece fugir do desafio de ser um filme de gênero orgulhoso como seu predecessor, porque acha que isso significa ódio crítico e do público.

No entanto, pelas frestas dessa fuga sufocante de si mesmo, Liga da Justiça mostra flashes de brilhantismo. Seu arco narrativo fundamental, que viaja do exaspero à esperança, pode parecer apressado e atribulado, mas ainda está lá, e a reminiscência da mensagem original do Superman e de seus companheiros de equipe, nos quadrinhos, é maior do que em qualquer outro filme da DC até aqui. Terrio encontra na junção da humanidade desses super-heróis uma forma de conduzir o mundo sombrio criado por ele no filme anterior a um tipo ambíguo, complicado e belo de luz. O filme desenha a história de cada um dos membros da equipe como definida por perdas metafóricas e literais, e busca entender como essas perdas os propelem adiante no combate a um mal tão mesquinho como o de Lobo da Estepe.

Liga da Justiça ainda é um bom filme, apesar de si mesmo. É triste, no entanto, imaginar o grande filme de heróis que está escondido dentro dele, e que provavelmente nunca veremos sair.

✰✰✰✰ (4/5)

justice

Liga da Justiça (Justice League, EUA/Inglaterra/Canadá, 2017)
Direção: Zack Snyder
Roteiro: Chris Terrio, Joss Whedon
Elenco: Ben Affleck, Henry Cavill, Amy Adams, Gal Gadot, Ezra Miller, Jason Momoa, Ray Fisher, Jeremy Irons, Diane Lane, Connie Nielsen, J.K. Simmons, Ciarán Hinds, Amber Heard, Joe Morton
120 minutos

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