3 de jul. de 2011

127 Horas (127 Hours, 2010)

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127 Horas tinha tudo para se tornar uma experiência burocrática. Não vou dizer que seria absolvida de todo o impacto que tem, uma vez que o mesmo é garantido pela própria história real de Aron Ralston, o alpinista que passou o tempo do título com o braço preso entre a parede de um cânion e uma rocha massiva e acabou tomando a medida mais desesperada para se salvar. Mas é fato que, na mão de um Ron Howard ou mesmo de um Steven Spielberg, diretores muito bons, mas que tendem a acomodação das fórmulas fáceis, 127 Horas seria um filme previsível de se assistir. Claustrofobia, comoção e sequencias espetaculares estariam no cardápio, como estão aqui, mas seriam servidos sem a energia de quem aceita um desafio. E isso seria o maior dos desfavores a uma trama que tem algo a dizer, muito envolvimento a entregar e ainda nos põe em contato, uma vez mais, com os limites do instinto de sobrevivência humano.

Sem menosprezar o nótável talento dos diretores citados, há um encaixe na forma como essa história é conduzida pelo roteiro, retratada pela fotografia e emoldurada pela trilha-sonora que faz de cada minuto, ao mesmo tempo, uma experiência visceral no sentido de emoção da trama e um exercício de criatividade conduzido minuciosamente pela batuta inglesa de Danny Boyle. Ao lado de Simon Beaufoy, dupla formada no multi-premiado Quem Quer Ser um Milionário?, o diretor inglês adapta as memórias em livro do próprio Ralston para um filme que não decepciona no que promete (uma lição de sobrevivência e um exercício de exploração do personagem) e ainda deixa no ar, em pinceladas suaves assistidas imensamente pela brilhante fotografia de Enrique Chediak e Anthony Dod Mantle (ambos com experiências na série Extermínio), a oposição entre a vida sem parada que levamos todos os dias e a situação extrema, mas estagnada, de Aron.

O último elemento, não menos importante, a se encaixar nesse mecanismo interno que faz de 127 Horas merecedor do barulho que causou é A.R. Rahman. Boyle o trouxe a reboque direto de Quem Quer Ser um Milionário?, e o indiano prova sua versatilidade aqui. Dotado de surpreendente passe-livre pela cultura pop, ele pincela Edith Piaf, Chopin, Sigur Rós e ainda chama a cantora Dido Armstrong para a belamente melódica “If I Rise”, uma das composições originais que dão ao filme de Boyle o movimento, a modernidade e a pulsação que a história poderia ter deixado faltar. Claro, o segundo provedor dessa mesma pulsação é James Franco, em uma performance muito inteligente que não se agiganta diante da tela ou do espectador. O ator prefere, habilmente, trabalhar uma performance versátil, que passa por uma gama grande de emoções sem carregar nas tintas que a própria trama garante serem bem marcantes. É um trabalho muito complementar ao filme em que se insere, e demonstra a notavel evolução que Franco passou desde que o vimos como Harry Osborne na franquia Homem-Aranha.

Os coadjuvantes não tem muito a fazer diante de tudo isso, mas vale o destaque para Clémence Poesy, a Fleur Delacour de Harry Pottter e o Cálice de Fogo, entregando mais uma performance muito sensível na pele de Rana, a ex-namorada que assombra os delírios de Ralston. No fim das contas, 127 Horas não é o grande filme do ano passado (como a própria Academia reconheceu, não o concedendo nenhuma das seis estatuetas a que concorria), mas é uma viagem intensa e comovente sem em nenhum momento deixar de ser criativa e pulsante. E que assim seja.

Nota: 7,5

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127 Horas (127 Hours, EUA/Inglaterra, 2010)

Uma produção da Cloud Eight Films, Decibel Films, Darlow Smithson Productions…

Dirigido por Danny Boyle…

Escrito por Danny Boyle, Simon Beaufoy, baseados no livro de Aron Ralston…

Estrelando James Franco, Kate Mara, Amber Tamblyn, Clemente Poesy…

94 minutos

4 comentários:

Fabio Christofoli disse...

Eu tenho o filme no meu PC, baixei ontem. Resolvi ler a crítica e fiquei com mais vontade de ver... Eu adoro histórias reais, mesmo que duvide um pouco da veracidade integral (há mta fantasia e romantismo em algumas). No entanto, é a essencia que nos prende. E a essência deste, parece ser sedutora.

Vou ver, volto pra dizer o que achei.

Fabio Christofoli disse...

Bom, vi o filme.
Numa análise fria, um espectador comum pode considerar o filme chato. Em grande parte ele cansa mesmo... Na verdade, ele essência do filme, a história, vc precisa abrir a mente, entrar no drama. Não o drama do cara q está preso numa pedra, em um lugar desabitado. Não. O maior drama da história é e um cara que ignorou as pessoas que o amavam, que precisou de outro drama pra reavaliar sua vida. É uma história de luta, de um homem que quer viver pra reparar seus erros. Pra atender os telefonemas da mãe, para achar a mulher dos seus sonhos, pra ter um filho. Essa força de vontade é tão vibrante que justifica sua as atitudes extremas. Realmente não é o melhor filme do ano passado, mas é digno de merecer atenção e reconhecimento. Foi incrível a forma com que eles desenvolveram uma história incrível, mas difícil de ser contada.

Anônimo disse...

Exatamente como o Fábio aí em cima: tinha o filme aqui comigo e sua crítica me animou a vê-lo logo. Tinha a impressão de que seria algo como um "Into the Wild" mais apertado e sem o intermédio da irmã como narradora. Mas você mostrou que o diretor foi bem sucedido em juntar uma obra que tinha muito risco de desandar.

Isso que é boa crítica. Mais anima que desilude :)

Dia 10 disse...

Ainda não assisti, só vi o trailler e este já me deixou com muita aflição.