3 de nov. de 2010

Um Olhar do Paraíso (The Lovely Bones, 2009)

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Para um tema que é tão dominante no imaginário humano, a questão “o que há depois dessa vida?” foi explorada poucas vezes, como centro de trama, pelo cinema. Dá para citar o melodrama de fantasia  Amor Além da Vida, que aproveitava a história de um homem (Robin Williams) no Paraíso em busca de sua mulher suicida (Annabella Sciorra) no Inferno para desfilar paisagens que iam do expressionismo ao barroco, tudo belamente capturado pela câmera do bissexto neo-zelandês Vincent Ward. Numa dessas coincidências felizes do cinema, é outro neo-zelandês, bem mais célebre e bem menos inconstante no sucesso comercial, que comanda Um Olhar do Paraíso, adaptação problemática do best-seller de Alice Sebold. Originalmente intitulado, a exemplo do livro, como Uma Vida Interrompida, o filme chega as prateleiras de locadora depois de atribulados quatro anos de produção para mostrar a visão paradisíaca de Peter Jackson, o homem por trás de O Senhor dos Anéis e King Kong, e para contar uma história verdadeiramente (e previsivelmente) comovente.

Mas nem tudo são flores, ironicamente, em Um Olhar do Paraíso. Escrito a seis mãos por Jackson, Fran Walsh e Philippa Boyens, o trio que fez da adaptação de Tolkien e da nova versão do gorila gigante épicos com alma, é interessante observar como o estilo naturalmente realista que os três tendem a dar ao roteiro se ajusta a trama de Sebold. Aqui, nada de hobbits, monstros ou terras fantásticas, apenas a década de 1970 colorida e vibrante de Jackson, onde acompanhamos Susie Salmon (Saoirse Ronan) adorável garota por volta de seus 14 anos, com as habituais relações conflituosas com a família e a paixonite aguda por um garoto mais velho, Ray (Reece Ritchie). Isso até o vizinho esquisitão George Harvey (Stanley Tucci) revelar-se um assassino. O roteiro aborda o momento da morte de Susie com delicadeza, ainda que não se prive de momentos macabros, dando a chance para Tucci compôr um psicopata odioso, ardiloso e bizarro, em atuação centrada merecidamente indicada ao Oscar de coadjuvante.

Vão-se meia hora de filme quando temos o primeiro contato com o local “entre os mundos” onde Susie vai parar após sua morte, e até então o que o roteiro nos oferece é uma eficiente dramédia doméstica, tornando os Salmon, todos, em personagens adoráveis e fascinantes. Talvez seja essa preparação que segure o restante na narrativa, onde Susie observa de um lugar surreal (Jackson retira algumas das mais belas imagens cinematográficas em algum tempo desse “quase-paraíso”, auxiliado por efeitos tão estonteantes quanto os da saga de Tolkien) a sua família recompor-se após sua morte. São reações diversas, as que o acontecimento desperta, e é interessante observar os conflitos que surgem a partir delas. O roteiro encontra uma forma de gerenciar bem essas doces ligações e contradições, contornando momentos de criatividade visual que em certo ponto se tornam notavelmente cansativos e nos apresentando um estudo de personagem revelador e tenso, levado por um elenco afinado.

A começar pela própria Saoirse Ronan, ponto de apoio em todo filme. Aqui, ela tem a chance de se mostrar para o público-maior como uma personagem adorável, talvez o oposto da protagonista do brilhante Desejo e Reparação, e oferece uma interpretação concentrada e sensível, o tempo todo convincente, que leva o filme nas costas sem nenhum problema. Do “outro lado”, em muitos sentidos, Mark Wahlberg arquiva uma atuação de boas intenções e execução, mas que nem sempre convence. Em menor participação, Rachel Weisz mostra uma presença a um tempo frágil e forte, que equilibra-se em feminilidade e emoção com habilidade de uma grande atriz. Susan Sarandon completa a família como o alívio cômico do filme em uma de suas seqüências mais inspiradas, e mostra que a presença de atriz veterana não pode ser subestimada. E, por fim, Jackson rege essa trupe com trabalho de câmera fantástico, auxiliado por um fotografia luminosa e compondo um mundo vibrante, de cores fortes e primárias.

Seu paraíso pode não ser uma história que fique com o espectador por muito tempo, mas Jackson contrói um filme que vale a pena ser visto, no sentido que oferece intensa experiência visual e emocional, ainda que por momentos irremediavelmente fugazes. Mas, é a vida. Um dia, nossos créditos também hão de subir.

Nota: 7,0

THE LOVELY BONES THE LOVELY BONES

Um Olhar do Paraíso (The Lovely Bones, EUA/Inglaterra/Nova-Zelândia, 2009)

Uma produção da DreamWorks/Film4…

Dirigido por Peter Jackson…

Escrito por Fran Walsh, Philippa Lloyd, Peter Jackson…

Estrelando Saoirse Ronan, Mark Wahlberg, Stanley Tucci, Rachel Weisz, Susan Sarandon, Michael Imperioli, Rose McIver…

136 minutos

2 comentários:

Marcelo A. disse...

Eu gosto tanto, mas gosto tanto da Saoirse que encarei uma sessão de cinema sozinho pra conferir o seu desempenho nesse filme. E você falou tudo! Em "Desejo e Reparação" eu quis matá-la, em "Um Olhar do Paraíso", como quis avisá-la para manter-se distante da personagem do Tucci... Resumindo: pra mim, é uma das mais promissoras atrizes de sua geração. Podicrê, ainda escutaremos muito o nome dessa garota...

=)

Anônimo disse...

Olha Caio, eu sempre tive vontade de ver esse filme, mas sempre deixo ele pra depois na locadora por ser um filme de drama, que é uma categoria que não curto muito :/ Mas depois de ler sua crítica, vou alugá-lo em breve, até pq admiro muito o trabalho do Mark Wahlberg desde que ele fez "Planeta dos Macacos". Enfim, a narrativa é ótima apesar de visto o trailer e ter achado que o filme deveu ao livro em muitos aspectos...

Um bjo meu querido, seu blog está cada vez melhor!