16 de jun. de 2016

Review: Infinitamente imaginativo, Midnight Special é um trabalho de pleno domínio cinematográfico

midnight

por Caio Coletti

A época que estamos vivendo para a ficção científica só é comparável à época que estamos vivendo para o cinema de terror. Um resgate de técnicas e elementos clássicos que, mesmo nesse processo, ainda traz uma quantidade considerável de modernidade e ar fresco ao gênero, o novo cinema de sci-fi é obra de cineastas independentes e jovens, que renovam os rankings de Hollywood com seus sucessos inesperados e logo ganham atenção dos grandes estúdios. Jeff Nichols, embora esteja só agora investindo na ficção científica, se mostrou rapidamente um desses novos talentos – no tenso O Abrigo, no thriller criminal Amor Bandido, e agora na sci-fi Midnight Special (no Brasil, Destino Especial). Nichols é um daqueles cineastas que fazem um filme respirar sem precisar de grandes acrobacias narrativas e técnicas. Não muito diferente do que faz Spielberg, Nichols frequentemente se apropria de uma história de gênero e a coloca em filme de forma única, trabalhando temas, pesando e equilibrando revelações e mistérios com maestria.

Midnight Special é uma ficção científica no sentido mais colateral da palavra, no entanto. Sua história é sobre um garoto com habilidades especiais (não como um super-herói, como uma singularidade genética ou algo assim) cujo pai, feito por Michael Shannon, o “sequestrou” de um culto localizado em um rancho, onde o garoto viveu durante a vida toda, sendo seguido e adorado por centenas de pessoas. O pai e o menino precisam estar em determinado local, em determinado dia e horário, e tem ajuda tanto da mãe (Kirsten Dunst) quanto de um amigo que foi “convertido” pelo garoto (Joel Edgerton). O jovem Jaeden Lieberher rouba a cena de todos os atores adultos na pele do pequeno Alton, extraordinariamente contido e comprometido com o peculiar clima e proposta de Midnight Special, que é menos uma exploração das possibilidades abertas pela existência de algo fora da nossa realidade (como é a definição clássica da ficção científica), e mais uma meditação sobre a capacidade humana de acreditar.

O roteiro de Nichols contempla mais possibilidades de crenças do que a crença religiosa, no entanto. Aliás, se Midnight Special toma alguma posição quanto à religião organizada, não é uma posição muito favorável – seu olhar sobre o líder e os membros do tal “rancho” onde o menino esteve durante a infância é um que condena seus métodos e suas formas de acreditar, de usar a crença para exercer controle, de desconsiderar a humanidade de cada um pela unidade de um todo. Nichols deposita fé imensa na nossa capacidade de crer para além desses limites, no entanto, e quando Midnight Special mostra o seu protagonista mirim lendo os quadrinhos do Superman, não é a toa – existe um conflito interminável entre fantasia e realidade dentro do filme, e Nichols parece crer que esse conflito existe no mundo real também. O universo particular e íntimo que ele constrói com sua trama, que se desenvolve e se revela de maneira quase lúdica ao espectador, é um em que as duas coisas podem coexistir, metafórica e literalmente.

Trabalhando o lado do diretor de fotografia Adam Stone (Obediência), seu parceiro desde o primeiro filme da carreira, Nichols cria um filme que esconde sua beleza e seu lirismo visual por baixo de uma camada de realismo que não permite tomadas plasticamente desenvolvidas, mas as encontra nos lugares mais improváveis. Assistido por uma trilha-sonora espertamente repetitiva e evocativa de David Wingo (Especialista em Crise), Nichols cria um filme tão peculiar quanto é classicista, que usa de movimentos, ângulos e estruturas testadas e aprovadas para criar um todo que é surpreendentemente contemporâneo, calcado na linguagem independente, que não faz concessões ao sistema dos grandes estúdios hollywoodiano. Midnight Special é uma carta de amor à infinita imaginação humana, e à nossa capacidade de trazer obstinadamente essas fantasias à vida, e é também o produto de um cineasta em pleno domínio de sua arte. Nos próximos anos de cinema, fica uma dica valiosa: não tire os olhos de Jeff Nichols.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

midnight special

Midnight Speacial (EUA, 2016)
Direção e roteiro: Jeff Nichols
Elenco: Michael Shannon, Joel Edgerton, Kirsten Dunst, Jaeden Lieberher, Adam Driver, Sam Shepard, Paul Sparks, Bill Camp
112 minutos

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