7 de out. de 2015

Review: “Masters of Sex” sobrevive a uma terceira temporada mais atribulada do que o previsto

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por Caio Coletti

Não é difícil de perceber exatamente quando o favor do público se virou contra Masters of Sex (assim como boa parte da crítica especializada, inclusive). O terceiro ano do drama da Showtime marcou o primeiro momento em que as decisões criativas e narrativas da showrunner Michelle Ashford e seu time de roteiristas foram questionadas com mais assertividade, mas o episódio que parece ter desencadeado a série mais dura de críticas foi “Monkey Business” (3x07). Na trama principal do capítulo, os protagonistas Bill Masters e Virginia Johnson, são contatados por um zoológico para tentar tratar da disfunção sexual de um gorila, que não consegue acasalar desde que mudou de tratadora. A ideia é uma extensão interessante da discussão do episódio anterior, “Two Scents” (3x06), que discursou sobre a forma como as respostas sexuais e sensoriais humanas não são tão diferente das dos outros animais. Por sua vez, esse discurso é uma bela extensão do excepcional “Matters of Gravity” (3x05), em que a inevitabilidade e o mistério dos mecanismos do desejo e do amor humano foram analisados de perto pelos roteiristas e pelos personagens.

A lição desse primeiro parágrafo é que Masters of Sex ainda é uma série escrita com uma perspectiva de narrativa tremendamente inteligente. Ashford e cia. são observadores argutos da natureza humana a das formas como essa natureza se entrelaça com os temas e intimidades que retratam aqui, sejam elas relacionadas ao período em que a história se passa (cada vez mais expansivo) ou aos aspectos fundamentalmente imutáveis da psique humana. Dito isso, “Monkey Business” e a média geral da criação e desenvolvimento de storylines da terceira temporada de Masters estão um bom nível abaixo do trabalho realizado no excepcional segundo ano da série. O ciclo vicioso do relacionamento entre Bill e Virginia, o eterno suplício enfrentado por Libby, a personalidade irascível e enervante do doutor interpretado por Michael Sheen – a essa altura de sua estadia na televisão, talvez Masters devesse pensar a possibilidade de tomar caminhos mais ousados e transformativos com suas tramas e desenvolvimentos de personagens.

Esses deslizes, no entanto, não mudam o fundamental: Masters of Sex ainda é um dos melhores e mais contundentes dramas no ar atualmente. E para não dizer que esse terceiro ano não traz sombra nenhuma do superior segundo, vale perceber que a estrutura dessa temporada permite que os personagens, que foram confrontados com as verdades de seus desejos e circunstâncias no decorrer dos 12 episódios anteriores, agora espertamente são conduzidos pelo roteiro a transformar essas realidades, mesmo que muitas vezes para perceber que as prisões que os deixavam pregados à vidas não exatamente satisfatórias eram mais fortes do que pareciam. A tragédia emocional desse terceiro ano de Masters of Sex está em descobrir que nem sempre a realização e libertação da mente é o bastante para escapar das limitações sociais e psicológicas que são particulares tanto do tempo em que vivemos quanto de nós mesmos. A modernidade dos estudos de Bill e do comportamento de Virginia não previnem que o doutor se mostre possessivo e ideologicamente ignorante em várias oportunidades, nem que Virginia se veja confusa sobre seus desejos e o curso que quer tomar. Não ajuda que, após todas as crises no relacionamento com Bill, surja o afável Dan Logan (Josh Charles, direto de The Good Wife) para complicar as coisas.

Se há algo que esse terceiro ano acerta, portanto, é no retrato de Virginia. A personagem, e a atuação de Lizzy Caplan, são de longe os melhores elementos da temporada – com o processo de humanização da “super-mulher” que Virginia era na primeira temporada completo, a atriz se sente livre para expressar os conflitos e confusões da personagem com contundência e sensibilidade impressionantes, que brilham mesmo através dos bem construídos maneirismos de fala, linguagem corporal e comportamento que ela implanta. Obviamente, Virginia é uma personagem simbólica e representativa da discussão social de gênero que Masters sempre quis fazer. Em certa medida, todas as criações de Ashford e cia. são moldadas assim, mas o grande trunfo desse terceiro ano é o quão humanos e interessantes eles se tornaram por mérito próprio – Sheen precisa ser celebrado mesmo que apenas pelo esforço de não tornar Bill um personagem odiável, ainda que todos os indicadores do roteiro sejam nesse sentido; Caitlin Fitzgerald continua sendo uma preciosidade subestimada como Libby, interminavelmente sensível e inteligente na forma como interpreta uma personagem trágica sem apelar para o estoicismo ou para o melodrama; e coadjuvantes como a excepcional Annaleigh Ashford (Betty) e os fabulosos Beau Bridges e Allison Janney (Barton e Margaret) colorem e rebuscam o desenho feito pela narrativa com excelência.

O terceiro ano de Masters of Sex expõe com eloquência temas como o apagamento persistente das tribulações femininas, a sistêmica opressão e sexualização enfrentada pelas mulheres, a prisão moral que o casamento e a família muitas vezes representam para a esposa. Fala ainda de paternidade e maternidade, contesta egocentrismos e, embora pegue pesado no retrato das ações desprezíveis de um personagem que fomos ensinados a admirar, também o pune por elas. Em suma, não há nada de errado na terceira temporada do drama da Showtime. É muito mais um atestado quanto à qualidade da série, portanto, que tanto escândalo se faça quanto à queda da avaliação crítica – mesmo em sua forma menos excepcional, Masters ainda está acima de uma boa parte da produção televisiva do momento, e continua valendo, muito, as 12 horas anuais que demanda dos espectadores.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

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Masters of Sex – 3ª temporada (EUA, 2015)
Direção: Jeremy Webb, Adam Arkin, Michael Apted, Susanna White, etc
Roteiro: Michelle Ashford, Amy Lippman, Steven Levenson, Esta Spalding, David Flebotte, etc
Elenco: Michael Sheen, Lizzy Caplan, Caitlin Fitzgerald, Annaleigh Ashford, Beau Bridges, Kevin Christy, Emily Kinney, Allison Janney, Josh Charles, Judy Greer, Benjamin Koldyke, Jaeden Lieberher, Isabelle Fuhrman
12 episódios

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