6 de jun. de 2011

Outro dia, por Caio Coletti

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Sabe quando você se cansa? É aquele dia em que você acorda e demora demais para assimilar o que vem pela frente, e o que vem depois, e depois, e depois. Não porque é tudo muito diferente, muito excitante; é que simplesmente os olhos da fantasia andam tão sedutores que a realidade não é mais o bastante. Aquele dia em que o sonho parece continuar por uns breves instantes depois que você abre os olhos, e vai aos poucos sumindo, como a neblina some quando você se aproxima. Só para te engolir. E daí você se levanta, e segue a mesma rotina que aprendeu a seguir, religiosamente, desde um tempo que nem se lembra. Você vai para os mesmos lugares, vê as mesmas pessoas, respira o mesmo ar e observa as mesmas coisas. Você não aprende nada de novo, nem encontra nada que provoque algo além de um sorriso fátuo e sem sentido quando termina. Não é pessimismo, não é depressão. É só... o vazio.

O tempo passa, você vai se deixando levar por tudo o que você precisa fazer, que você quer fazer, que sua carne deseja fazer. Você deixa passar oportunidades, faz escolhas erradas e se repreende por ser tão falho que é quase humano. Até que você chega em casa e, bom, não muda muita coisa. Você já está cansado do seu computador, da sua estante de livros, da sua dor de cabeça, das suas músicas e do seu universo particular. Você já está cansado de ligar a TV e ver os mesmos programas, rir dos mesmos personagens. Você está cansado até de se emocionar com o que passa por seus olhos e chega aos seus ouvidos. Você está cansado de ter que abrir a mente para pesquisar e saber direito de cada acontecimento ao seu redor. Você está cansado de tentar evitar a ignorância, a estupidez, o egoísmo, a má-educação. Você está cansado de seguir regras. E você está cansado da sociedade.

Mas você não conhece outra coisa. Você faz pose, você cria a si mesmo a cada dia que sai de casa e, às vezes, mesmo entre as quatro paredes, você continua atuando. Você finge que não se importa, que nada te abala, que o mundo não te atinge e que você nunca está cansado de ser golpeado no peito e não cair. Ou melhor, cair e se levantar de novo, fingindo solenemente, como você tão bem sabe fazer, que ninguém te viu no chão. Mas daí, quando você conclui que está cansado de tudo isso, você para e olha para uma folha de papel em branco, ou para o ponto que pisca no editor de texto vazio (e eles também olham para você, os amigos escritores sabem do que eu estou falando). E você percebe que só quando você encher aquele alvo de flechas em forma de letras, linhas, parágrafos, sentimentos e alma que você vai deixar de estar cansado.

E então você pensa: porque só sou completo aqui? E você se cansa de escrever. Fim.

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Minha vida me quer escritor, e então escrevo. Não é por escolha: é íntima ordem de comando. Sinto em mim uma violência subterrânea, violência que só vem a tona no ato de escrever. Escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente minha própria vida. Eu vou me acumulando, me acumulando, me acumulando… até que não caibo em mim e estouro em palavras”

(Clarice Lispector em “Um Sopro de Vida”)

1 comentários:

Anônimo disse...

Se eu tivesse por aí, tenha a certeza de que ouviria tudo até o fim, como eu li tudo até o fim, poria uma mão no teu ombro e diria: "É, vamo bebê!" :D

Vc não preenche o vazio, vc aprende a viver com ele. Às vezes alguém aparece pra te fazer esquecer dele. Mas só às vezes :)