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Review: Me Chame Pelo Seu Nome

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Review: Liga da Justiça

É verdade: o novo filme da DC seria melhor se não tivesse uma Warner (e um Joss Whedon) no caminho.

30 de set. de 2014

The Blacklist 2x02: Monarch Douglas Bank

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.ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

“Monarch Douglas Bank” traz de volta um aspecto de The Blacklist que sempre foi um pouco delicado demais para a abordagem dos roteiristas que comandam a série. Há muito o que se elogiar na condução que esse time faz a trama de Red e Liz, mas falta sutileza e uma visão mais clara e bem informada, ainda, para discutir corrupção corporativa, ética criminal e outros limites morais espinhosos. A segunda entrada da temporada entra nessa perigosa área conhecendo um pouco mais seus limites, mas não escapa de ser um pouco estabanada na forma como inverte os valores e bem e mal, e deixa pouco ou nenhum espaço para a ambiguidade. Muitos interesses estão envolvidos no jogo entre Red, Berlin, o FBI e o tal banco do título, e talvez The Blacklist ainda não esteja completamente equipada para lidar com essa complexidade. Como elo de trama e narrativa emocional, no entanto, a série continua funcionando muito melhor do que na primeira temporada.

Sem um vilão corpóreo para preencher o episódio com uma história de origem, o roteiro assinado por Kristen Reidel (Nikita), Amanda Kate Shuman (“General Ludd”, o 1x08) e Daniel Knauf (Carnivále) tem tempo de sobra para explorar essa nova e maravilhosa face de The Blacklist em que várias subtramas se desenvolvem ao mesmo tempo. Demorou uma temporada inteira, mas a série aprendeu a lidar com esse esquema, que não só dá ao espectador uma noção mais clara de plotline para a temporada, como também torna os episódios muito mais dinâmicos e interessantes. Quem agradece mais é o diretor Paul Edwards, um dos mais talentosos e elegantes em atividade na TV americana, que já havia assinado “The Pavlovich Brothers” (1x19) na primeira temporada mas retorna com muito mais estilo e dinamismo para dar ritmo e identidade visual a “Monarch Douglas Bank”.

O banco do título é uma multinacional que lava dinheiro e protege bens de organizações criminosas do mundo inteiro – e está em um momento de singular vulnerabilidade após sofrer o primeiro grande assalto de sua história, em uma filial na Polônia. Nossos agentes do FBI são mandados para lá imediatamente, o que leva a uma série de cenas bacanas explorando o novo cenário, mas é impossível notar que “Monarch Douglas Bank” é um episódio em que Red toma controle do que está acontecendo, o que significa que Liz, Ressler e cia precisam parecer um pouco menos sagazes do que é estritamente necessário. Os roteiristas criam espertas histórias pessoais para esses personagens, e deixam o personagem de James Spader comandar o show, conectando todas as pontas soltas e amarrando numa narrativa bem redondinha.

Embora vejamos o final do breve sequestro da ex-esposa de Red (esperamos que isso não seja um adeus à Mary-Louise Parker!), a subtrama envolvendo Berlin precisa continuar a correr por todos os episódios da temporada, se The Blacklist tem a mínima noção do que é bom pra si mesma. Ter Peter Stormare em cena e uma narrativa que conduz todas as tramas da semana são um dos muitos benefícios que a inclusão do vilão traz, especialmente em um episódio em que vemos Spader e Stormare contracenando pela primeira vez. A cena, que não consegue evitar ser pelo menos dez vezes mais empolgante que o resto do episódio, sublinha com tanta contundências as diferenças entre Red e Berlin que o prazer de ver esses dois atores construindo personagens completamente diversos, mas igualmente poderosos, é exponencialmente ampliado.

The Blacklist colocou muitas coisas em movimento com o seu episódio de estreia da temporada (review aqui), e tem o desafio de manter essa trajetória vitoriosa até o final de árduas 23 semanas no ar. Embora tropece previsivelmente no simplismo quando tenta questionar o poder e as leis das grandes instituições, “Monarch Douglas Bank” ainda é uma peça bem modelada desse processo de construção da temporada, e isso é mais do que o bastante.

✰✰✰✰ (4/5)

THE BLACKLIST -- "Monarch Douglas Bank" Episode 202 -- Pictured: (l-r) Diego Klattenhoff as Donald Ressler, Megan Boone as Elizabeth Keen -- (Photo by: Virginia Sherwood/NBC)

Próximo The Blacklist: 2x03 – Dr. James Covington (06/10)
Próximo review: 2x06 (27/10)

29 de set. de 2014

Masters of Sex 2x12: The Revolution Will Not Be Televised [SEASON FINALE]

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A partir dessa segunda temporada, ao invés de fazer uma cobertura detalhada de cada episódio de Masters of Sex, O Anagrama vai trazer uma review por mês, de preferência de episódios marcantes para a continuidade da série, checando a quantas anda um dos nossos dramas preferidos.

ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

Masters of Sex não é numa daquelas histórias típicas nas quais tudo se resume, no final das contas, em uma mensagem simples: não importa o que aconteça, sempre haverá esperança. Talvez o grande mote de toda a produção narrativa humana, essa conclusão final sobre qualquer tragédia ou comédia da vida já foi modelada e remodelada de um bilhão de maneiras diferentes, e provavelmente chegamos a um ponto na nossa história como espécie criadora de ficção em que o formato da apresentação e os detalhes que cercam o tema central são mais importantes para determinar o impacto de uma narrativa do que qualquer outra coisa. “The Revolution Will Not Be Televised” é um dos finales mais eloquentes que este que vos fala já teve o prazer de ver, e alcança esse feito ao mostrar de que maneiras complicadas, perturbadas e sombrias seus personagens encontram uma perspectiva de esperança para o futuro.

De fato, o episódio discursa de maneira contundente sobre a constituição da vida desses personagens, o quanto há de complexo nelas, e o quanto o maniqueísmo é a ferramenta mais covarde do ser humano na hora de criar. Quando vemos Lester e Barb indo ao cinema, primeiro para ver o hollywoodiano Confissões à Meia-Noite, e depois A Aventura de Michelangelo Antonioni, parece que somos desafiados a observar o quanto a dureza de “The Revolution Will Not Be Televised” se aproxima muito mais da bagunça amorosa e sexual do diretor italiano do que da candura de Rock Hudson e Doris Day, não importa o quanto os diálogos entre os dois sejam espertos. Tomando comando da própria série mais uma vez ao assinar o roteiro, Michelle Ashford prova que nenhum escritor tem a visão mais clara sobre o conteúdo de Masters do que sua criadora.

A genialidade do roteiro vem da ousadia de criar um finale que não é cheio de fogos de artifício, como foi a impactante última cena de “Manhigh” (1x12), por exemplo. Ashford detecta a necessidade de trazer esses personagens, que estiveram em uma jornada incessante de auto-descobrimento durante essa temporada excepcional, de volta para o tempo e o lugar em que vivem. Agora que suas visões sobre si mesmos e sobre o mundo mudaram, é hora de Bill, Virginia e Libby encararem as consequências que seus atos trazem para o estabelecimento daquilo que achavam ser sua vida. Em uma cena absurdamente marcante entre Gini e Lib, a última diz: “Talvez essa seja a chave – deixar para trás esse tipo de ideal. Viver a vida que você tem, não a vida que você pensou que tinha”. A força de “The Revolution Will Not Be Televised” está na concretização de realizações dramáticas que os personagens tiveram uma temporada inteira para desenvolver.

Nós vemos Libby decidir que o caso que começou com Robert é importante para ela – como mulher e como pessoa, para que ela tenha a coragem de parar de se resignar a coadjuvância que Bill lhe impôs e possa sentir uma realização plena. É notável a serenidade que Caitlin FitzGerald imprime à personagem, especialmente continuando a tendência refrescante de criar uma Libby mais transparente com suas emoções, com as realidades que a cercam e com as possibilidades ao seu redor. Ao mesmo tempo, Virginia passa por um momento definitivo em que precisa ser honesta sobre suas prioridades, e chega à dolorosa realização de que talvez seus filhos estejam melhor sob a guarda de seu ex-marido e a nova esposa, uma cuidadosa e disponível figura materna. Lizzy Caplan faz um trabalho grandioso ao expor a fragilidade e a força da personagem – porque sim, como este humilde crítico havia previsto desde a primeira temporada, Virginia é uma mulher muito mais formidável por ser também (nessa segunda temporada) uma mulher vulnerável.

É claro que o caso de Bill é o mais complicado, e é preciso trazer de volta o sempre bem-vindo guest star Beau Bridges para que o nosso anti-herói seja lembrado daquilo que o impede de ter o que nós, pobres mortais, chamamos de felicidade. A rápida aparição do ator como Barton é a que estabelece com fundações firmes o terreno em que Masters está pisando nesse finale: ele entrega à Bill a sentença essencial de que a forma egoísta com a qual ele conduz seu trabalho e sua vida simplesmente não funciona, porque suas decisões não afetam só a ele mesmo, e quem tem que lidar com o inferno das consequências são sempre os que estão ao seu redor. “The Revolution Will Not Be Televised” fala de esperança, de dar um passo adiante por pura fé no futuro (e é genial que o episódio seja localizado temporalmente perto da posse de John F. Kennedy como presidente dos EUA), mas não esquece de nos dizer que não é tão simples assim.

Exatamente como a relação ferida de Lester e Barb, o choro de Virginia ao se entregar à realidade, as mentiras e meias-intenções de Bill, ou as negociações e corridas sórdidas por espaço na mídia, o mundo é um lugar complexo demais para andarmos por aí com uma venda nos olhos, esperando o que vier pela frente. Por outro lado, Masters parece nos perguntar, com o rosto limpo e o olhar sincero que adquiriu em uma temporada brilhante de televisão: que escolha temos?

✰✰✰✰✰ (5/5)

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A terceira temporada de Masters of Sex está confirmada!

28 de set. de 2014

Estreia: “Gotham” é uma envolvente encarnação das origens do super-herói mais adorado da DC

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ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

Gotham nunca vai poder se apoiar somente nas suas próprias pernas. A nova série da FOX, capitaneada por Bruno Heller (The Mentalist), se ergue nos ombros de um gigante chamado Batman, indiscutivelmente o personagem mais popular da DC Comics, e matéria de mais 100 adaptações cinematográficas e televisivas, incluindo as animações. A mitologia que vem atrelada ao cavaleiro das trevas é a principal linha narrativa e fio condutor de Gotham, e não poderia ser de outro jeito quando a pretensão da série e traçar um retrato de como a cidade mais famosa dos quadrinhos se tornou a metrópole que abriga o Homem-Morcego e todos os vilões que já conhecemos. Só isso já faz de Gotham uma estreia imperdível, e um passeio de montanha-russa fantástico, mas o trabalho oferecido ao roteirista Heller vem com tantas vantagens quanto obstáculos.

Não é fácil construir um mundo convincente e interessante para povoar uma narrativa com destino já tão bem definido, nem acertar no ponto na construção de personagens, fugindo da previsibilidade e tentando envolver o espectador em uma história que ele já sabe como termina. Inserir elementos de surpresa nessa saborosa mas incompleta refeição não é trabalho para qualquer roteirista – para continuar a metáfora culinária, é como tentar preparar um prato principal a altura da sobremesa que todo mundo está esperando para comer. A saída que Heller encontrou para essa corrida de obstáculos foi apostar no drama inerente de cada personagem e assinalar que Gotham vai tomar seu tempo para transformá-los nas pessoas que conhecemos de tantas outras encarnações de Batman.

Com a mão pouco sutil de Danny Cannon (CSI) na direção, o resultado é uma Gotham de encenação estourada, que pega para si o departamento de polícia da metrópole e transforma-o no palco dos dramas e jogos mentais dos filmes neo-noir. Pense em Mob City, a extinta série da TNT, com um pouco menos de fé incondicional na climatização e um pouco mais de trabalho de personagem – não é uma perspectiva ruim, e traduz bem o sentimento que Gotham passa na maior parte dos seus 48 minutos de piloto. Isso casa perfeitamente com a construção de uma cidade que mistura duas visões: a de metrópole moderna que apareceu nos filmes de Christopher Nolan, e a de extravagância gótica que figurou nos de Tim Burton (e, vá lá, até nos de Joel Schumacher). A Gotham City da FOX é um amontoado de arranha-céus com personalidade própria, gárgulas saltando de todos os lados, poeira, fumaça e poluição. É uma paisagem caótica como precisa ser para essa narrativa em especial funcionar, e se tem algo que a câmera de Danny Cannon faz bem, é registrar o trabalho da direção de arte.

O começo da nossa narrativa é com o fatídico assassinato de Martha e Thomas Wayne, como sempre testemunhado pelo jovem Bruce (David Mazouz, de Touch, que grita por mais tempo de tela). Quem aparece para investigar o caso são os detetives Harvey Bullock (Donal Logue) e James Gordon (Ben McKenzie), esse sim o real protagonista do conto moral que Gotham quer contar. A partir do momento que o futuro comissário da cidade promete para o jovem Bruce que vai encontrar o assassino de seus pais, e acaba vasculhando a podridão do departamento de polícia de Gotham no processo, a série se estrutura como um programa policial regido pelas regras particulares do mundo de Batman, e também um drama moral que quer desenhar e apagar linhas entre bem e mal. O roteiro faz um bom trabalho em envolver o espectador nesse mundo e na missão nobre e delicada de Gordon, e sinaliza que Gotham tem sim uma boa história para contar – mais até: uma que se conecta diretamente com o significado das origens de cada um dos vilões (ainda jovens) que vemos em tela.

Sobre eles, aliás: o grande destaque do piloto é Robin Lord Taylor (Aprovados, A Outra Terra), que acerta na dose com sua construção levemente incômoda de Oswald Cobblepot, o futuro Pinguim; ele é o único que ganha um desenvolvimento mais notável nesse primeiro episódio, mas é de se esperar que a equipe de roteiristas dê o mesmo tratamento para os jovens Selina Kyle (a Mulher-Gato, feita por Camren Bicondova), Edward Nygma (o Charada, na pele assustadoramente esperta de Cory Michael Smith) e Ivy Pepper (a Hera Venenosa, encarnada pela jovem Clare Foley). O primeiro acerto com o vilão mais asqueroso da galeria dos inimigos do Batman sinaliza que, em termos de formação de personagens que já conhecemos, Gotham é afinadíssima. Enquanto eles crescem, inclusive, somos deixados com a mafiosa Fish Mooney como antagonista do nosso Detetive Gordon, e Jada Pinkett Smith se diverte à beça no papel – é mais do que o bastante para nos manter entretidos.

O protagonista Ben McKenzie é quem dá o tom para a série, no entanto. Sua interpretação de Gordon ainda precisa ajustar os ponteiros com o lado ultra-dramático da encenação, mas há uma intensidade no olhar do ator de The O.C. e Southland que compensa o eventual constrangimento em momentos mais truncados do roteiro. Em Gotham, o Detetive Gordon é um homem indiscutivelmente raivoso, com a mesma bússola moral que o tornou famoso como personagem, mas uma motivação diferente: sai de cena a busca incessante pela justiça, entra uma bem-vinda indignação e ultraje com o mundo ao seu redor. James Gordon chega transbordando justiça nessa Gotham City à beira do caos, e Ben McKenzie torna totalmente possível acreditar que ele tem a motivação e a audácia para limpar a sujeira sem a ajuda de um certo amigo de orelhas pontudas.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

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Próximo Gotham: 1x02 – Selina Kyle (29/09)

Entrevista: Macaulay e Roberta comandam o incansável duo eletrônico britânico CURXES

CURXES

texto por Caio Coletti
entrevista por Ilson Junior

Don’t speak Portuguese? Come take a look at the original English Q&A here!

Macaulay Hopwood e Roberta Fidora são os dois britânicos que compõem o surpreendente CURXES, projeto de música eletrônica alternativa que desde 2011 vem sendo notado por blogs musicais pelo mundo todo. O pequeno contingente de seguidores até agora não faz jus às músicas ultra-inventivas, inquietas, intensas e impressionantes que Macaulay e Roberta fazem. O CURXES é uma pérola a ser descoberta pelo grande público, que poderia muito bem comprar as ideias malucas dos britânicos e tirar a música pop do marasmo em que está atualmente.

Eles certamente vieram com a intenção de “balançar o coreto”, com seus visuais sombrios e caóticos e seus “instrumentos obscuros e objetos que fazem sons estranhos”, como o próprio Macaulay define nessa entrevista reveladora que os dois gentilmente concederam ao O Anagrama. Leitura obrigatória!

PS: No final da entrevista, pedimos ao duo que deixasse uma mensagem para os ouvintes. Sabe o que eles nos disseram? Uma frase simples e linda pra inspirar todo mundo: “Seja o capitão do seu próprio navio”.

O Anagrama: O nome CURXES significa algo especial pra vocês? Porque vocês o escolheram?

Macaulay: Nós tínhamos uma canção na nossa banda antiga, chamada “The Curse” (que depois virou a nossa “Spectre”), e nós gostávamos de como ela soava, então decidimos que seria como chamaríamos nossa nova banda. A razão pela qual usamos o X é obscura, mas gostamos quando vemos pessoas especulando o que significa. E só pra esclarecer, o nome é pronunciado “curses”.

Roberta: Eu também achei que foi apropriado, devido aos obstáculos que nós encaramos na banda antiga. Algumas vezes parecia que nossa sorte estava sempre em baixa, mas provavelmente estava tudo na minha cabeça.

O Anagrama: Quais você diria que são suas maiores influências?

Macaulay: David Bowie, The Beatles, The Clash, Depeche Mode, Wire… eles foram todos comentaristas culturais da sua época.

Roberta: Twin Peaks, Os Garotos Perdidos, Blade Runner, Sylvia Plath, as décadas de 40/50/60/70/80, e tudo o que nos cerca.

O Anagrama: Qual é a sua história com a música? Como vocês começaram a compor, tocar e cantar?

Macaulay: Eu não escutei muito música até em torno dos 11 anos, quando meus pais me levaram até uma exposição sobre os Beatles nas docas de Liverpool. Depois disso, eu passei a idolatrar Paul McCartney, e comprei uma imitação barata do baixo em forma de violino que ele tocava. Durante a minha adolescência eu fui um típico nerd e ficava no meu quarto tocando guitarra oito horas por dia, até entrar em bandas. Hoje em dia eu escrevo músicas religiosamente, sempre que eu tenho um momento livre, e coleciono o máximo possível de instrumentos obscuros e objetos que fazem sons estranhos. Em algum ponto eles sempre acabam em alguma música do Curxes. Eu tenho uma obsessão com sons interessantes, e o Curxes é o veículo perfeito para explorar seus usos de um jeito prático, e não só em casa. É também uma forma de escapismo, eu sou de uma cidadezinha quieta e precisava de algo criativo para fazer para não enlouquecer.

Roberta: Eu copiei o gosto musical do meu irmão desde muito cedo, o que consistia em música eletrônica e dance, na maior parte do tempo. Ele tinha alguns sintetizadores, uma guitarra e um módulo de mudança de voz, e eu tinha permissão de brincar com tudo isso também. Aos 8 anos, eu decidi que queria aprender saxofone, mas não conseguia erguê-lo para tocar, então eu acabei tocando órgão eletrônico ao invés disso. Por volta dos 11 anos, eu fui a um clube de dança, drama e canto em Portsmouth para reconstruir minha confiança depois de sofrer muito bullying na escola e, para reforçar o ponto de Macaulay sobre escapismo, eu percebi que me ajudou a transformar e articular aquelas más experiências.

O Anagrama: De onde vem a inspiração para as suas melodias e letras? Nos conte sobre o seu processo criativo.

Macaulay: Tendo sido influenciado principalmente pelos Beatles, a harmonia é o centro das minhas composições, apesar de textura e timbre serem muito importantes. Música pop acessível é ótima, mas se não houverem surpresas o ouvinte não vai ser desafiado – mas antes de qualquer coisa você precisa desafiar a si mesmo. Se você pensa em música como uma forma de arte, então precisa ser intelectualmente estimulante, e por isso tentamos jogar com o máximo possível de coisas diferentes sem perder a atenção do ouvinte. Em termos de processo criativo, nós dois pensamos nos acordes e nas melodias, depois nós ensaiamos as ideias e nos focamos nas partes mais fortes. Continuamos refinando a canção até sentirmos que ela está completa, e quando chegamos ao estúdio só polimos o nosso trabalho.

Roberta: Eu acabei de me mudar da cidade grande e voltar para casa por um tempo. Eu sempre costumava ter ideias quando estava no caminho para casa, no ônibus, e eu espero que isso volte num futuro não muito distante. Eu ficava sentada lá, cantarolando uma melodia ou ditando letras no meu celular, como o Agente Cooper (o protagonista Twin Peaks) ou alguma pessoa louca.

O Anagrama: Qual é a sua opinião sobre a música contemporânea e a indústria? Existem artistas atuais que vocês realmente admirem? Como a música de vocês se encaixa nesse contexto?

Macaulay: Há tanta ótima música contemporânea, mas é improvável que você a ache na TV ou em grandes estações de rádio comerciais. Infelizmente, você precisa de dinheiro por trás de você para atingir sucesso comercial amplo, o que significa que como artista você é relegado a ou viver de migalhas do seu próprio jeito, ou se tornar um escravo, um dente na engrenagem das grandes gravadoras. Sem querer soar muito amargo, na minha opinião a maioria das músicas na TV e rádio é pop manufaturado derivativo, lançado usando fórmulas testadas e aprovadas que não desafiam nem ofendem ninguém. Como um blogueiro que conhecemos expressou muito suscintamente, é “o equivalente auditivo de um incenso”. Críticos de música experientes, no entanto, vão destacar boas canções, independente de em qual gravadora os artistas estão ou a qual gênero eles pertencem, e através desses meios eu descubro montes de ótimas músicas – demais até pra listar. Eu admiro qualquer artista contemporâneo que se esforça para criar algo extraordinário. Muitos dos artistas estabelecidos parecem estar no piloto automático – assim que eu me sentir assim, eu vou parar de fazer música.

Roberta: Eu não acho que nós queremos nos encaixar em um contexto, mas sim expandí-lo. Há muitas coisas inaceitáveis que aconteceram e continuam acontecendo na música. É tudo uma questão de reconhecer essas coisas e tentar fazer algo melhor, mais inteligente e mais autêntico, e ao mesmo tempo manter um ar de entretenimento. Outros artistas que eu, pessoalmente, admiro, são East India Youth, Sleaford Mods, Sebastien Tellier, Ceephax Acid Crew e Jehnny Beth, do Savages. Eu invejo a eloquência deles de várias formas diferentes.

O Anagrama: Quando vocês decidiram começar a postar as canções no Youtube/Soundcloud/Bandcamp? Quando vocês sentiram que elas estavam prontas para serem ouvidas?

Macaulay: Nós tendemos a trabalhar nas nossas canções por um bom tempo antes de lançá-las, e algumas passam por duas ou três versões diferentes antes de realmente serem gravadas e colocadas online para o consumo do público. Nós não temos a melhor ideia de como a nossa música vai ser percebida enquanto estamos escrevendo, mas a resposta a tudo até agora tem sido impressionantemente positiva. Agora estamos prestes a gravar o nosso primeiro álbum e medir a reação.

Roberta: Postar as nossas canções online tem sido maravilhoso porque encontramos pessoas de todo o mundo que dividem uma mentalidade e valores parecidos, e isso é incrivelmente valioso para nós. Apesar de que quando passamos muito tempo com hashtags e discursos prolixos, especialmente quando pessoas erráticas e preconceituosas estão envolvidas, eu espero acordar e descobrir que a internet foi só um pesadelo horrível. Eu sempre me senti deslocada na sociedade que vivemos hoje em dia. Em relação ao momento que decidimos postar nossas músicas online, no entanto, demora um tempo para construirmos o conceito completo. Eu me sento e tento criar a arte de capa dos nossos lançamentos bem antes de postarmos, para tentar representar visualmente as letras, ou nós entramos em contato com o nosso amigo Rob (@Zomtographer) para ideias de vídeos. Por exemplo, as cabeças de periquito para “Avant-Guarded” demoraram bastante para fazer, com arame e papel-machê, antes de pintar – então as coisas precisam ser bastante planejadas. Nós queríamos que o acompanhamento visual refletisse tanto os aspectos divertidos quanto os aspectos agressivos da canção, então enquanto isso não estava completamente pronto, ela ficou guardada por alguns meses.

O Anagrama: Quais são seus objetivos futuros? O que vocês veem daqui a alguns anos, para suas carreiras?

Macaulay: Poder deixar o meu trabalho para focar o tempo inteiro na música seria ótimo, mas a probabilidade disso acontecer é cada vez menor, com o jeito que a indústria musical é. Compor, gravar e fazer shows o mais frequentemente possível também seria ótimo, mas o Curxes é tão divertido que eu continuaria fazendo mesmo que só houvesse eu mesmo ouvindo.

Roberta: Eu gostaria de me sentir satisfeita e sentir que demos uma contribuição divertida e genuína na música eletrônica. Eu gostaria que periquitos fossem reconhecidos seriamente como animais de estimação. Seria excelente se nós começássemos a falar mais de igualdade. Além disso, eu quero que alguém escreva algo malicioso e cômico na nossa página da Wikipédia, quando tivermos uma.

DESCUBRA MAIS SOBRE O CURXES
CURXES.COM / Facebook / Twitter / SoundCloud / YouTube / Bandcamp

3 duplas de musica eletrônica alternativa que você precisa conhecer

por Ilson Junior

1. Avec Sans

O Avec Sans é um duo inglês formado por Alice Fox e Jack St James, que com apenas um pouco mais de um ano de existência já vem produzindo musica alternativa e distribuindo gratuitamente na internet.

O duo produz musica eletrônica com uma pegada bem mais pop e de fácil audição, embora ainda possa soar um pouco barulhento para alguns, sua musica parece realmente ser feita para ouvir bem alto. Alice, com seu cabelo à la Sia, tem um vocal doce e incrível, perfeitamente combinado com a produção ímpar do duo.

Com excelentes covers de Bon Iver e Kate Bush e remixes de outros artistas alternativos como a HAERTS, além de ter tocado ao lado de Little Boots e Capital Cities, o duo vem ganhando a atenção de blogueiros, tocando cada vez mais em festivais e conquistando ainda mais ouvintes. Vale a pena conhecer:

Para saber mais: Facebook  | Soundcloud


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2. Young Wonder

O Young Wonder é um duo irlandês formado pela vocalista Rachel Koeman (Rach) e pelo produtor Ian Ring. Com um som que produz um mix de sons orgânicos/campestres com a musica eletrônica intensa e única, o duo consegue produzir musicas completamente ímpares entre si.

A dupla garante um ótimo casamento do vocal com a produção. Rach, a vocalista, frequentemente comparada com a famosa cantora Björk em seus vocais, canta desde refrões chicletes como em “Orange” ou “Seventeen”, até musicas de melhor extensão vocal como “To You” (abaixo) e “Tumbling Backwards”.

Eles lançaram o primeiro EP em Abril de 2012, com videos psicodélicos produzidos pela Feel Good Lost, e no ano seguinte lançaram o segundo, intitulado Show Your Teeth, que surpreendeu na individualidade de cada faixa, sem cair na homogeneidade, porém ainda com uma musicalidade só deles.

Para saber mais: Facebook | Soundcloud

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3. Curxes
Leia nossa entrevista com eles!

E por último, e não menos importante, a Curxes (pronuncia-se “Curses”), uma dupla britânica de musicalidade bem ímpar, que surgiu em uma cidade interiorana da Inglaterra resultado de uma antiga banda chamada Hold Fast. Formado por Roberta Fidora e Macaulay Hopwood, a dupla consegue produzir musica eletrônica de ótima qualidade somada com um excelente visual, dark e refinado.

Influenciados por músicas da década de 90, suas musicas são incomparáveis. Roberta impressiona em qualidade vocal, bem casada com os instrumentais ora agressivos, ora sombrios, ora profundos, e ora tudo isso junto. O duo é daqueles capazes de gerar lágrimas e arrepios. O visual também é único, e produzido por eles mesmos.

Já ha anos fazendo musica, a dupla possui diversos EPs e seu último lançamento é o album chamado PRECURXOR, antecessor do futuro e não não distante Verxes. Vale a pena viver a experiência de conhecer suas musicas e esperar pelas novidades:

Para saber mais: Facebook | Soundcloud

Em breve, uma página no Facebook cheia de dicas musicais, que vai vir com parceria com O Anagrama. Aguardem pela MINVTE!

27 de set. de 2014

Estreia: “Forever” vai agradar aos fãs de procedurals, mas precisa ganhar em personalidade

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ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

Dá para contar nos dedos os procedurals no ar atualmente que fazem alguma coisa interessante com a fórmula mais do que cansada do estilo. Nossa queridinha, Person of Interest, ganha o jogo ao saber construir narrativas mais complexas e ter um senso agudo de movimento e reflexão sobre o mundo que retrata; The Good Wife triunfa com a construção de personagens e a ambiguidade moral; até a bobinha Perception nos prende ao não se levar a sério demais e, ao mesmo tempo, apresentar pequenas pérolas de sabedoria semanais no roteiro. Se a mais recente investida da ABC no gênero, Forever, aprendesse um pouco com essa última série citada, inclusive, poderia ser uma criação completamente diferente da que vemos nos dois episódios exibidos pela emissora na semana passada.

A série assinada por Matthew Miller (666 Park Avenue, Chuck), também roteirista dos dois primeiros episódios, tem todos os ingredientes que fazem o sucesso dos grandes nomes do gênero: um olhar que passeia entre o banal e o traumático para lidar com as mortes incluídas nos roteiros semanais; um ou dois personagens que servem de alívio cômico; um protagonista que precisa recuperar o contato com o mundo real e as pessoas a sua volta, apesar de uma condição/personalidade não muito prestativa ao convívio social; e uma contraparte feminina, ligada fortemente ao tema central da série, com quem a tensão romântica começa lentamente a aparecer. São poucas as surpresas de Forever, e as que existem conseguem dar a série um discreto charme particular, mas ainda há um longo caminho para percorrer se a série quer sair da sombra do seu próprio gênero – pior, o sucesso quase certo dessa fórmula indica que é improvável que Forever realmente se esforce nesse sentido.

A trama ataca, com a superficialidade quase sempre garantida nesse tipo de narrativa, questões como mortalidade e vida em comunidade. O marcante protagonista Henry Morgan (Ioan Gruffud, de Quarteto Fantástico) é um médico-legista com uma característica única – é imortal. Sempre que é alvejado por uma bala, atropelado por um caminhão ou envenenado por algum inimigo, o Dr. Morgan retorna à vida no Hudson River, totalmente nu. Ele não sabe a causa de sua aflição, mas é adotado pela Detetive Jo Martinez (Alana de la Garza, que não faz jus a uma personagem bem construída) ao demonstrar perícia incomparável para analisar cadáveres e cenas de crime. Os papeis coadjuvantes são povoados por Joel David Moore (Bones) como o assistente de laboratório de Morgan, e o grande Judd Hirsch (Numb3rs) como um confidente (e filho adotivo? é complicado) do protagonista.

A performance central de Gruffud se apoia de maneira ultra-dependente no charme galês do ator, e mesmo que nem sempre isso seja algo ruim, uma série como Forever se daria melhor com um protagonista menos usual e mais interessante. O mistério cercando um estranho que faz contato com Henry, dizendo que sofre da mesma condição que ele (com um agravante: esse antagonista misterioso está vivo há 2000 anos, não 200 como o nosso protagonista), pode trazer storylines mais empolgantes para o final da temporada, ou ainda dos próximos anos de Forever, uma série que provavelmente terá vida longa na ABC – presumindo que o público a compre, é claro. Os espectadores que procuram um pouco mais do que o previsível, no entanto, terão de se fiar na esperança que os roteiristas comandados por Matt Hill vão encaminhar a série para um caminho mais interessante que o mostrado nesses episódios de estreia. Eu não criaria muitas expectativas, se fosse vocês.

✰✰✰ (3/5)

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Próximo Forever: 1x03 – Fountain of Youth (30/09)

Estreia: “Red Band Society” precisa afinar seu humor, mas continua sendo imperdível como drama

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Ao invés de fazer uma cobertura detalhada de cada episódio de Red Band Society, O Anagrama vai trazer uma review por mês, de preferência de episódios marcantes para a continuidade da série.

ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

O segundo episódio de Red Band Society, exibido pela FOX nessa quarta-feira (24) depois da pré-estreia na terça com o piloto, termina com um trecho de “I Live”, canção do OneRepublic retirada do Native, último álbum de estúdio dos americanos. “Por cada osso quebrado, eu juro que vivi”, canta Ryan Tedder conforme a câmera se afasta do quarto de hospital onde estão dois dos protagonistas, Leo (Charlie Rowe) e Jordi (Nolan Sotillo). O primeiro é um garoto que perdeu uma das pernas devido a um tipo de câncer que o recém-chegado Jordi acreditava também possuir. Esse cenário resume bem o apelo emocional inegavelmente sólido que Red Band Society pode ter – e o quanto as pessoas por trás de sua produção estão dispostas a explorar esse apelo.

Em alguns momentos tanto do piloto quanto de “Sole Searching”, o segundo episódio, fica bem claro que o novo drama da FOX precisa ajustar a forma como brinca com gêneros e manipula a emoção do espectador. Sim, porque não há nada de errado em fazê-lo, se for uma ferramenta dos roteiristas para passar sua mensagem e transmitir os sentimentos dos personagens. Em talvez 75% do tempo, é isso que Red Band faz com eficiência e valores de produção bem acertados, mas a roteirista e developer Margaret Nagle (Boardwalk Empire, Warm Springs) deveria afinar mais o olho e o traquejo para o humor. O fato é que a moça, já indicada a dois Emmys, não tem a experiência certa para tratar de uma série que procura momentos mais leves na vida de personagens tão abatidos por fatalidades.

Na construção de personagens, no entanto, ela é um verdadeiro ás, com as escolhas de elenco ajudando bastante para criar o painel de protagonistas mais carismático da fall season. São eles que ganham o espectador e fazem de Red Band, na sua mistura nem sempre harmoniosa de comédia e drama, uma história que se destaca por ser celebratória da vida mesmo quando contempla tão de perto a morte. O rebelde e complicado Leo ganha muito com a atuação extremamente expressiva de Charlie Rowe (o Billy Costa de A Bússola de Ouro), que empresta verdade a um personagem que arriscaria até soar messiânico. Zoe Levin (O Verão da Minha Vida) também se esforça como a garota malvada que esconde mais humanidade por trás da carcaça antissocial.

Citar o resto do elenco jovem é redundante: com o tempo, até a performance do rapper Astro, revelado no X Factor, se torna um pouco mais multifacetada. Red Band Society tem esse dom de fazer seus personagens bastante tridimensionais na eterna jornada por afetar e chamar o espectador para dentro da história que se passa naquele hospital. Talvez haja algum mérito em dizer que a série da FOX não se preocupa muito com a realidade da saúde americana, ou com a plausibilidade de todos esses personagens estarem juntos naquela mesma ala hospitalar – há pontas para se amarrar em Red Band, sem dúvida nenhuma. Ainda mais irrefutável, no entanto, é o poder de fogo que os roteiristas que assumirão a série daqui pra frente terão para criar uma narrativa intensa e reveladora.

Essa semana de estreia do drama mostrou apelo adolescente, mas sem a narrativa alucinante de Glee ou a banalidade romântica de The Vampire Diaries; e veio na crista da onda do sucesso inacreditável de A Culpa é das Estrelas. Talvez não seja tão realista, ou tão bem sintonizado com o papel do humor na vida desses personagens, mas Red Band Society certamente sabe como nos apresentar protagonistas com os quais passamos a nos importar num piscar de olhos, e ainda tem um propósito muito nobre em mãos: mostrar que a vida só acaba quanto termina. Parece ridículo, mas o poder emocional dessa narrativa mostra que precisamos ser lembrados disso todos os dias.

✰✰✰✰ (4/5)

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Próximo Red Band Society: 1x03 – Liar Liar Pants on Fire (01/10)
Próximo review: 1x06 – Ergo Ergo (05/11)

25 de set. de 2014

Person of Interest 4x01: Panopticon

Panopticon

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ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

Panóptico (em inglês, panopticon) é um conceito filosófico e arquitetônico criado pelo jurista inglês Jeremy Bentham no final do século XVIII, mas que nunca chegou a ser colocado em prática completamente. O britânico concebeu uma prisão – embora tenha dito que o modelo serviria para hospitais, escolas, sanatórios, creches e asilos – construída de forma circular, que abrigaria em seu centro uma torre de vigia da qual o proverbial guarda seria capaz de observar o interior de todas as celas, mas os presos não fossem capaz de vê-lo. Dessa forma, mesmo que o guarda não fosse capaz de observar todos os presos de uma só vez, todos eles teriam consciência que poderiam estar sendo vigiados naquele momento, e portanto se comportariam conforme as regras. É exatamente nesse tipo de situação que se encontram nossos protagonistas em “Panopticon”, apropriadamente intitulado episódio de estreia do quarto ano de Person of Interest.

Depois do explosivo e magnífico finale da temporada passada, encontramos Finch, Reese, Shaw e Root vivendo as vidas que a todo-poderosa máquina os deu para se esconder da ameaça do Samaritan. De uma forma ou de outra, todos eles encontram um universo de frustrações quando precisam se ajustar em identidades acima de qualquer suspeita, e permanecer silenciosos mesmo quando a máquina lhes dá um novo número para perseguir. Dessa vez, é Ali (Navid Negahban, conhecido dos fãs de Homeland), dono de uma loja de comunicações que se vê envolvido com uma gangue criminosa em ascensão, criando uma rede de celulares totalmente “segura” para eles, que capturam seu filho Link como garantia.

Com um guest stari forte para segurar a trama da semana, “Panopticon” pode se preocupar mais em estudar as reações de cada um dos nossos protagonistas a essa nova situação da trama. De forma muito coerente com o que vimos na temporada passada, Finch reluta em voltar a receber instruções da máquina, esse monstro-deus que ele mesmo criou. O personagem de Michael Emerson atinge seu momento mais baixo em quatro anos de trama ao admitir que não se importa mais com os números entregues pela sua criação (“It’s about survival, John”). Como de costume, a atuação de Emerson é extremamente compreensiva do personagem e absurdamente articulada nas expressões e na verbalidade – tanto que deixa transparecer aquela clássica entrelinha de Person of Interest, sempre nos mostrando que o isolamento é o pior dos pecados do homem.

Sim, essa ainda é uma série sobre o quanto somos melhores juntos, e ainda bem que o é: esse é um momento crítico para essa trama mostrar isso, deixando seus personagens muito mais à deriva do que jamais estiveram e testando sua fibra moral. O Reese de Jim Caviezel surpreende nesse sentido, desvelando o quanto o personagem merece o posto de protagonista da série ao se mostrar seu núcleo ético mais sólido. Enquanto Root continua sendo muito mais um dispositivo de trama do que uma personagem (e Amy Acker continua valentemente fazendo com que nada disso realmente importe), e Shaw perpetua algumas noções já pré-concebidas sobre sua personagem, Reese volta a ser o fio condutor de Person of Interest.

Há quem vai dizer que “Panopticon” é uma premiere típica porque devolve à série todo o status quo que ela tinha antes das chocantes reviravoltas da fase final de sua temporada passada, mas não é bem assim. Como o próprio título do episódio deixa claro, é um mundo diferente esse no qual nossos heróis estão se movimentando – e as perspectivas que isso abre continuam tão excitantes quanto eram no final de “Deus Ex Machina”. A já clássica frase de Finch nunca fez tanto sentido: “You are being watched”.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

PERSON OF INTEREST

Próximo Person of Interest: 4x02 – Nautilus (30/09)

Você precisa conhecer: Meiko, uma cantora-compositora pronta para quebrar estereótipos

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por Caio Coletti

A tradição de artistas femininas que compõe suas próprias canções e empunham um violão para cantá-las pode ter começado lá nos anos 60 com Joni Mitchell, que abriu as portas do folk e do pop acústico para as mulheres, mas a grande referência dos americanos para o “gênero” é uma só: Jewel. A artista country que estourou nos anos 90 e construiu uma carreira incomum (e muito bem-sucedida) desde então, parece ser uma pedra no sapato da jovem Meiko, uma das mais talentosas cantoras-compositoras a surgir nos últimos anos. Em entrevista para o Buzzlands L.A., a moça conta que frequentemente é perguntada se ela “soa como Jewel” quando diz que compõe ao violão.

“Jewel é a única garota na qual você consegue pensar que toca violão? Eu não sei. Eu acho que muitas pessoas estão ficando muito legais musicalmente. Adele abriu muitas portas para muitas garotas, por exemplo”, ela rebate. Com um pouco de sague japonês, Meiko apareceu para o mundo antes da estrela britânica que cita em sua entrevista – foi descoberta no MySpace em 2007, e no ano seguinte lançou o disco de estreia, auto-intitulado, pela então promissora gravadora fundada pela rede social.

Meiko emplacou várias faixas em séries de TV de sucesso. Um disco sentido e meio-amargo, sua estreia a alavancou de um trabalho como garçonete no lendário Hotel Café, em Los Angeles, para atração principal do palco do local. Ela tocou ao lado de Lenka, Sara Bareilles, Ingrid Michaelson e Rachael Yamagata, entre outras. A experiência no Hotel Café também serviu para que Meiko presenciasse shows que a influenciaram definitivamente: “O primeiro show que me encantou foi quando vi Sia pela primeira vez. Eu estava trabalhando como garçonete, e eu simplesmente parei e chorei o tempo todo. Foi tão lindo”, ela conta.

Veja abaixo o single “Boys With Girlfriends”, do primeiro disco da moça, que antecipou um pouco o tempero ousado das outras investidas da carreira. Vale destacar também, do Meiko, a linda faixa “Sleep”.

A falência da MySpace Records foi parte do problema que levou Meiko a esperar quatro anos para lançar seu segundo álbum, The Bright Side, em 2012. Na entrevista para o Buzzlands, a cantora afirmou que sente seu amadurecimento como compositora caminhar junto com o envelhecimento, e que o segundo disco é bem mais otimista que o primeiro. Escrito sob a influência de um novo amor, The Bright Side experimenta também, e muito, no campo musical. Sai de cena a dominância do violão e entram batidas influenciadas pelo R&B e pela eletrônica, o que surpreendeu muitos fãs.

“Esse é outro problema de ser jogada no gênero cantora-compositora. Você é tão doce, você canta la-la-las, e fala de amor – mas há outro lado, a influência de SWV, TLC, Mary J. Blige, e todas essas coisas antigas que eu amo. Está na minha alma. Eu adoro misturar esses elementos”, esclarece Meiko.

As tais influências podem ser sentidas de maneira decisiva no absoluto destaque do álbum, a faixa “Leave the Lights On” (abaixo). Meiko contou que foram os testes com o público, ao vivo, que levaram ela a incluir a canção no disco. “Quanto eu estava fazendo o álbum, todo mundo disse que ela não deveria estar nele. Mas quando toquei-a ao vivo, eu pude sentir que as pessoas estavam gostando. É algo que acontece, você consegue sentir quais canções vão melhor ou pior”, afirma.

Outros destaques do excelente The Bright Side são a ensolarada "Let it Go", a ácida (ironicamente) "Real Real Sweet", e a indispensável "Good Looking Loser", provavelmente nossa música preferida da carreira de Meiko até agora.

Como a moça prometeu que não iria demorar outra meia década para nos dar um terceiro disco, no próximo dia 14 de Outubro ela lança Dear You, álbum composto pelo que ela chama de “cartas nunca enviadas”. A julgar pelas já lançadas “Bad Things” (dona de um clipe engraçadinho, mas ao mesmo tempo meio perturbador) e “Be Mine” (abaixo), o conteúdo dessas cartas é mesmo muito confessional, e um pouco sombrio.

Nada como uma cantora-compositora que não tem medo de fugir dos estereótipos.

Pra quem gosta de: Sara Bareilles, Ellie Goulding, Dido, Diana Vickers

24 de set. de 2014

Review: Sleepy Hollow estreia o segundo ano nos lembrando o que a faz uma das melhores séries no ar

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ATENÇÂO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

Sleepy Hollow é a loucura mais bem controlada da televisão americana, e está começando a desafiar a própria longevidade. Na estreia da segunda temporada, exibida na última segunda-feira (22) pela FOX, a série não nos deixa esquecer de nada do que a fez uma das surpresas mais improváveis e deliciosas da última fall season: “This is War” é uma viagem alucinante, que subverte conceitos de narrativa, toma um tempo incomum para colocar à mesa todos os ingredientes do seu banquete, e mesmo assim nunca perde de vista o cerne emocional e temático de sua trama.

Nos primeiros 15 minutos de episódio, somos levados a acreditar que o roteirista Mark Goffman (já em sua sétima contribuição) começou sua trama um ano depois dos acontecimentos do finale, o que é no mínimo desesperador, considerando o cliffhanger que finalizou “Bad Blood”. Sleepy deixa o espectador se acostumar com esse grande pulo temporal para, em um dos movimentos mais audaciosos da televisão aberta americana em um bom tempo, jogar tudo de cabeça para baixo mais uma vez. Abbie ainda está no purgatório, Crane ainda está enterrado onde Henry/Jeremy/Cavaleiro da Guerra o deixou, e tudo o que vimos até aquele momento foi uma ilusão criada pelo vilão para descobrir a localização de uma “chave do purgatório”, que supostamente estava sob a tutela de Benjamin Franklin na época da Revolução.

Se o espectador pàra por dois segundos para pensar um pouco sobre tudo isso, “This Is War” é espantosamente formulaico. A virada de trama serve para deixar nossos personagens num status mais ou menos igual ao que estavam na temporada anterior – no final do episódio, nenhuma das duas mortes presumidas no finale passado realmente aconteceu, e a luta contra os demônios e as forças de Moloch continua na mera eminência. A introdução do tempo que Crane passou como aprendiz de um excêntrico Benjamin Franklin (Timothy Busfield, vencedor do Emmy por thirtysomething) serve como estepe para “refrescar” os flashbacks e introduzir mais uma versão divertidamente fantasiada de um dos pais fundadores da nação americana.

A condução do roteiro de Goffman e a mão firme dos developers Roberto Orci e Alex Kurtzman (Star Trek, O Espetacular Homem Aranha 2) não nos deixa esquecer, no entanto, da habilidade excepcional que a série tem de entreter e criar personagens absolutamente sólidos para apoiar essa loucura toda. Era de se esperar que, com uma temporada de 13 episódios para trás e uma de 18 pela frente, Sleepy Hollow eventualmente desmoronasse em algum deslize de roteiro que negligenciasse o roteiro pela pura pirotecnia visual – é fácil citar um exemplo de algo assim: a temporada Coven de American Horror Story. No entanto, a produção a FOX continua diligentemente contando sua história, não se esquecendo de desenhar motivos e evoluções para seus personagens no caminho.

Ou seja, contra todas as probabilidades imagináveis, Sleepy Hollow continua sendo uma das melhores aventuras sobrenturais/suspenses apocalípticos da televisão americana.

✰✰✰✰ (4/5)

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Próximo Sleepy Hollow: 2x02 – The Kindred (29/09)

23 de set. de 2014

The Blacklist 2x01: Lord Baltimore

THE BLACKLIST -- "Lord Baltimore" Episode 201 -- Pictured: (l-r) Krysten Ritter as Rowan, Megan Boone as Elizabeth Keen, Diego Klattenhoff as Donald Ressler -- (Photo by: Eric Liebowitz/NBC)
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ATENÇÂO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

Durante todo o seu primeiro ano, The Blacklist foi, para este que vos fala pelo menos, uma grande promessa. Em meio a roteiros meio atrapalhados e a uma miríade de problemas de caracterização de personagem que só foram percebidos e remendados com o passar dos 23 episódios que formaram o primeiro ano, a série sofreu com as dores de crescimento que boa parte dos produtos da TV aberta americana sofrem. “Lord Baltimore”, a estreia da segunda temporada, tenta com muito afinco nos dizer que o tempo de aprender passou, e que The Blacklist está pronta para se encontrar de maneira decisiva no seu elenco de protagonistas e coadjuvantes, na sua construção de trama e nas suas improbabilidades pulp. Essa première tem tudo o que se pode esperar de um episódio da série de Jon Bokenkamp, mas mostra maturidade na forma com a qual divide seu tempo de tela e elabora as jornadas de cada personagem para a perspectiva maior da temporada.

O vilão-título é um temido caçador de recompensas que rastreia a localização dos alvos através dos rastros que eles deixam no mundo digital. Red descobre de um ditador africano de meia tigela (?!) que o tal rastreador, Lord Baltimore, foi contratado por Berlin para encontrá-lo (ou será que não?). Num sinal de que The Blacklist não costuma desaprender lições, quem faz quase todo o trabalho de investigação dessa vez é o FBI, e eles chegam até a analista de segurança Rowan Mills (Krysten Ritter, yes!), que levanta a possibilidade de sua irmã gêmea, presumidamente morta, está por trás das tramoias de Lord Baltimore. O final dessa trama “da semana” é mais surpreendente do que pode se imaginar, mesmo que algumas das pistas seguidas por nossos heróis sejam pouco elaboradas em tela. A ótima atuação de Ritter, nossa eterna Chloe de Apartment 23, ajuda a vender a história de uma criminosa com transtorno de personalidade.

Os resultados das ações da personagem de Ritter são mais importantes do que o desfecho de sua trama, no entanto. Lord Baltimore guia o temido Berlin (Peter Stormare devorando o cenário em poucas e sensacionais cenas) para a ex-esposa de Red, que hoje vive sob proteção do FBI com o novo marido. A moça é interpretada por Mary-Louise Parker (ela mesma, a protagonista de Weeds), e leva jeito para personagem recorrente, uma vez que “Lord Baltimore” termina com ela nas mãos do que parece ser o grande vilão da temporada. A jornada de vingança de Berlin não é só a jogada mais pulp desse episódio de estreia, como serve também para desenhar uma linha narrativa grandiosa para a temporada, que agora só precisa manter o foco para não dar a impressão que está atirando para todos os lados, como a primeira.

O mais legal em “Lord Baltimore”, no entanto, é que em meio a esse monte de plot sobre tempo para dar aos personagens momentos de introspecção e um arco de revelação mais evidente. O Harold Cooper de Harry Lennix ganha sua jornada de recuperação física e psicológica, e o ator agradece por poder emprestar humanidade a um personagem que raramente ganhou os holofotes no primeiro ano. Até Diego Kattlenhoff, comprovadamente o ator menos competente da série, encontra o ponto certo de seu Ressler avesso à terapia indicada pelo FBI. Chega a ser redundante dizer, portanto, que Megan Boone e James Spader continuam a ser o coração da série, especialmente nas (raras) vezes em que estão juntos em cena. A dinâmica entre os dois ainda é o que The Blacklist tem que mais precioso, mas não é mais aquela luz no fim do túnel na qual tínhamos que nos agarrar para aguentar a viagem. Agora, há muitas outras vistas bacanas pelo caminho.

Observações adicionais:

- Mozhan Marnò, que foi vista em House of Cards esse ano, também dá pinta de personagem recorrente como a agente da Mossad que prende Red por alguns instantes durante o episódio. Vamos torcer para que a temporada dê continuidade à sua história, porque a moça é ótima atriz.

- “Life is too important a thing ever to talk seriously about”

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

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Próximo The Blacklist: 2x02 – Monarch Douglas Bank (29/09)

17 de set. de 2014

Masters of Sex 2x10: Below the Belt

Masters of Sex - Episode 2.10 - Below the Belt - Promotional Photos

A partir dessa segunda temporada, ao invés de fazer uma cobertura detalhada de cada episódio de Masters of Sex, O Anagrama vai trazer uma review por mês, de preferência de episódios marcantes para a continuidade da série, checando a quantas anda um dos nossos dramas preferidos.

ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

Masters of Sex está em uma jornada incansável. Desde o terceiro episódio dessa segunda temporada, o ainda imbatível “Fight”, que estamos acompanhando a série da Showtime desnudar seus personagens de quaisquer presunções (inclusive aquelas que a série reforçou durante o primeiro ano!), e nos afrontar com a realidade de cada um deles e do mundo em que eles vivem. O que traz uma luz diferente sobre cada um deles, é verdade, é a forma como eles lidam com essas realidades. Libby é uma prisioneira em um mundo cheio de grades, mas percebe que todas elas são conjuradas por seu próprio pensamento; Virginia é uma libertária em um mundo cheio de culpa, e quer que esse mundo reverta seus preceitos e concorde com ela; e Bill é um predador em um mundo onde eles são reis, mas luta contra a própria natureza porque sua mente repete que não deveria ser assim. Se Masters já era um “drama de limites” (como eu sempre o chamei) desde a primeira temporada, o que essa segunda faz é desenha-los com mais clareza – e ensaiar a forma como cada um desses personagens vai ultrapassa-los.

Dirigido por Adam Arkin (que também faz uma pequena participação no episódio, como o publicitário contratado por Bill), “Below the Belt” traz uma linguagem visual mais crua do que a que Masters está acostumado. No manual de Arkin, um diretor que vem de episódios de The Bridge e Justified, a iluminação não é sempre perfeita, os personagens nem sempre estão impecáveis, os cortes são menos elegantes e mais funcionais. É uma forma nova de enxergar essa história, e de certa forma é refrescante e visceral vê-la assim, especialmente em um episódio onde o aspecto físico é tão importante. É impossível imaginar outro diretor filmando a briga entre Bill e Frank, ou a sessão em que nosso protagonista e Virginia tentam um jogo de submissão no quarto de hotel.

Com o seu “tratamento” tendo início, é claro que Bill volta para o centro do palco nesse episódio. O roteiro de Bathseba Doran (que escreveu o 2x05, “Giants”) e Eileen Meyers (autora do 2x06, “Blackbird”) dá a Michael Sheen a oportunidade de examinar de maneira brutal da natureza do seu personagem, os efeitos do seu passado recente e longínquo, a impenetrabilidade de sua armadura, de sua determinação incansável em nunca pedir misericórdia – e é claro que o ator agarra a oportunidade com gosto e brilhantismo. Bill é acertado com muitos “golpes baixos” em “Below the Belt”, refletindo de muitas formas as metáforas de luta e os temas emocionais de “Fight” – sua vida parece minada de todos os lados e o conflito entre seus ideais avançados e seu instinto primal é mais do que evidente. “Below the Belt” advoga com a história secundária do encontro entre Lester e Barbara (Betsy Brandt está maravilhosa já há alguns episódios, deve-se dizer) que a desistência de si mesmo pode ser o maior dos pecados, mas ao mesmo tempo mostra que para Bill pode ser uma salvação.

“Below the Belt” é um daqueles episódios de Masters of Sex onde fica evidente o quanto a abordagem da showrunner Michelle Ashford e de sua equipe de roteiristas é o ingrediente especial que faz da série um dos dramas mais bem construídos (e mais importantes) no ar atualmente. De maneira parecida com “Manhigh”, o finale da temporada passada, essa décima entrada do segundo ano puxa uma das storylines até o seu momento conclusivo e deixa à mostra o quanto o processo de preparação para chegar lá é fundamental. Em Masters, o entendimento que é dado ao espectador das razões e da história de cada personagem entra em completa sintonia com uma série que pretende destrinchar as complicações da intimidade e das inter-relações sociais e emocionais entre seus sujeitos. Não poderia ser de outro jeito, mas ainda bem que Ashford e cia sabem disso. Com uma paciência que não é contemplativa, mas sim perceptiva (no sentido em que quer observar as nuances dos personagens, e não sentar e esperar o tempo de tela atribuir significado a eles), eles criaram um dos arcos de descoberta mais impressionantes e críveis do nosso tempo.

Observações adicionais:

- A história envolvendo o Dr. Langham realmente tomou um caminho surpreendente e interessante – a série parece tirar serventias para o personagem do sempre ótimo Teddy Sears da cartola.

✰✰✰✰ (4/5)

Karissa Lee Staples as Cindy in Masters of Sex (season 2, episode 10) - Photo: Michael Desmond/SHOWTIME - Photo ID: MastersofSex_210_0159

Próximo Masters of Sex: 2x11 – One for the Money, Two for the Show (21/09)
Próximo review: 2x12 – The Revolution Will Not be Televised (28/09) [SEASON FINALE]

12 de set. de 2014

Review: “Steve Zissou” é o mais comovente (e menos lembrado) filme de Wes Anderson

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por Caio Coletti

Todo mundo ama Wes Anderson. Menos os que o odeiam, é claro, mas os detratores desse texano de 45 anos não estão vivendo seus melhores momentos, para dizer o mínimo. Com o lúdico Moonrise Kingdom e o inacreditavelmente estrelado O Grande Hotel Budapeste, Anderson caiu nas graças de um público jovem que busca experiências diferentes de cinema – garantidamente, eles não são a maioria, mas não deixam de ser uma audiência poderosa nessa época de mídias sociais. A estética toda particular do diretor, seus personagens até exageradamente humanos em seus traços por vezes grotescos (mas quase sempre adoráveis), sua visão fantasiosa de histórias que tem muito a dizer sobre a realidade e o nosso sentimento em relação a ela – tudo nos filmes do americano apela diretamente para esse público.

A Vida Marinha com Steve Zissou, talvez por isso, seja um peixe fora d’água (trocadilhos a parte). Realizado em 2004, três anos depois da crítica descobrir Anderson com o ótimo Os Excêntricos Tenenbaums, outra história de amadurecimento e, principalmente, envelhecimento, A Vida Marinha usa todas as ferramentas típicas do cineasta para criar um universo diferente daquele visto em Moonrise. E isso é uma virtude, sejamos bem claros. É de se aplaudir um diretor que consegue tirar tamanha beleza da história de dois pré-adolescentes fugindo dos pais para viver um romance improvável, e contar essa história sob o filtro da inocência e do duro confronto com a realidade. É igualmente admirável que esse mesmo cineasta consiga fazer de um drama fantasioso visto pelos olhos de um homem cansado e velho uma história que valha a pena –e muito – ser contada.

A Vida Marinha é sobre sonhos, fracassos, aventuras e a inescapável prisão que é sermos nós mesmos. É, de certa forma, sobre o quão sublime a humanidade pode ser dentro de suas mesquinharias, sobre quão encantadora pode ser uma viagem de descoberta, e o quanto isso eleva o nosso espírito, mesmo que o mundo insista em nos fazer decair – fisicamente, mentalmente, socialmente. A história de Steve Zissou (Bill Murray) não é uma história de superação, exatamente.

Acompanhamos o antes celebrado explorador marinho, e toda a sua pitoresca e maravilhosa equipe, enquanto ele busca por um mítico tubarão que havia matado seu companheiro de aventuras, de cuja existência ninguém tem muita certeza. O roteiro assinado por Anderson e Noah Baumbach (Frances Ha) não se prende demais às convenções de narração, e prefere observar enquanto esses personagens passam a enxergar uma glória inesperada na sua situação de decadência.

O elenco, sempre um ponto forte nos filmes de Anderson, está cheio de ótimos intérpretes dirigidos de forma minuciosa. Murray brilha com o que pode ser sua melhor interpretação no século XXI. Esqueça Flores Partidas, esqueça Encontros e Desencontros – é com o seu egoísta, mesquinho e desorientado Steve Zissou que ele encontra o melhor do seu método minimalista, construindo de maneira cuidadosa um personagem sólido que não é um anti-herói, porque seria preciso um conflito moral para sê-lo. Na atuação de Murray, “certo” e “errado” se apagam e o que sobrevive no centro do filme é um protagonista extremamente humano, pelo qual é muito difícil não se apaixonar. O restante do cast segue sua deixa e entrega performances com timing cômico perfeito (Willem Dafoe, quem diria!) e entendimento de personagem ainda mais aguçado. A sempre excepcional Anjelica Huston é uma coadjuvante particularmente merecedora de nota com a sua Eleanor irascível e poderosa.

A trilha sonora, em parte composta por versões em português (!) de músicas de David Bowie (!!) cantadas por Seu Jorge (!!!), que também faz parte do elenco (!!!!), é um achado; a fotografia assinada por Robert Yeoman, fiel escudeiro de Anderson desde Pura Adrenalina, de 1996, é o show de composições visuais de sempre, trazendo aquela tão conhecida sensação de deslocamento dos filmes do diretor. É apropriada essa linguagem aqui – assim como todos os filmes do texano, A Vida Marinha é uma história de outsiders. Não é sobre encontrar o sucesso e a aprovação, porque isso seria uma traição de tudo o que os filmes de Anderson representam para a geração que os adora, mas é sobre perceber que existe um senso de encantamento e aventura na vida, se você a olhar de longe, contemplando o quadro completo. Talvez essa seja a intenção nobre de todos os filmes do diretor, mas A Vida Marinha com Steve Zissou é aquele que a completa de forma mais apaixonante.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

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A Vida Marinha com Steve Zissou (The Life Acquatic with Steve Zissou, EUA, 2004)
Direção: Wes Anderson
Roteiro: Wes Anderson, Noah Baumbach
Elenco: Bill Murray, Owen Wilson, Cate Blanchett, Anjelica Huston, Willem Defoe, Jeff Goldblum, Michael Gambon, Noah Taylor, Bud Cort, Seu Jorge
119 minutos