Review: Dirty Computer (álbum e filme)

Janelle Monáe cria a obra de arte do ano com um álbum visual espetacular - e que desafia descrições.

Os 15 melhores álbuns de 2017

Drake, Lorde e Goldfrapp são apenas três dos artistas que chegaram arrasando na nossa lista.

Review: Me Chame Pelo Seu Nome

Luca Guadagnino cria o filme mais sensual (e importante) do ano.

Review: Lady Bird: A Hora de Voar

Mais uma obra-prima da roteirista mais talentosa da nossa década.

Review: Liga da Justiça

É verdade: o novo filme da DC seria melhor se não tivesse uma Warner (e um Joss Whedon) no caminho.

21 de out. de 2015

Review: O novo “Peter Pan” é uma má ideia – mas ganha alguns pontos pela execução

New-pan-poster

por Caio Coletti

Há algo especial na história de Peter Pan, uma figura cultural que muita gente talvez não apostasse que fosse sobreviver tanto tempo no imaginário popular. Criado no começo do século passado (a primeira aparição de Peter foi em 1902) pelo escocês J.M. Barrie, imortalizado em uma dezena de adaptações para o cinema e para a TV, especialmente o desenho animado da Disney dos anos cinquenta, Peter tem sido, há mais de 100 anos, a representação dominante da delícia e da tragédia da infância, ao mesmo tempo um receptáculo para as nossas fantasias de nunca envelhecermos e uma prova viva do gostinho agridoce dessas fantasias. Há certa pureza em histórias como essa, em símbolos ficcionais como Peter, que sobrevive para além de tendências narrativas e modismos de gênero de Hollywood e das outras indústrias do entretenimento, e talvez seja por isso que seja tão incômodo ver a história que conhecemos ser encaixada em um paradigma tão preguiçoso quanto o que guia esse novo Peter Pan, que chegou aos cinemas no último dia 08 de Outubro.

No roteiro assinado por Jason Fuchs (A Era do Gelo 4), o personagem clássico criado por Barrie “finalmente” ganha uma história de origem, exatamente como a de todos os super-heróis que inundam os multiplexes mundo afora. Além disso, o líder dos garotos perdidos se envolve com a tribo de nativos da Terra do Nunca e descobre a existência de uma profecia que fala de um “garoto voador”, uma espécie de messias que livrará a ilha mágica do domínio malévolo de Barba Negra (Hugh Jackman). Coloque na mistura a busca de Peter pela mãe, que pode não ter realmente morrido, e você tem uma gênese de personagem que poderia muito bem figurar em qualquer história distópica de literatura young adult contemporânea. O script estrutura uma narrativa que joga com conceitos familiares e não se importa muito em criar um contexto mais criativo para eles, ao menos não em um nível mais do que superficial – vide os bizarros números musicais (que incluem “Smells Like Teen Spirit”, do Nirvana; e “Blitzkrieg Bop”, dos Ramones) e o estranho clima de Oliver Twist das cenas passadas no orfanato dirigido por freiras no qual Peter começa sua jornada.

Com um roteiro desses em mãos, o britânico Joe Wright, um dos mais distintivos e inteligentes talentos de sua geração, fica renegado à posição de comandante de blockbuster, o que não significa que ele não adicione um pouco de brilho aos procedimentos. Pan é, afinal, um filme visualmente genioso, com o senso esperto de teatro do homem que fez a sucessão de cenários e jogos de cena funcionar no peculiar Anna Karenina, e o bom gosto estético do diretor que adaptou Orgulho & Preconceito em um dos filmes mais classudos e delicados do nosso tempo. Do campo de batalha colorido que emerge quando piratas e nativos se enfrentam até as acrobacias desafiadoras da gravidade do vilão interpretado com garra e vontade por Jackman, passando pelos visuais elaborados em tons mais neutros das partes passadas no orfanato e na enorme mina de pó-de-fada (não pergunte) comandada pelo vilão, Wright respira criatividade visual em um filme que não a contrapõe com boas ideias narrativas. É um esforço admirável, mas em última instância fútil.

O mesmo vale para as atuações de Jackman e do carismático Levi Miller, um menino-prodígio que já estrelou campanhas para a Ralph Lauren e agora mostra que, dadas as escolhas certas na carreira, tem futuro no cinema. O australiano Miller faz seu Peter Pan com as doses certas de inocência e travessura, entende quando retratá-lo como um personagem em crescimento (por mais irônico que pareça) e quando mostrar flashes da personalidade maior-que-a-vida e irritantemente conquistadora que ficou eternizada no clássico da Disney. As escolhas certas do protagonista quase (quase) salvam a construção da trama da mediocridade, mas aí somos lembrados que esse é um filme em que a tribo de indígenas da Terra do Nunca é repaginada com uma princesa branca (Rooney Mara) e um ou outro integrante de etnia diferente, mesmo que os costumes e estilo de vida sejam um retrato estereotípico dos nativos-americanos.

Em certos sentidos, portanto, Pan é até ofensivo. Na maior parte do tempo, porém, é apenas uma carga anormalmente pesada de más ideias hollywoodianas, com a adição de um diretor temperamental e interessante para fazê-la funcionar, ao menos em alguns níveis. E onde mais falha é em capturar tanto a magia quando a tragédia do personagem que pretende redefinir, mesmo que ele claramente não precise de uma redefinição.

✰✰✰ (2,5/5)

552feca1fd1bd165071988f3_pan-garrett-hedlund-rooney-mara-levi-miller-hugh-jackman

Peter Pan (Pan, EUA/Inglaterra/Austrália, 2015)
Direção: Joe Wright
Roteiro: Jason Fuchs
Elenco: Levi Miller, Hugh Jackman, Garrett Hedlund, Rooney Mara, Adeel Akhtar, Nonso Anozie, Amanda Seyfried, Kathy Burke, Cara Delevigne
111 minutos

19 de out. de 2015

Uma revolução chamada “The Killing”: Como a série do Netflix subverteu todas as expectativas

The-Killing-Season-4

por Fabio Christofoli

Não lembro muito bem como surgiu a vontade de assistir The Killing. Provavelmente tenha sido por causa do selo do Netflix no banner da série. Afinal, dificilmente o Netflix me decepciona. Existe uma pequena probabilidade de eu ter escutado alguém falar sobre a série, mas se isso aconteceu, eu esqueci completamente quem me falou ou o que foi dito. O que importa é que alguma força me levou a buscar, dar o play e prestar atenção. A partir daí dei início a um vício que só seria curado após uma maratona de um final de semana inteiro.

Vamos começar esse texto com sinceridade: o começo de The Killing é clichê. Um assassinato, um mistério, policiais e rosquinhas. Tudo isso já vimos várias e várias vezes. Então o que me chamou tanto atenção nessa série? Confesso que saber quem matou Rosie Larsen foi o que me levou a ver os capítulos iniciais de forma frenética. O suspense da série é fantástico. O lance de cada episódio ser um suspeito diferente também (quer dizer, isso cansa um pouco, mas é legal como vai variando e nos convencendo de que sim, é o cara da vez). Mas aí vem o lance genial, que desagradou os telespectadores desatentos mas que me fez pensar “que série sensacional”: o que você pensava que ia acontecer, não acontece quando você pensava que iria acontecer.

Isso foi um divisor de águas. Provavelmente por falta da audiência (fãs rebeldes e sem paciência), a série foi cancelada na segunda temporada, mas “salva” na terceira pelo Netflix , que financiou alguns episódios. Aí sofreu mais um cancelamento e novamente foi salva pelo streaming, que dessa vez disse “deixa que nós produzimos tudo”. E isso, meus amigos, foi revolucionário. Não sei se é a primeira vez que isso acontece, mas é a primeira vez que eu vejo: a história a ser contada é mais importante que os enganadores números da audiência.

O final da primeira temporada de The Killing ousa dizer não a um público faminto por respostas. Se eu fiquei indignado sabendo que tinha todas temporadas disponíveis, imagino como não deve ter sido a reação de quem teve que esperar um ano para ter saber a resolução do mistério. E você sabe, as sociedade atual está apressada demais para esperar.

Ao longo da segunda temporada que percebi que a série não fala somente sobre um assassinato. Ela vai além, investindo muito na construção dos personagens em volta desse assassinato. Neste caso, a resolução (por mais que seja ansiado e que tenha servido como isca) vai ficando de lado.

Quantas vezes você vê roteiristas arriscarem tanto?

Nas temporadas seguintes temos a conclusão de coisas que ficaram pendentes. De certa forma, Holder e Linden não são bons policiais. Podem ter uma boa intuição, boas intenções e até alguma sabedoria, mas para trabalhar com homicídios é necessário controle emocional. E volta e meia eles perdem isso, colocando tudo a perder. Existe aí uma profundidade, uma humanidade raramente explorada pela televisão e cinema. Os personagens são imperfeitos ao mesmo tempo que são coerentes em suas personalidades. Ao perceber isso veio um alívio de uma mente cansada de tantas tramas boas que pecam na construção do personagem – mas que são sustentados pela história e/ou pela nossa ânsia de uma solução e desfecho.

Não sei se você assistiu The Killing ou se vai assistir. Não sei também se vai assistir por causa desse texto e depois esquecer como eu esqueci o que me levou à série. Não importa, apenas leve esse conselho (se possível): veja além do que é oferecido no começo. Você vai ganhar bem mais do que a simples solução de um mistério. Vai assistir ao começo de uma revolução midiática.

Sarah Linden (Mireille Enos) and Stephen Holder (Joel Kinnaman) - The Killing _ Season 3 _ Gallery - Photo Credit: Frank Ockenfels 3/AMC

12 de out. de 2015

Mutant and proud: Um ranking dos 10 filmes dos X-Men da Fox, do pior ao melhor

NEIYcQrTuuf5MJ_1_a

por Caio Coletti

No último dia 18 de Agosto, o lançamento de X-Men: O Filme no Brasil completou 15 anos. Reconhecido como marco do cinema de quadrinhos do século XXI, o filme inicial de Bryan Singer, que vinha com reputação limitada a obras indie como Os Suspeitos e O Aprendiz, deu início não só à mania e à sequencia de adaptações bem-sucedidas de personagens da Marvel (com um ou outro fracasso aqui e ali), como também a uma série cinematográfica que hoje ostenta respeitáveis 10 títulos. Vale a pena revisar os trancos e barrancos através dos quais a 20th Century Fox segurou os direitos do supergrupo de mutantes consigo mesmo depois do surgimento da Marvel Studios como o gigante do cinema que é hoje.

Cronologicamente, a sequência é a seguinte: X-Men – O Filme (2000), X-Men 2 (2003), X-Men: O Confronto Final (2006), X-Men Origens: Wolverine (2009), X-Men: Primeira Classe (2011), Wolverine: Imortal (2013), X-Men: Dias de um Futuro Esquecido (2014), Deadpool (2016), X-Men: Apocalipse (2016) e Logan (2017). Para essa nossa retrospectiva, no entanto, resolvemos tomar um caminho diferente, e rankeamos todos os filmes de acordo com a nossa opinião da qualidade deles, começando do pior. Nada como salvar o melhor para o final, não é?

wolverine_poster_02

10.
X-Men Origens: Wolverine
(X-Men Origins: Wolverine, EUA/Inglaterra, 2009)
Direção: Gavin Hood
Roteiro: David Benioff, Skip Woods
Elenco: Hugh Jackman, Liev Schreiber, Danny Huston, Will.i.am, Lynn Collins, Devin Durand, Dominic Monaghan, Taylor Kitsch, Ryan Reynolds, Troye Sivan, Patrick Stewart
107 minutos

Boatos dão conta que David Benioff (Game of Thrones) escreveu a primeira versão de X-Men Origens: Wolverine com uma história e uma elaboração muito mais sombria e meditativa do que a vemos em tela no filme assinado por Gavin Hood (O Jogo do Exterminador). Uma pena, portanto, que na altura de 2009 os executivos da 20th Century Fox estavam muito mais no comando da franquia do que qualquer diretor ou roteirista poderia, e que o filme planejado não tenha visto a luz do dia. Ao invés disso, o estúdio chamou Skip Woods (Swordfish) para repaginar o script, deixando como resultado uma colcha de retalhos que tenta se prender à história de origem de seu protagonista e acertar as múltiplas introduções a novos mutantes que aparecem, mas erra e muito ao deixar de lado a discussão ideológica que é marca dos filmes dos X-Men e colocar no lugar dela uma psicologização batida e pouco penetrante do Wolverine. Há quem diga que o personagem funciona melhor como um enigma, e por isso Origens é um descrédito a ele, mas a verdade é que uma história de origens bem contada, original e esperta, como provavelmente seria a imaginada por Benioff, não lhe faria mal. No mínimo, daria mais direção à atuação de Hugh Jackman, que se recusa a decolar aqui apesar da familiaridade com o personagem – é difícil levar no carisma e na linguagem corporal um personagem que é escrito de forma tão rasa e tão pouco imaginativa pelo roteiro. O Wolverine de Origens não tem nada do Wolverine que conhecemos nos filmes anteriores dos X-Men, e talvez esse seja o grande pecado do filme feito em 2009.

Dito isso, o diretor Hood e seus comparsas criativos mantiveram algumas cartas na manga mesmo quando o estúdio tomou controle da direção em que a franquia deveria ir. A escalação do elenco, por exemplo, é quase toda primorosa: Liev Schreiber se diverte à beça como um Sabertooth muito mais humanizado que aquele feito por Tyler Mane no primeiro filme de 2000, embora mantenha o comportamento animalesco e a verve maligna de um vilão nada ambíguo; Taylor Kitsch tem o tipo de charme certo para ser o Gambit, mesmo que o filme não lhe dê muito tempo para desenvolver o personagem além dos supostamente impressionantes poderes que lhes são particulares; e embora preso nos limites entediantes de um Coronel Stryker muito menos convincente que aquele de X2, Danny Huston é sempre um prazer de se assistir. Origens acompanha o mutante canadense em uma trama convoluta que começa na descoberta de seus poderes e termina no momento, depois de ter adamantium injetado no esqueleto, em que ele perde a memória. As reviravoltas e cenas de ação de uma ponta a outra conseguem se manter completamente esquecíveis, formando um inofensivo blockbuster para um personagem que, de inofensivo, não tem nada.

✰✰✰ (2,5/5)

The_Last_Stand_poster1

9.
X-Men: O Confronto Final
(Canadá/EUA/Inglaterra, 2006)
Direção: Brett Ratner
Roteiro: Simon Kinberg, Zak Penn
Elenco: Hugh Jackman, Halle Berry, Ian McKellen, Patrick Stewart, Famke Janssen, Anna Paquin, Kelsey Grammer, James Marsden, Rebecca Romijn, Shawn Ashmore, Aaron Stanford, Vinnie Jones, Ellen Page, Daniel Cudmore, Ben Foster
104 minutos

Quando o diretor Bryan Singer anunciou que não iria dirigir o novo filme dos X-Men para se concentrar em Superman – O Retorno, o pânico foi generalizado. O diretor de Os Suspeitos, afinal, tinha sido a fundação essencial para que os dois filmes anteriores funcionassem como funcionaram, tanto com a crítica quanto com o público, e a memória do espetacular X2 ainda vivia forte entre os cada vez mais numerosos fãs de filmes de super-heróis. A Fox, em resposta, chamou Brett Ratner, conhecido pela mão leve em blockbusters como A Hora do Rush e Dragão Vermelho, geralmente acertando bem o tom dos filmes que completa sem, no entanto, lançar mão de grandes arroubos visuais, estilísticos ou narrativos. Em suma, Ratner foi contratado porque era (e ainda é, largamente) um diretor competente sem personalidade, e é aí que começou o erro da Fox com a franquia que tinha em mãos. A verdade é que X-Men não comporta um diretor sem personalidade, porque seus temas e discussões são naturalmente impositivos no sentido narrativo, e uma direção no piloto automático só funciona na mais superficial das camadas da aventura sci-fi que é O Confronto Final. Confiante no potencial mercadológico dos mutantes, a Fox decidiu que os roteiristas Simon Kinberg (Sherlock Holmes) e Zak Penn (O Incrível Hulk) teriam como missão prioritária introduzir o maior número de novos mutantes possível, e resolver os problemas orçamentários de possíveis futuros filmes dos mutantes ao diminuir consideravelmente o número de personagens advindos dos filmes anteriores. A Fox não queria bancar todos os astros cada vez mais caros do elenco original, e caso tivesse dado certo, O Confronto Final seria uma mão na roda para o estúdio – é claro, não foi bem assim.

O filme combina elementos de duas sagas dos quadrinhos: a que trata da ressurreição de Jean Grey (Famke Janssen) como a Fênix; e a que narra os efeitos da descoberta de um mutante (Cameron Bright) capaz de cancelar os poderes dos outros, e cooptado pelo governo como a “cura” para o mal do gene X. Ratner e cia. apertam essas duas tramas fatídicas para o destino dos nossos heróis em apressados 104 minutos, mas impressionantemente arranjam espaço (e tempo) para incluir storylines que levam literalmente a lugar nenhum (notadamente a introdução de Angel, feito por um desperdiçado Ben Foster) e trocam os takes inteligentes de Singer na direção por cortes gratuitos para mutantes desconhecidos mostrando a extensão de seus poderes. O instinto de Ratner como cineasta é “dar ao público o que ele quer”, e pouco mais além disso – e o resultado é um filme que não ajuda seus atores a construir os personagens (mesmo assim, Famke Janssen faz um trabalho impressionante), jamais ultrapassa as formas mais rasas de discussão sobre as metáforas das histórias do mutantes, e entrega cenas de ação impressionantes, mas eventualmente esquecíveis. O Confronto Final, em suma, é tudo o que aprendemos a odiar nos mais inócuos blockbusters hollywoodianos, em uma série que sempre se esforçou para ser o contrário deles.

✰✰✰ (3/5)

2945460-the-wolverine-poster

8.
Wolverine: Imortal
(EUA/Inglaterra/Austrália/Japão, 2013)
Direção: James Mangold
Roteiro: Mark Bomback, Scott Frank
Elenco: Hugh Jackman, Tao Okamoto, Rila Fukushima, Hiroyuki Sanada, Svetlana Khodchenkova, Famke Janssen, Ian McKellen, Patrick Stewart
138 minutos

Na tentativa de redimir toda a construção errada que guiou Origens em 2009, e de olho no bom resultado que Primeira Classe fez em 2011 ao trazer uma equipe nova e talentosa para o time de criação, a Fox apostou na dupla de roteiristas Mark Bomback (Duro de Matar 4.0) e Scott Frank (Minority Report) para adaptar a saga dos quadrinhos em que logan visita o Japão e encontra mais do que uma lembrança antiga por lá. O resultado foi Wolverine: Imortal, o filme da franquia que mais notavelmente se sustenta sem o apoio dos que o precederam, e também o mais discordante de tom e abordagem de personagem. De certa forma, é refrescante ver que Bomback e Frank vêem Wolverine como um herói de western das antigas, uma releitura do Estranho Sem Nome de Clint Eastwood, e aplicam esse estado de espírito em um filme que o insere em um contexto cultural novo, além de abusar da oportunidade para mostrar nosso herói passando por um processo de culpa e pesar pela morte de Jean Grey, que aparece em sonhos (de novo encarnada por Famke Janssen) para assombrá-lo. Por outro lado, o que ocorre é que Imortal herda também do faroeste americano todos os vícios e equívocos particulares a um exemplar típico do gênero, o que significa que sua atitude em relação às personagens femininas é terrível (ou são víboras – literalmente –, ou acessórios para a jornada do herói), e a imagem de Wolvie aparece muito mais petulante e menos identificável do que em filmes anteriores.

O filme é, portanto, uma salada mista. Jackman está na melhor forma física que já apresentou na pele do personagem, e navega pelos sentimentos mais sombrios do roteiro com perícia, modulando Logan para que entendamos e nos envolvamos com sua jornada de personagem. Todos os coadjuvantes, no entanto, são meras sombras que o seguem, sem um arco de desenvolvimento significativo ou algo além de carisma superficial (que é o que a Yukio da estreante Rila Fukushima, mais tarde escalada em Arrow, tem de sobra). Imortal faz um favor a si mesmo ao não tentar tocar nos mesmos temas dos outros filmes dos X-Men, se localizando bem como a jornada isolada de um personagem passando por um processo de descobrimento e reestruturação após uma tragédia. A fraquíssima trama romântica que ensaia entre Wolverine e Mariko (a bela e delicada – até demais – Tao Okamoto), no entanto, não se faz registrar como nada além de uma exigência estúpida do estúdio, que não conseguia visualizar um filme do “garanhão” feito por Jackman sem um par romântico. James Mangold (Garota, Interrompida) tem o olho certo para ação e cria sequências cinéticas e visualmente criativas, mas não é cineasta o bastante para fazer milagres com os defeitos do roteiro. Ele está atrelado ao terceiro (e ostensivamente último) filme do Wolverine, marcado para 2017.

✰✰✰✰ (3,5/5)

x-men-1-poster

7.
X-Men: O Filme
(X-Men, EUA, 2000)
Direção: Bryan Singer
Roteiro: David Hayter
Elenco: Hugh Jackman, Patrick Stewart, Ian McKellen, Famke Janssen, James Marsden, Halle Berry, Anna Paquin, Tyler Mane, Ray Park, Rebecca Romijn, Bruce Davison, Shawn Ashmore
104 minutos

Revendo o primeiro X-Men agora, à luz das dezenas de filmes de super-heróis baseados em quadrinhos (ou não) que o seguiram, a obra que Bryan Singer lançou em 2000 parece um filme tímido. Seu envolvimento com a mitologia é mínimo, desvendando para o espectador apenas os pedaços absolutamente essenciais para o arranjo da trama; suas cenas de ação são restritivas, embora mantenham ainda hoje muito do charme e da eficiência que levou o público a lotar as salas de cinema; sua caracterização dos personagens é muito mais absoluta e “rabiscada” do que estamos acostumados a ver nos filmes de origem de hoje em dia. É preciso levar em conta, no entanto, que X-Men chegou aos cinemas numa época em que não haviam grandes filmes de super-heróis no circuito, e que a modesta metragem do filme (104 minutos) exige que Singer e o roteirista David Hayter (Watchmen) espremam várias definições de universo e personagem na mesma ágil narrativa, o que explica pelo menos em parte os contornos largos dados a figuras que seriam mais desenvolvidas no futuro. O bônus é que pudemos ver Ian McKellen devorando cenários como um Magneto muito mais megalomaníaco e cheio de autoridade do que o que esteve nos outros filmes, que analisaram mais de perto da relação cheia de ambiguidades e contradições entre ele o Charles Xavier feito pelo sempre imponente Patrick Stewart. O primeiro X-Men, como todos os dirigidos por Singer, entende que a história do confronto entre esses dois líderes é uma história sobre preconceito e as reações que ele causa – a diferença desse para os outros filmes feitos por Singer é que não há muito tempo para desenvolver a relativização das ações do “vilão” e do “mocinho” da trama.

O clima de dinamismo do roteiro não atrapalha a direção sempre compenetrada e cuidadosa de Singer, no entanto. X-Men é um filme brilhantemente encenado, com direção de atores primorosa que os faz encarnar os personagens da forma mais completa possível, aproveitando bem os poucos minutos de tela que muitos deles ganham. Stewart e McKellen brilham mais porque estão no centro da discussão moral da trama, e por isso ganham diálogos mais “substanciais”, mas o elenco todo é essencial para que a introdução aos mutantes funcione da forma ágil como foi concebida aqui. Hugh Jackman, Halle Berry, Famke Janssen, Anna Paquin e Rebecca Romijn marcaram tanto seus respectivos personagens que a série precisou introduzir um elemento de viagem temporal para justificar a escalação de outros atores para viver os mesmos personagens. Sem o impacto conceitual e narrativo de seu sucessor, mas anos-luz à frente de alguns dos outros filmes que se seguiram, X-Men foi um começo auspicioso para a franquia, e deve ser saudado como um marco histórico no gênero que fez popular.

✰✰✰✰ (4/5)

deadpool-poster2

6.
Deadpool
(EUA/Canadá, 2016)
Direção: Tim Miller
Roteiro: Rhett Reese & Paul Wernick
Elenco: Ryan Reynolds, Karan Soni, Ed Skrein, T.J. Miller, Morena Baccarin, Gina Carano, Leslie Uggams
108 minutos

Há uma parte obscura do fandom dos filmes de heróis que adorou Deadpool, e o levou a um sucesso imenso de mais de US$700 milhões no mundo todo, por todas as razões erradas. Celebrado por ser “politicamente incorreto” e “metalinguístico”,Deadpool é um empreendimento bem mais complexo do que o que se diz dele faz parecer. A incorreção política de seu protagonista não existe aqui como uma virtude, e sim como uma parte de sua natureza cínica que coloca o “anti-“ em sua denominação de “anti-herói”. Deadpool é constantemente engraçado, e apenas em alguns momentos ofensivo – e esses momentos são menos tropeços de roteiro e mais caracterização intencional. Deadpool não quer que torçamos por seu herói da forma como torcemos pelos X-Men; o mundo que o filme apresenta é mais sujo, mais niilista e mais banal, que se leva muito menos a sério. Um adjetivo que os adoradores do mercenário parecem ter acertado é “inovador”, porque de fato Deapool quebra convenções e tons com muito mais abandono do que os filmes de super-heróis discretamente subversivos que foram feitos no último par de anos. A metalinguagem e a conversa com o público faz parte dessa inovação, assim como os pulos temporais que criam uma trama que parece muito mais complexa do que realmente é. Uma história de origem, vingança e paixão bem convencional com algumas brincadeiras estruturais ainda pode criar um belo pedaço de cinema e narrativa, ao que parece.

Dizer que Reynolds “nasceu” para o papel é subestimar o seu trabalho tanto aqui quanto em outros cantos da carreira. O ator já mostrou por A+B que encara personagens diferentes e interessantes com a cara e a coragem, e mesmo que Deadpool o coloque em território mais familiar com seu humor rápido e ácido, o ator canadense se faz também uma rocha de humanidade sobre a qual o filme pode apoiar sua narrativa e seus malabarismos cômicos. Deadpool é um filme que quer funcionar em dois níveis: primeiro, uma envolvente história de origem que coloca seu protagonista como um homem desesperado que, compreensivelmente, quer vingança pela forma como alguns se aproveitaram desse desespero; segundo, uma enorme zoação conceitual em cima do gênero de super-heróis, da sua retidão moral, da sua “seriedade”. Deadpool tem muito a dizer, mas não quer gritar a plenos pulmões – existe nas entrelinhas, enquanto faz o espectador rir na superfície.

✰✰✰✰ (4/5)

91LLEEEOq9L._SL1500_

5.
X-Men: Dias de um Futuro Esquecido
(X-Men: Days of Future Past, EUA/Inglaterra, 2014)
Direção: Bryan Singer
Roteiro: Simon Kinberg
Elenco: Hugh Jackman, James McAvoy, Michael Fassbender, Jennifer Lawrence, Halle Berry, Nicholas Hoult, Anna Paquin, Ellen Page, Peter Dinklage, Shawn Ashmore, Omar Sy, Evan Peters, Josh Helman, Daniel Cudmore, Bingbing Fan, Ian McKellen, Patrick Stewart, Famke Janssen, James Marsden, Lucas Till, Kelsey Grammer
149 minutos

Além de marcar o retorno de Bryan Singer para a franquia depois de experiência com a DC (Superman – O Retorno) e com Tom Cruise (Valkyrie), Dias de Um Futuro Esquecido é, em muitos sentidos, um “filme de correção”. Não só correção de curso por praticamente desfazer, com seus paradoxos temporais, todos os acontecimentos de O Confronto Final, mas correção também por deixar clara a ponte entre os personagens que acompanhamos na trilogia original e os que iremos acompanhar a partir de agora, na continuação da timeline iniciada em Primeira Classe. Ocupado com todas essas elaborações, o roteiro de Simon Kinberg, mesmo com 2h30 de metragem em mãos, não tem tempo para equilibrar cenas de ação, introdução de uma mão cheia de novos personagens, construção emocional de arcos coerentes para os que já conhecíamos, e elaboração temática. Naturalmente, é esse último aspecto que sai perdendo, ainda que Dias de Um Futuro Esquecido se preocupe muito mais com suas ideologias e ambiguidades do que qualquer dos filmes que o precedem nessa lista. O embate entre Magneto e Charles na storyline passada nos anos 70, em contraste com a madura relação apresentada entre as versões mais velhas dos personagens, traz uma perspectiva valiosa ao relacionamento de trégua dentro da discordância que caracteriza esses dois líderes, às suas maneiras, de uma mesma fatia oprimida da humanidade. Se há algo que Dias de um Futuro Esquecido faz melhor que seus companheiros de franquia, portanto, é nos mostrar o que há de mais humano nos mutantes.

A combinação do elenco antigo com o novo também é de arrepiar. James Mcavoy se aproveita das generosas doses de conflito que o roteiro entrega para seu Xavier e constrói uma atuação que não se afasta da veia dinâmica que ele encontrou em Primeira Classe, mas sem dúvida nos leva mais fundo nesse personagem que começou a ser construído pelo gigante Stewart, é claro, mas que encontrou em McAvoy o intérprete certo para se tornar o centro nervoso da franquia. Xavier é um Messias falho, quase um anti-herói, e o roteiro não tem vergonha de nos mostrar que sua infância de privilégios, embora não mude o fato de que se trata de um ser humano tremendamente compassivo e empático, o fez também imune para a revolta e a indignação profunda que recorre em Magneto e seus aliados, mesmo os mais questionadores como Mística. Por falar nela, Jennifer Lawrence toma conta do personagem aqui, se sentindo confortável na pele de Raven e trazendo bagagem emocional e um elemento de imprevisibilidade para o filme – exatamente como a personagem fazia nos quadrinhos. Em meio a Fassbender, Jackman, Stewart, McKellen, Nicholas Hoult e companhia, o Mercúrio bem-humorado de Evan Peters (American Horror Story) é quase uma nota de rodapé. E quando um filme pode deixar um personagem carismático como o construído por Peters nessa posição, tal filme certamente não deve ser subestimado.

✰✰✰✰ (4/5)

X-Men-First-Class-Poster-06

4.
X-Men: Primeira Classe
(X-Men: First Class, EUA/Inglaterra, 2011)
Direção: Matthew Vaughn
Roteiro: Ashley Miller, Zack Stentz, Jane Goldman, Matthew Vaughn
Elenco: James McAvoy, Michael Fassbender, Kevin Bacon, Rose Byrne, Jennifer Lawrence, Oliver Platt, Jason Flemyng, Zoë Kravitz, January Jones, Nicholas Hoult, Caleb Landry Jones, Lucas Till, Matt Craven, Hugh Jackman, Rebecca Romijn
132 minutos

Ambientado nos anos 1960 e com uma reconstituição de época esperta que privilegia o ambiente político, Primeira Classe é o elemento divergente dentro do “padrão” da série dos X-Men no cinema. Não por acaso, é também o filme que resgatou a franquia da desgraça crítica (e até comercial) que recaiu sobre O Confronto Final e Origens: Wolverine, e o fez ao renovar o time criativo por trás da série e apostar em um autor/diretor cheio de personalidade. O britânico Matthew Vaughn já foi parceiro de Guy Ritchie (Sherlock Holmes), mas desde a estreia na direção em 2004, com o filme de gângster Nem Tudo é o Que Parece, se mostrou um habilidoso estilista cinematográfico, criando aventuras divertidas e refrescantes em cima de padrões cansados. Aqui, ele e os parceiros de roteiro Ashley Miller e Zack Stentz (Thor), além da frequente colaboradora Jane Goldman (Stardust), tecem uma descomplicada história emocional das origens dos líderes mutantes que conhecemos nos filmes anteriores. Magneto e Professor X são só Erik Lensherr e Charles Xavier aqui, e a escalação de Michael Fassbender e James McAvoy, mostrando insuspeita química, é o primeiro de muitos golpes geniais dados por Vaughn e sua equipe. Ao contrário de Origens: Wolverine, a volta no tempo de Primeira Classe não vem para descaracterizar personagens e jogar aparições especiais no ar para “agradar” (com muitas aspas) os fãs – nesse filme de 2011, os limites da série que o precedeu são respeitados, e a condução é mais discreta, procurando (e encontrando) propósito emocional e temático em mostrar o começo da relação entre Charles e Erik, e entre os mutantes e o governo/a sociedade.

O clímax envolvendo a crise dos mísseis em Cuba e toda a elaboração histórica acerca da Guerra Fria são ao mesmo tempo divertidos (no sentido que dão um twist de ficção a acontecimentos reais, incluindo-os no universo dos mutantes) e inteligentes, se conectando com o tema de preconceito e medo do “outro”, aprofundado aqui pela inclusão de personagens mais diversos racialmente. O roteiro pega pesado ao mostrar que os personagens que são parte de uma minoria ou de um grupo oprimido, entre eles a latina Angel (Zoe Kravitz), veem de forma diferente o embate entre humanos e mutantes que parece latente quando o governo começa a reunir todos os portadores do gene X conhecidos. O arco de personagem de Magneto é impressionante, e ao mesmo tempo desenhado de forma muito natural pelo roteiro, e o filme se conecta com elegância às características dos personagens que conhecemos na saga anterior. Vaughn conseguiu fazer um filme personalíssimo que se encaixa como uma luva, ao mesmo tempo, em uma grande franquia comercial de Hollywood. Não é missão para qualquer um, especialmente dentro de uma história com temas tão espinhosos e importantes quanto a dos X-Men – mas o britânico tira de letra.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

3.
Logan (EUA/Canadá/Austrália, 2017)
Direção: James Mangold
Roteiro: Scott Frank, James Mangold, Michael Green
Elenco: Hugh Jackman, Dafne Keen, Patrick Stewart, Boyd Holbrook, Stephen Merchant, Richard E. Grant
137 minutos

Há algumas verdades simples sobre a história dos X-Men e, especialmente, o personagem de Wolverine, que Logan entende muito bem, talvez melhor que qualquer outro filme da franquia. Entre elas: a fundamental fragilidade da atitude de “lobo solitário” do mutante canadense, e a importância da noção de comunidade para o progresso social frente a obstáculos aparentemente instransponíveis. O filme de James Mangold espertamente mistura essa mitologia a do western americano em um filme em que vemos um Logan envelhecido, cuidado de um Professor Xavier ainda mais fragilizado, em um futuro que não vê o nascimento de um mutante há mais de 20 anos. É nesse contexto que eles encontram Laura (a jovem e talentosa Dafne Keen), que misteriosamente demonstra poderes parecidos com os de Logan – e que tem uma organização governamental violenta em seu encalço. A trama então se transmuta em um curioso road movie sobre paternidade, as marcas indeléveis da violência e o direito daquilo que é considerado “velho” de existir em um mundo que não o considera mais uma ameaça ou uma parte válida da sociedade. Ao inverter o jogo e colocar os mutantes como os temerosos ao invés dos temidos, Logan é uma poderosa fábula sobre perseguição preconceituosa como qualquer filme da franquia X-Men deveria ser.

É também é uma esperta metáfora sobre imigração e refugiados, embora de forma bem mais discreta e elegante do que era de se esperar de um filme tão violento. O diretor Mangold, experimentando um filme do Wolverine com classificação etária mais restrita, regozija no desaparecimento das limitações e comanda cenas de ação brutalmente físicas sem precisar encontrar formas de comunicar a selvageria do personagem em meias palavras. A falta de sutileza também serve bem a Jackman, que faz sentir a vulnerabilidade de Logan não só na linguagem corporal como em momentos-chave do filme, trabalhando a imagem icônica que construiu ao longo dos anos e expondo o medo e a insegurança que existem por trás dela. Inteligente e refrescantemente completo (sem ganchos para continuações ou “travas” do estúdio), Logan demonstra a potencialidade do gênero de super-heróis para uma reflexão social ainda mais profunda do que vimos até agora. Resta esperar que, visto o sucesso de bilheteria, seu exemplo seja seguido.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

ee_poster_0002_xmen2

  2.
X-Men 2
(X2, Canadá/EUA, 2003)
Direção: Bryan Singer
Roteiro: Michael Dougherty, Dan Harris, David Hayter
Elenco: Patrick Stewart, Hugh Jackman, Ian McKellen, Halle Berry, Famke Janssen, James Marsden, Anna Paquin, Rebecca Romijn, Brian Cox, Alan Cumming, Bruce Davison, Aaron Stanford, Shawn Ashmore, Kelly Hu, Daniel Cudmore
134 minutos 

A cena de abertura de X-Men 2 é uma obra-prima. Estabelecendo suspense e seu cenário em uns poucos takes, Bryan Singer procede em nos guiar pela inicialmente quieta infiltração de um mutante no gabinete do presidente dos EUA, e o ataque perpetrado por ele, que quase mata o comandante-em-chefe do país. O diretor não se rende ao frenesi em nenhum momento, mostrando o mínimo possível do invasor até o clímax da cena, passeando de forma organizada, elegante e genial pelo trajeto traçado pelos poderes de teletransporte do mutante, e entregando uma pérola de tensão e adrenalina. X-Men 2 começa com uma nota alta, e não deixa a bola abaixar a partir daí, navegando brilhantemente o roteiro assinado pelo autor do primeiro filme, David Hayter, em parceria com Michael Dougherty (Contos do Dia das Bruxas) e Dan Harris (Superman – O Retorno). Os três escritores acertam em cheio não só ao aprofundar as discussões contidas timidamente no primeiro filme, mas em introduzir pathos aos personagens, especialmente ao desvendar um pouco do passado de Wolverine (muito antes de Origens estragar toda essa premissa) e forjar uma relação mais crível e intensa entre os outros membros do grupo de personagens principais. A Tempestade de Halle Berry só fica melhor quando pareada com o Noturno do fabuloso Alan Cumming – e é um prazer indescritível ver uma atriz negra e um ator assumidamente homossexual conversarem sobre reações e traumas do preconceito em um blockbuster hollywoodiano. À sua maneira, X-Men 2 é um filme subversivo como todas as histórias dos mutantes da Marvel deveriam ser.

A trama que começa com a invasão de Noturno na Casa Branca introduz uma ameaça à sobrevivência dos mutantes que acaba juntando as forças de Magneto (McKellen) e Charles (Stewart) mais uma vez contra um inimigo em comum, o cruel General Stryker feito com garra e certo prazer sádico por Brian Cox (Tróia). O filme se contorce e transforma em várias reentrâncias durante os acertados 134 minutos de metragem, equilibrando como poucos arrasa-quarteirões conseguiram na sua época as doses certas de plot,, desenvolvimento de personagem, discussão temática e humor. As cenas de ação não caem de nível a partir da de abertura, obedecendo rigorosamente o método de Singer de não ceder ao convencional ou ao preguiçoso – o embate entre Wolverine e Lady Deathstrike é especialmente marcante da criatividade e excelência do filme nesse sentido. Com um final imensamente satisfatório, a vontade desafiadora de ser relevante e inteligente dentro de um esquema de produção que estava, na época, ainda no começo de sua industrialização completa  (em resumo: os estúdios ainda não tinham tomado controle das adaptações de super-heróis), X-Men 2 é o filme que todas as outras histórias dos mutantes deveriam almejar ser.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

x-men apocalypse

1.
X-Men: Apocalipse
(X-Men: Apocalypse, EUA, 2016)
Direção: Bryan Singer
Roteiro: Simon Kinberg
Elenco: Michael Fassbender, James McAvoy, Jennifer Lawrence, Nicholas Hoult, Oscar Isaac, Rose Byrne, Evan Peters, Sophie Turner, Tye Sheridan, Alexandra Shipp, Olivia Munn
144 minutos

A sensação que fica após as mais de 2h de metragem de X-Men: Apocalipse é que, 16 anos depois de chegar aos cinemas pela primeira vez em 2000, os mutantes finalmente encontraram seu ritmo e seu propósito nas telas. É claro que isso ia acontecer sob a tutela de Singer, que traz seu entendimento do universo e, mais até do que isso, seu entendimento da linguagem cinematográfica para criar uma aventura que levanta temas únicos, se desenrola de forma única e, talvez mais importante, carrega um visual muito único. Apocalipse é vibrante, com suas lâminas de energia cor-de-rosa, fagulhas roxas de magia, penas de ferro reluzente, raios e nuvens carregadas se juntando sobre os mutantes em guerra. É um filme de quadrinhos que não teme a linguagem quadrinesca, e que ao mesmo tempo não foge de aprofundamento de ideias que sempre foram relacionadas ao universo dos X-Men, como o senso de comunidade que existe quando os mutantes, representativos em suas metáforas de qualquer grupo oprimido socialmente, se unem sob um propósito e um ideal comum. Apocalipse consegue ser um filme sobre a formação de uma equipe, uma metáfora religiosa sobre as bênçãos e perigos das nossas crenças, e uma história sobre as formas como o preconceito age numa sociedade que fingiu bem se livrar dele. É atual, vibrante e importante como X-Men 2 foi em 2003, mas leva o primeiro lugar porque parece mais bem idealizado e realizado que ele.

Fassbender está excepcional no arco que seu Magneto percorre, desenterrando emoções primárias e as expressando de maneira intensa em tela, enquanto McAvoy continua uma evolução muito natural que vem desde Primeira Classe, compondo um Xavier que é um líder formidável ao mesmo tempo em que carrega cicatrizes e falhas sob a superfície. Oscar Isaac, por sua vez, encarna um vilão imponente e, ao mesmo tempo, patético em sua arrogância e auto-engrandecimento. Sophie Turner e Kodi Smit-McPhee estreiam com versão marcantes de personagens que vimos em outras peles anteriormente, enquanto Evan Peters mais uma vez traz leveza e carisma para um filme que consegue fugir da seriedade exagerada mesmo com tantos pontos importantes para fazer. X-Men: Apocalipse não é só um dos melhores filmes da franquia, como coloca os mutantes na liderança absoluta entre os super-heróis de 2016.

✰✰✰✰✰ (5/5)

7 de out. de 2015

Review: “Masters of Sex” sobrevive a uma terceira temporada mais atribulada do que o previsto

MASTERS-OF-SEX-Season-3-Poster-1

por Caio Coletti

Não é difícil de perceber exatamente quando o favor do público se virou contra Masters of Sex (assim como boa parte da crítica especializada, inclusive). O terceiro ano do drama da Showtime marcou o primeiro momento em que as decisões criativas e narrativas da showrunner Michelle Ashford e seu time de roteiristas foram questionadas com mais assertividade, mas o episódio que parece ter desencadeado a série mais dura de críticas foi “Monkey Business” (3x07). Na trama principal do capítulo, os protagonistas Bill Masters e Virginia Johnson, são contatados por um zoológico para tentar tratar da disfunção sexual de um gorila, que não consegue acasalar desde que mudou de tratadora. A ideia é uma extensão interessante da discussão do episódio anterior, “Two Scents” (3x06), que discursou sobre a forma como as respostas sexuais e sensoriais humanas não são tão diferente das dos outros animais. Por sua vez, esse discurso é uma bela extensão do excepcional “Matters of Gravity” (3x05), em que a inevitabilidade e o mistério dos mecanismos do desejo e do amor humano foram analisados de perto pelos roteiristas e pelos personagens.

A lição desse primeiro parágrafo é que Masters of Sex ainda é uma série escrita com uma perspectiva de narrativa tremendamente inteligente. Ashford e cia. são observadores argutos da natureza humana a das formas como essa natureza se entrelaça com os temas e intimidades que retratam aqui, sejam elas relacionadas ao período em que a história se passa (cada vez mais expansivo) ou aos aspectos fundamentalmente imutáveis da psique humana. Dito isso, “Monkey Business” e a média geral da criação e desenvolvimento de storylines da terceira temporada de Masters estão um bom nível abaixo do trabalho realizado no excepcional segundo ano da série. O ciclo vicioso do relacionamento entre Bill e Virginia, o eterno suplício enfrentado por Libby, a personalidade irascível e enervante do doutor interpretado por Michael Sheen – a essa altura de sua estadia na televisão, talvez Masters devesse pensar a possibilidade de tomar caminhos mais ousados e transformativos com suas tramas e desenvolvimentos de personagens.

Esses deslizes, no entanto, não mudam o fundamental: Masters of Sex ainda é um dos melhores e mais contundentes dramas no ar atualmente. E para não dizer que esse terceiro ano não traz sombra nenhuma do superior segundo, vale perceber que a estrutura dessa temporada permite que os personagens, que foram confrontados com as verdades de seus desejos e circunstâncias no decorrer dos 12 episódios anteriores, agora espertamente são conduzidos pelo roteiro a transformar essas realidades, mesmo que muitas vezes para perceber que as prisões que os deixavam pregados à vidas não exatamente satisfatórias eram mais fortes do que pareciam. A tragédia emocional desse terceiro ano de Masters of Sex está em descobrir que nem sempre a realização e libertação da mente é o bastante para escapar das limitações sociais e psicológicas que são particulares tanto do tempo em que vivemos quanto de nós mesmos. A modernidade dos estudos de Bill e do comportamento de Virginia não previnem que o doutor se mostre possessivo e ideologicamente ignorante em várias oportunidades, nem que Virginia se veja confusa sobre seus desejos e o curso que quer tomar. Não ajuda que, após todas as crises no relacionamento com Bill, surja o afável Dan Logan (Josh Charles, direto de The Good Wife) para complicar as coisas.

Se há algo que esse terceiro ano acerta, portanto, é no retrato de Virginia. A personagem, e a atuação de Lizzy Caplan, são de longe os melhores elementos da temporada – com o processo de humanização da “super-mulher” que Virginia era na primeira temporada completo, a atriz se sente livre para expressar os conflitos e confusões da personagem com contundência e sensibilidade impressionantes, que brilham mesmo através dos bem construídos maneirismos de fala, linguagem corporal e comportamento que ela implanta. Obviamente, Virginia é uma personagem simbólica e representativa da discussão social de gênero que Masters sempre quis fazer. Em certa medida, todas as criações de Ashford e cia. são moldadas assim, mas o grande trunfo desse terceiro ano é o quão humanos e interessantes eles se tornaram por mérito próprio – Sheen precisa ser celebrado mesmo que apenas pelo esforço de não tornar Bill um personagem odiável, ainda que todos os indicadores do roteiro sejam nesse sentido; Caitlin Fitzgerald continua sendo uma preciosidade subestimada como Libby, interminavelmente sensível e inteligente na forma como interpreta uma personagem trágica sem apelar para o estoicismo ou para o melodrama; e coadjuvantes como a excepcional Annaleigh Ashford (Betty) e os fabulosos Beau Bridges e Allison Janney (Barton e Margaret) colorem e rebuscam o desenho feito pela narrativa com excelência.

O terceiro ano de Masters of Sex expõe com eloquência temas como o apagamento persistente das tribulações femininas, a sistêmica opressão e sexualização enfrentada pelas mulheres, a prisão moral que o casamento e a família muitas vezes representam para a esposa. Fala ainda de paternidade e maternidade, contesta egocentrismos e, embora pegue pesado no retrato das ações desprezíveis de um personagem que fomos ensinados a admirar, também o pune por elas. Em suma, não há nada de errado na terceira temporada do drama da Showtime. É muito mais um atestado quanto à qualidade da série, portanto, que tanto escândalo se faça quanto à queda da avaliação crítica – mesmo em sua forma menos excepcional, Masters ainda está acima de uma boa parte da produção televisiva do momento, e continua valendo, muito, as 12 horas anuais que demanda dos espectadores.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

download

Masters of Sex – 3ª temporada (EUA, 2015)
Direção: Jeremy Webb, Adam Arkin, Michael Apted, Susanna White, etc
Roteiro: Michelle Ashford, Amy Lippman, Steven Levenson, Esta Spalding, David Flebotte, etc
Elenco: Michael Sheen, Lizzy Caplan, Caitlin Fitzgerald, Annaleigh Ashford, Beau Bridges, Kevin Christy, Emily Kinney, Allison Janney, Josh Charles, Judy Greer, Benjamin Koldyke, Jaeden Lieberher, Isabelle Fuhrman
12 episódios

4 de out. de 2015

Diário de filmes do mês: Setembro/2015

Downloads36

por Caio Coletti

Nem todos os filmes merecem (ou pedem) uma análise complexa como a que fazemos com alguns dos lançamentos mais “quentes” ou filmes que descobrimos e nos surpreendem positivamente. Particularmente, eu não me dou a escrever críticas grandes de filmes que considero ruins ou irrelevantes, porque não vejo sentido em remoer demais os erros de uma produção cinematográfica. É levando em consideração a função da crítica e da resenha como uma orientação do público em relação ao que vai ser visto em determinado filme que eu resolvi criar essa coluna, que visa falar brevemente dos filmes que não ganharam review completo no site. Vamos lá:

1414-into-the-woods-2014-movie-poster-750x1110

Caminhos da Floresta (Into the Woods, EUA/Inglaterra/Canadá, 2014)
Direção: Rob Marshall
Roteiro: James Lapine, baseado no musical de James Lapine & Stephen Sondheim
Elenco: Anna Kendrick, Daniel Huttlestone, James Corden, Emily Blunt, Christine Baranski, Tammy Blanchard, Lucy Punch, Tracey Ullman, Lila Crawford, Meryl Streep, Johnny Depp, Billy Magnussen, Chris Pine
125 minutos

Não dá pra subestimar a influência e a importância de Les Misérables quando um projeto como Caminhos da Floresta é lançado mesmo dois anos depois da adaptação musical da obra de Victor Hugo chegar aos cinemas. O sucesso acadêmico e comercial do filme estrelado por Hugh Jackman e Anne Hathaway mostrou que estava na hora de levar o renascimento dos musicais cinematográficos, iniciado lá atrás com Moulin Rouge! (2001), para um novo estágio. O diretor Rob Marshall, que tem background na Broadway, se aproveitou da boa recepção do musical sério e comprometido com o conceito de sing-through feito por Tom Hooper para fazer o seu primeiro filme cantado que não tem vergonha de ser um filme cantado. Tanto Chicago quanto Nine, com seus sets minimalistas e senso de espetáculo meio constrangido, foram exercícios interessantes de imaginação e contaram suas histórias com brilhantismo (guardadas as devidas proporções entre eles). Caminhos da Floresta se liberta desses constrangimentos e assume um tratamento visual mais teatral, uma forma de filmar que privilegia o movimento dos atores e os takes longos, e um roteiro que não tenta justificar porque os personagens estão o tempo todo cantando ao invés de conversar. Caminhos da Floresta, talvez por se localizar no mundo dos contos de fada, não sente a necessidade de dizer ao espectador que os números musicais estão acontecendo dentro da cabeça dos personagens, ou em um show de jazz – e há momentos preciosos, seja pela doçura, pelo cinismo ou pelo puro divertimento, para tirar desse comprometimento com o formato e com as particularidades dele.

Para começar, faz bem aos atores ter um diretor que trabalha a favor do espetáculo que eles podem prover, e não tentando limitá-lo. A câmera quase intrusiva de Marshall aqui, que segue seus personagens com insistência pela floresta densa que é o principal cenário da história, cria cenas bem-estruturadas e muitas vezes visualmente impressionantes, especialmente quando consegue observar a perfeitamente ensaiada conjunção de performances de vários atores participando de uma mesma canção – e sem cortes excessivos. A trama entrelaça vários contos de fadas, incluindo o garoto pobre Jack (Daniel Huttlestone, o garotinho de Les Misérables) e seu pé-de-feijão gigante; a inicialmente ingênua Chapeuzinho Vermelho (Lilla Crawford) e o malicioso Lobo Mau (Johnny Depp, bem melhor em dose pequena); a indecisa Cinderella (Anna Kendrick) e seu príncipe (Chris Pine, excelente) “criado para ser charmoso, não sincero”; e até a confinada Rapunzel (Mackenzie Mauzy), e sua carcereira que faz às vezes de mãe e vilã (a bruxa de Meryl Streep). Todas as histórias são costuradas através do conto de um padeiro (James Corden) e sua esposa (Emily Blunt), que precisam juntar itens mágicos para que a bruxa lhes conceda a recompensa de um filho.

É claro que Streep é o destaque do elenco, se divertindo à beça com o papel “devorador de cenários” que lhe é dado, e aos poucos deixando passar um pouco mais de profundidade emocional na construção da personagem. O filme é desenhado, inclusive, para que ela possa deixar seus colegas de elenco para trás, introduzindo esse assustador e divertido elemento de caos no meio da história, responsável em grande parte por conduzí-la e fazê-la funcionar. O mais bacana é que isso deixa gente como Emily Blunt, James Corden e Anna Kendrick mais à vontade para criar encarnações carismáticas e competentes de seus personagens, com destaque para a sempre excepcional Blunt, que causa a impressão mais duradoura ao traduzir as angústias de sua personagem da mesma forma madura e inteligente que o filme conduz a trama. Caminhos da Floresta, como o musical de palco que o inspirou, é um conto de relativismo moral obstinado, que brinca com temas sombrios mas em última instância é sobre a enredada teia de razões e enganos da qual é formada a própria vida, esse eterno passeio pela densa e emaranhada floresta de sentimentos conflitantes e convicções vacilantes que existe dentro de cada um de nós.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

FIN03_VaticanTapes_1Sht_Trim_72dpi

Exorcistas do Vaticano (The Vatican Tapes, EUA, 2015)
Direção: Mark Neveldine
Roteiro: Christopher Borrelli, Michael C. Martin
Elenco: Olivia Taylor Dudley, Dougray Scott, John Patrick Amedori, Djimon Hounsou, Michael Peña, Peter Andersson, Alison Lohman
91 minutos

De todos os clichês do gênero terror, poucos são mais difíceis de acertar que o filme de exorcismo. Talvez pela sombra enorme do clássico O Exorcista de 1973, talvez pelas milhares de repetições meia-boca da trama básica daquele filme que foram realizadas à exaustão por Hollywood, o filme de exorcismo precisa se esforçar mais que a maioria dos outros para encontrar um nicho de originalidade e competência. Um bom diretor ajuda, com ideias visuais interessantes e o toque de Midas para acertar no tom, como o razoável Livrai-Nos do Mal, do ano passado, provou. Ao contrário de Scott Derrickson, diretor daquele filme e de outros bons filmes de terror desse século (A Entidade, O Exorcismo de Emily Rose), Mark Neveldine, que comanda esse Exorcistas do Vaticano, não é um cineasta com mão segura ou experiência no gênero. Pelo contrário, o currículo anterior do nova-iorquino se limita a colaborações com Brian Taylor em filmes como os dois Adrenalina, Gamer e Motoqueiro Fantasma: Espírito de Vingança, títulos de ação estilosos, mas com pouca ou nenhuma substância. O resultado do comando de Neveldine aqui é que as pouquíssimas boas ideias visuais são diluídas em meio a uma mistura de técnicas de filmagem mal-equilibradas (o filme não se compromete com a proposta de filmar de câmeras “caseiras” operadas pelos personagens, mas quer usar esse recurso sempre que é conveniente), além de deixar evidente a capacidade praticamente nula de criar atmosfera de suspense. Não é de se surpreender: nas suas colaborações com Taylor, Neveldine nunca se mostrou um cineasta sutil, e poucas coisas são mais importantes no cinema de terror do que acertar nos detalhes que tornam a ambientação da trama mais convincente.

Olivia Taylor Dudley, que esteve em Transcendence e Chernobyl: Sinta a Radiação, interpreta a possuída da vez, a pobre Angela, que começa a se sentir estranha quando o pai militar (Dougray Scott) vem visitá-la para seu aniversário, na casa que ela divide com o namorado (John Patrick Amedori). O que se segue no roteiro assinado por Christopher Borrelli (Reféns do Mal) e Michael C. Martin (Atraídos Pelo Crime) é uma trama convoluta no pior sentido da palavra, que joga seus personagens de um lado para o outro tentando tão desesperadamente afirmar sua originalidade que se esquece de montar uma linha narrativa convincente pelo caminho. Dudley se esforça para entregar uma atuação convincente, e certos momentos de inspiração da direção de Neveldine exploram bem o rosto e o corpo da atriz, que não pode ser culpada pelo desastre de filme em que se encontra. O fato, no entanto, é que a reviravolta final de Exorcistas do Vaticano, ainda que atice o espectador para uma possível continuação, não o redime pela bagunça cinematográfica que formou seus dois primeiros atos, pelo pouco investimento nos personagens coadjuvantes, ou pela notável timidez dos momentos sangrentos. Quando um filme de terror não entrega nem o básico, não dá para esperar que entregue o adicional.

✰ (1/5)

safety-not-guaranteed-poster-artwork-kristen-bell-jake-johnson-aubrey-plaza

Sem Segurança Nenhuma (Safety Not Guaranteed, EUA, 2012)
Direção: Colin Trevorrow
Roteiro: Derek Connolly
Elenco: Aubrey Plaza, Jake Johnson, Karan Soni, Mark Duplass, Jeff Garlin, Mary Lynn Rajskub, Kristen Bell
86 minutos

Depois do sucesso mastodôntico de Jurassic World, o americano Colin Trevorrow se tornou um dos “cineastas do futuro” mais badalados de Hollywood. As muitas objeções críticas ao filme dos dinossauros, no entanto, fazem tremer os cinéfilos mundo afora, especialmente depois de Trevorrow ser anunciado como o diretor de um dos filmes da nova trilogia Star Wars, que começa esse ano sob o comando de J.J. Abrams. Sem Segurança Nenhuma é o filme certo para acalmar os ânimos dos críticos mais calorosos do trabalho de Trevorrow: mostra que o diretor trabalha bem, de forma sensível e acessível, quando tem em mãos um bom roteiro; e que não fica perdido ao lidar com um tratamento esperto da ficção científica. Apesar da premissa aparentemente fantasiosa, com um trio de jornalistas (Aubrey Plaza, Jake Johnson, Karan Soni) tentando desvendar o mistério por trás de um anúncio dos classificados pedindo por um companheiro para viagem no tempo, Sem Segurança Nenhuma é na verdade uma esperta e brilhante exploração da forma como as percepções sociais afetam nossa navegação como seres humanos no mundo, e nossas relações com outras pessoas. Esbarra por vezes na dramédia ou na comédia romântica, usa e abusa de algumas figuras e temas batidos desses gêneros, mas mantem em si uma sensação muito real de originalidade narrativa. O elemento de ficção científica é abordado com bom humor e reverência, fazendo da dúvida do espectador o trunfo da trama e muito habilmente nos manipulando para vermos através dos olhos em transformação da personagem de Plaza o empreendimento aparentemente insano no qual Kenneth (Mark Duplass) está metido.

O personagem do estranhamente charmoso Duplass, inclusive, pode muito bem ser lido como uma versão masculina daquele velho clichê da manic pixie dream girl. Dessa vez, é o personagem masculino que entra em cena e transforma a vida marcada por uma nuvem carregada de depressão da personagem feminina, e não o contrário. É bacana o quanto o roteiro assinado pelo estreante Derek Connolly confia em Plaza, e na sua interpretação da cínica Darius, para se identificar com o espectador, e o quanto dá a Kenneth a função de nos fazer olhar para os acontecimentos, e para as relações e dramas dos outros personagens, com outros olhos. Sem Segurança Nenhuma é carregado de humanidade mesmo na forma como trata os clichês dos gêneros que explora – a coadjuvante nerd virgem ganha o afeto do espectador, o chefe cafajeste incorrigível e preconceituoso vê o outro lado da moeda e sofre na pele as consequências das concepções arbitrárias que as pessoas tem dele. Apesar de ter muitos diálogos, o filme milagrosamente não é verborrágico ou dependente deles, preferindo criar uma teia de personagens tridimensionais que se cruzam em uma misteriosa, sutil, divertida e esperta trama sobre arrependimentos, impossibilidades e afetos. Em suma, com Sem Segurança Nenhuma, Trevorrow mostra que sabe fazer cinema de verdade.

✰✰✰✰ (4/5)

goodnight-mommy-poster

Goonight Mommy (Ich Seh Ich Seh, Áustria, 2014)
Direção e roteiro: Severin Fiala, Veronika Franz
Elenco: Susanne Wuest, Lukas Schwarz, Elias Schwarz, Hans Escher
99 minutos

Filmes de terror sobre maternidade e relações familiares em geral não são nenhuma novidade. Desde a invenção do gênero, autores e diretores descobriram que nós, pobres seres humanos, trememos com a noção de que nossa relação com aqueles mais próximos de nós (biologicamente, pelo menos) possa tomar a direção sombria que algumas vezes ameaça tomar. Há uma quantidade de ressentimento e ambiguidade enorme no relacionamento de alguém com sua família, e isso só fica mais evidente quando filmes como o enervante Goodnight Mommy focam especificamente na dinâmica entre mãe-e-filho. Para apresentar um exemplar mais recente, o brilhante The Babadook manipulou as emoções do espectador no sentido de gerar uma representação física, e aterrorizante, dos sentimentos mais cruéis profundamente enterrados dos personagens em tela, uma mãe e um filho lidando de suas formas particulares com a perda da figura paterna da casa. Aquele filme, assinado por Jennifer Kent, é um estudo profundo e genial sobre o funcionamento do luto e dos sentimentos terríveis que os adultos precisam esconder das crianças que estão sob seus cuidados. A reflexão de Goodnight Mommy não é tão explícita – de forma típica do cinema do Leste europeu (o filme vem da Áustria), os cineastas/roteiristas Severin Fiala e Veronika Franz criam um thriller sugestivo e sutil, que passeia por uma trama labiríntica de forma confortável mas, mesmo assim, encontra o caminho perfeito para a ferida mais incômoda do espectador.

O filme começa, se desenrola e termina dentro e nos arredores de uma casa de traços frios e modernistas num campo isolado, perto de uma plantação de milho. Lá vive uma âncora de televisão local (Susanne Wuest), que acaba de voltar para casa após sofrer extensiva cirurgia plástica por uma razão que não nos é revelada. Ela é mãe de meninos gêmeos (Lukas e Elias Schwarz, que dividem seus nomes com seus personagens), mas eles não reconhecem a mulher que volta para casa depois do procedimento médico como sua progenitora. O filme toma vários desvios de caminho a partir dessa premissa básica, mexendo com os sentidos do espectador e usando de forma espetacular a fotografia (um trabalho digno de galerias de arte de Martin Gschlacht), o design de som e as atuações de seu diminuto elenco para criar uma atmosfera estranha e uma narrativa quase sensitiva, que parece navegar por mares de sentimentos e presunções sem fazer tanto esforço quanto estamos acostumados a ver roteiristas e diretores fazerem. As duas reviravoltas do terceiro ato do filme são aplicadas com maestria pelo casal de cineastas, e Goodnight Mommy se concretiza como uma análise inteligente e extraordinariamente efetiva (embora tremendamente triste) da negligência e egoísmo que tantas vezes pautam as nossas reações ao mundo e àqueles que nos cercam -  mesmo que eles sejam nossos filhos, ou nossas mães.

✰✰✰✰ (4/5)

0011

Sentença de Morte (Kill for Me, Canadá, 2013)
Direção: Michael Greenspan
Roteiro: Christopher Dodd, Michael Greenspan, Christian Forte
Elenco: Katie Cassidy, Tracy Spiridakos, Donal Logue, Adam DiMarco, Shannon Chan-Kent, Torrance Coombs
95 minutos 

Lançado direto para vídeo em 2013 e acomodadíssimo no Netflix pouco tempo depois, Sentença de Morte tem todo o perfil de um thriller descartável com orçamento nulo, sem muita criatividade e um elenco de pouco destaque. Em grande parte, é isso mesmo que o filme de Michael Greenspan apresenta, mas o espectador casual que acabar topando com o suspense estrelado por Katie Cassidy (Arrow) e Tracy Spiridakos (Revolution) pode ter algumas surpresas pelo caminho, se realmente se envolver com a história e o clima do filme. A trama acompanha Amanda (Cassidy), que depois do desaparecimento da melhor amiga, presumidamente sequestrada ou assassinada, conhece a nova colega de quarto, Hayley (Spiridakos). A personalidade misteriosa da moça recém-chegada logo se revela, quando tanto Amanda quanto Hayley precisam lidar com homens abusivos e violentos de suas vidas. O roteiro aplica algumas reviravoltas a esse revenge thriller perturbador, que trata com pouco cuidado de um tema tão espinhoso quanto violência de gênero, mas ainda mantem uma visão clara o bastante da situação para nos apresentar a conclusão certa no final de seus 95 minutos. De certa forma, o filme de Greenspan (Armadilha do Destino) é uma subversão esperta de ideias, que brinca com clichês do gênero e com a percepção do espectador para temperar sua trama com um mistério que se desenrola de forma surpreendentemente simples no final. É um filme engenhoso, mesmo que não seja exatamente um ótimo filme.

As marcas da produção direto-para-vídeo ficam claras na direção burocrática, na atuação apenas eficiente (nunca espetacular, mesmo com um character actor bacana como Donal Logue em cena) e no pouquíssimo cuidado com elementos como fotografia, trilha-sonora ou edição, processos que poderiam carregar o filme de mais significado do que ele tem, da forma como foi feito. Sentença de Morte, tradução péssima de um título original que já não era exatamente evocativo ou inspirado, é um passatempo surpreendentemente pensante e interessante, mas principalmente porque as expectativas ao redor dele eram terrivelmente baixas. Como pedaço de storytelling, não é uma atrocidade; como entretenimento, quebra o galho de um domingo a noite sem muito esforço; como cinema, no entanto, não apresenta nada que o destaque em meio ao mar de produções estanques e industrializadas do multimilionário (é serio) setor de home video americano.

✰✰✰ (3/5)