por Caio Coletti
Nem todos os filmes merecem (ou pedem) uma análise complexa como a que fazemos com alguns dos lançamentos mais “quentes” ou filmes que descobrimos e nos surpreendem positivamente. É levando em consideração a função da crítica e da resenha como uma orientação do público em relação ao que vai ser visto em determinado filme que eu resolvi criar essa coluna, que visa falar brevemente dos filmes que não ganharam review completo no site. Vamos lá:
Melhor do mês:
Paddington 2 (Inglaterra/França/EUA, 2017)
Direção: Paul King
Roteiro: Paul King, Simon Farnaby
Elenco: Ben Whishaw, Sally Hawkins, Hugh Bonneville, Julie Walters, Hugh Grant, Peter Capaldi, Noah Taylor, Brendan Gleeson, Eileen Atkins
103 minutos
Em 2014, quando o primeiro Paddington chegou aos cinemas, sua charmosa história infantil sutilmente tocava em temas de imigração enquanto divertia e encantava com ideias visuais incríveis e um humor muito bem intencionado, além de medalhões da dramaturgia britânica se divertindo em papéis caricatos. Quatro anos depois, Paddington 2 carregava um inesperado peso temático – o debate sobre imigração atingiu um ponto de ebulição não só no Reino Unido da história, como no mundo todo. Ainda bem que os roteiristas Paul King e Simon Farnaby estavam à altura do desafio, porque essa segunda aventura do ursinho criado nos livros de Michael Bond é tão urgente e tocante quanto é deliciosa e divertida.
Na trama, acompanhamos Paddington enquanto ele se habitua à vida em Londres, mas sua vontade de comprar um presente especial para a Tia Lucy (Imelda Staunton), ainda em um asilo no Peru, o coloca no caminho de um ambicioso ator chamado Phoenix Buchanan (Hugh Grant), que está à procura de um tesouro escondido. A disputa entre os dois, para falar claramente sem abusar dos spoilers, leva a um questionamento direto do status de Paddington como parte contribuinte da comunidade para onde ele emigrou, e toca com delicadeza ímpar na própria natureza dessa comunidade, e do sentimento que a define. Cheio de detalhes que são resgatados mais tarde na trama, Paddington 2 tem um roteiro absolutamente impecável, que refina o humor do primeiro filme e sublinha as partes temáticas que estavam apenas subentendidas nele.
Com um final marcante e uma mensagem clara, entregue com elegância e efetividade tremendas, Paddington 2 é o filme certo na hora certa. O diretor Paul King procura fugir dos cacoetes que fizeram o seu primeiro filme ser comparado desfavoravelmente ao trabalho de Wes Anderson, criando uma atmosfera própria que reafirma a personalidade forte da melhor franquia de filmes infantis da atualidade. Paddington 2 é a prova cabal de que a arte não vive só nos ambientes elitistas em que estamos acostumados a vê-la celebrada – é um grande filme, sob qualquer perspectiva que você lançar sobre ele.
✰✰✰✰✰ (4,5/5)
Pior do mês:
Rampage: Destruição Total (Rampage, EUA, 2018)
Direção: Brad Peyton
Roteiro: Ryan Engle, Carlton Cuse, Ryan J. Condal, Adam Sztykiel
Elenco: Dwayne Johnson, Naomie Harris, Malin Akerman, Jeffrey Dean Morgan, Jake Lacy, Joe Manganiello, Marley Shelton, P.J. Byrne, Jack Quaid
107 minutos
A parceria Dwayne Johnson/Brad Peyton já havia rendido dois filmes notavelmente esquecíveis (Viagem 2: A Ilha Misteriosa e Terremoto: A Falha de San Andreas) antes de aterrissar com toda a sutileza de um jacaré gigantesco geneticamente modificado em Rampage: Destruição Total. Ninguém esperava um pedaço de arte sofisticado dessa adaptação da franquia de video games, mas o resultado final da colaboração Johnson/Peyton é substancialmente pior do que se poderia imaginar – a dupla trabalha incansavelmente para remover do filme toda a diversão pulp que ele poderia oferecer, e o resultado é que, ao invés de um Godzilla (2014) ou um Kong: A Ilha da Caveira (2017), temos um pseudo-épico destrutivo cujas maquinações de trama e cenas de ação são, todas, previsíveis e entediantes.
A artificialidade de Rampage não surpreende – afinal, esse é um filme em que um gorila, um crocodilo e um lobo são expostos a material de pesquisa científica que os transforma em monstros agressivos muito maiores do que o comum para suas espécies. O que espanta, no entanto, é que essa artificialidade não é usada como virtude, ou como fonte de diversão, no roteiro anêmico de Ryan Engle, Carlton Cuse, Ryan J. Condal e Adam Sztykiel, um quarteto que coleciona créditos tão diversos como as séries Colony e Lost, e os filmes O Passageiro e Um Parto de Viagem. A mistura inesperada dos talentos desses rapazes resulta em um filme que empolga por alguns minutos no clímax, com os absurdos práticos da luta contra os já citados animais gigantescos, mas falha em envolver pelo restante da metragem.
Combine esse “erro de cálculo” da produção com um elenco que não parece se esforçar para simular carisma em nenhum momento. Johnson, Naomie Harris e Jeffrey Dean Morgan parecem ansiosos para partir para seus próximos projetos, onde poderão fazer melhor uso de personas cuidadosamente criadas e executadas. O problema de Rampage não é sua trama absurda, seu foco em ação, ou o fato de que é baseado em um video game – é sua falta de personalidade, o medo que tem de assumir suas origens e brincar com elas ou suplantá-las, e a forma como insulta a inteligência do espectador presumindo que somos capazes de levá-lo a sério.
✰✰ (1,5/5)
Surpresa do mês:
O Touro Ferdinando (Ferdinand, EUA, 2018)
Direção: Carlos Saldanha
Roteiro: Robert L. Baird, Tim Federle, Brad Copeland, baseados no livro de Munro Leaf, Robert Lawson
Elenco: John Cena, Kate McKinnon, Anthony Anderson, David Tennant, Gina Rodriguez, Daveed Diggs, Gabriel Iglesias, Flula Borg, Jeremy Sisto, Bobby Cannavale
108 minutos
Espanta-me o desdém geral dá crítica com O Touro Ferdinando – concebido e realizado com óbvia afeição pelo material, o filme do brasileiro Carlos Saldanha é consideravelmente melhor que sua investida anterior, a continuação da franquia Rio, e carrega uma das mensagens mais importantes que crianças podem ouvir em um filme voltado especificamente para elas. Nas mãos da Blue Sky, O Touro Ferdinando do clássico livro infantil se torna uma condenação ainda mais veemente da masculinidade tóxica, e um retrato sutilmente realista das vítimas que ela faz, ainda que sua resolução seja, obviamente, simplificada demais para aplicações reais. Se a Pixar seria capaz de fazer um filme melhor com essa mesma história? Talvez. Isso não significa que O Touro Ferdinando de Saldanha seja um mau filme.
John Cena charmosamente dá voz ao personagem título, um jovem touro mais dado a cheirar flores do que travar batalhas nas arenas – ele foge do local onde foi criado quando pequeno, e cresce em um ambiente mais gentil que combina com sua personalidade, mas enfrenta problemas quando adulto para continuar levando a mesma vida. O humor aqui é mais pontual do que nos outros filmes da Blue Sky, mais voltados para as piadas, mas a doçura e o ótimo faro visual da animação compensam pela falta de grandes risadas, assim como a jornada cirúrgica aplicada aos personagens, que lentamente escapam dos estereótipos nos quais são originalmente baseados.
Bem-intencionado e feito por pessoas com o talento necessário para executar essas intenções de forma satisfatória, ainda que não magistral, O Touro Ferdinando faz por merecer os 108 minutos de metragem que poderiam ser considerados excessivos em outras situações. A suspeita que fica quando sobem os créditos é que o tempo será mais gentil com o filme de Saldanha do que a crítica foi em uma primeira avaliação, e que a indicação ao Oscar na categoria animada foi solidamente merecida.
✰✰✰✰ (3,5/5)
Decepção do mês:
Perfeita é a Mãe 2 (A Bad Moms Christmas, EUA/China, 2017)
Direção e roteiro: Jon Lucas, Scott Moore
Elenco: Mila Kunis, Kristen Bell, Kathryn Hahn, Christine Baranski, Susan Sarandon, Cheryl Hines, Jay Hernandez, Justin Hartley, Peter Gallagher, Oona Laurence, Emjay Anthony, Wanda Sykes, Christina Applegate
104 minutos
O charme do primeiro Perfeita é a Mae, lançado pouco mais de um ano antes dessa continuação, era como a revolta das três protagonistas, por todo o seu exagero cômico, era também justificada – o filme fazia um trabalho surpreendentemente bom em separar o excesso usado para provocar risadas da pressão muito real que essas mães sentiam para serem perfeitas e/ou terem a responsabilidade principal na criação dos filhos e na manutenção da casa. Em Perfeita é a Mãe 2, o roteiro é obrigado a “suavizar” o próprio exagero cômico, simplesmente porque não tem uma tese tão real e tão pertinente quanto o primeiro filme – ao invés disso, lota o elenco com ótimos performers em uma estratégia que só dá certo até determinado ponto.
Susan Sarandon, Christine Baranski e (especialmente) Cheryl Hines estão ótimas como as mães das três protagonistas, que retornam agora para mostrar ao espectador como a pressão em cima das mães cresce ainda mais no feriado do Natal. No entanto, como estabelecemos no primeiro filme um relaxamento da pressão entre as próprias mães, a “competição” para ser a melhor, ou dos parceiros menos dignos delas do que deveriam ser, o novo filme também precisa estabelecer as “vovós” que conhecemos como as vilãs da vez – e embora o filme se esforce para mostrar, em seu final, uma conciliação de expectativas e personalidades moldadas em épocas diferentes, também o faz de forma menos efetiva e impactante do que o primeiro filme.
A maioria das piadas parece também um pouco cansada nesse segundo filme. A atrapalhada Carla (Kathryn Hahn) segue sendo uma mina de ouro de momentos hilários, especialmente em seu flerte com o stripper Ty (Justin Hartley), mas o filme parece tirar menos satisfação própria, e portanto transmite menos satisfação para o espectador, em subverter expectativas maternas e ultrapassar limites de moralidade ultrapassados. Ao invés disso, Perfeita é a Mãe 2 confia em recursos visuais batidos e estereótipos grosseiros para criar seus personagens e colocá-los em situações engraçadas. É uma queda e tanto em relação ao primeiro filme.
✰✰✰ (2,5/5)
… E mais alguns:
Operação Red Sparrow (Red Sparrow, EUA, 2018)
Direção: Francis Lawrence
Roteiro: Justin Haythe, baseado no livro de Jason Matthews
Elenco: Jennifer Lawrence, Joel Edgerton, Matthias Schoenaerts, Charlotte Rampling, Mary-Louise Parker, Ciarán Hinds, Joely Richardson, Bill Camp, Jeremy Irons, Douglas Hodge, Sakina Jaffrey
140 minutos
Francis Lawrence é um dos grandes talentos não reconhecidos pela crítica em Hollywood. Desde a estreia nos longas metragens em Constantine (2005), esse austríaco saído do mundo dos videoclipes engatou uma sequência raramente quebrada de grandes filmes que voavam abaixo do radar do prestígio crítico por conta de seus “pezinhos” no cinema de gênero e no blockbuster. Operação Red Sparrow poderia ser seu veículo para fora desse métier, mas o mesmo desdém dispensado aos seus outros filmes foi repetido aqui – com verniz “sério”, inspiração literária e duração épica, Red Sparrow é um thriller de espionagem dos mais raros, combinando uma trama cerebral com sensibilidades adultas e um final agridoce que deixa espaço para uma continuação, mas não é abertamente mercenário como tantos filmes em Hollywood hoje em dia.
Na trama, Jennifer Lawrence é Dominika Egorova, uma bailarina soviética que, após um acidente nos palcos, teme não ter dinheiro para dar suporte à mãe doente (Joely Richardson). É quando seu tio, Vanya Egorov (Matthias Schoenaerts), lhe oferece emprego como espiã – no entanto, uma de suas primeiras missões é descarrilhada quando ela entra no radar do americano Nate Nash (Joel Edgerton), da CIA. O que se segue é uma série de reviravoltas que nunca são tratadas com senso de espetáculo pelo diretor Lawrence, em um dos momentos mais focados e argutos de sua carreira, demonstrando extraordinário controle estético e narrativo sobre trabalhos inteligentes de trilha sonora (James Newton Howard), fotografia (Jo Willems) e design de produção (Maria Djurkovic).
No papel principal, Jennifer Lawrence diminui sua habitual intensidade para expressar de maneiras mais sutis os medos, anseios, desejos e dissimulações de Egorova, que durante os 140 minutos de filme passa por diversas encarnações de si mesma sem perder a essência da personagem. Operação Red Sparrow foge do paradigma do blockbuster explosivo para buscar uma sensibilidade mais acadêmica, fazendo poucas concessões no meio do caminho – o resultado é um thriller que tem poder de permanência na memória do espectador, e mais um ótimo título para a filmografia brilhante de Francis Lawrence.
✰✰✰✰ (4/5)
Com Amor, Simon (Love, Simon, EUA, 2018)
Direção: Greg Berlanti
Roteiro: Elizabeth Berger, Isaac Aptaker, baseado no livro de Becky Albertalli
Elenco: Nick Robinson, Jennifer Garner, Josh Duhamel, Katherine Langford, Alexandra Shipp, Logan Miller, Keiynan Lonsdale, Jorge Lendeborg Jr., Tony Hale
110 minutos
É difícil condenar uma produção tão bem intencionada quanto Com Amor, Simon, mas algumas pessoas ainda encontraram espaço para isso. O argumento é que o filme de Greg Berlanti não representa de qualquer pálida forma a realidade da imensa maioria das pessoas LGBTQ+ ao redor do mundo, e que a aceitação entusiástica que o personagem principal (Nick Robinson) recebe ao finalmente se assumir gay após um longo período de conflito interno é tão fantasiosa quanto qualquer trama de Star Wars ou da Marvel. Essa retórica não está errada – ela só desconsidera que Com Amor, Simon existe nas tradições da comédia romântica hollywoodiana, do filme de amadurecimento, da dramédia adolescente. É a mesma dos recentes Extaordinário, Quase 18 e Lady Bird: A Hora de Voar, ou dos antigos As Patricinhas de Beverly Hills, Meninas Malvadas e Clube dos Cinco. Nenhum deles representa, de forma pálida ou não, qualquer realidade – mas nem por isso seu valor como peça social de cinema é nulo.
Pelo contrário, a fantasia colegial de aceitação que vive nesses filmes, o espírito ingênuo de otimismo que perpassa suas entrelinhas, estabelece algo para se almejar, uma utopia que parece mais alcançável simplesmente porque ela está registrada em celuloide. As manifestações de compaixão e aceitação que Simon recebe de seus amigos e parentes, e a normalização dessas manifestações ao vê-las no cinema, pode contribuir de forma concreta para a mudança da atitude cultural quanto à homossexualidade ao redor do mundo. Cinema é um instrumento poderoso de reflexão e molde do mundo, e a existência de Com Amor, Simon é tão importante quanto a de Moonlight: Sob a Luz do Luar para a continuação da curva de evolução social.
É claro que, como cinema, suas formulações são menos sofisticadas – mas tampouco são desprovidas de criatividade e brilho. No centro do filme, Nick Robinson entrega uma performance intensamente emocional que nunca ultrapassa o limite da artificialidade, e o filme ao seu redor aproveita a deixa para construir um mundo crível, ainda que utópico. Pode parecer pouco, mas a direção correta de Berlanti, sua determinação em criar um filme apropriado e acessível, sem grandes arroubos estilísticos, funciona em muitos níveis – não é uma resignação ao padrão, como acontece em tantos outros filmes hollywoodianos, mas um uso subversivo dele para entregar uma história que, até então, não teve o luxo existir dentro desse contexto hiper-vendável.
✰✰✰✰ (4/5)
O Homem das Cavernas (Early Man, EUA/Inglaterra/França, 2018)
Direção: Nick Park
Roteiro: Mark Burton, James Higginson
Elenco: Eddie Redmayne, Tom Hiddleston, Maisie Williams, Timothy Spall, Miriam Margoyles, Rob Brydon, Kayvan Novak, Richard Ayoade
89 minutos
A produtora britânica de animação stop-motion Aardman já garantiu o seu lugar na história do cinema com hits como A Fuga das Galinhas e Wallace & Gromit, que eternizaram o custoso e artesanal processo de animação com massinha no imaginário popular e no gosto de Hollywood. Com O Homem das Cavernas, eles parecem ter percebido isso, e o diretor Nick Park finalmente permite que sua talentosíssima equipe se divirta com experimentos discretos de formato, um abraço entusiasmado das possíveis falhas do processo de animação que usam, e a história mais descontraída e simples que o estúdio já bolou. Assim, O Homem das Cavernas é um deleite singelo que serve para apreciar o detalhismo e a raridade de uma arte como a que a Aardman faz.
Na trama, acompanhamos Dug (voz de Eddie Redmayne), membro de uma tribo de homens da caverna que vivem em um vale paradisíaco em meio à paisagem destruída da Terra pré-histórica. É quando uma tribo mais evoluída que criou ferramentas de aço chega para tomar seu território, e a única forma de impedi-los é retomar a tradição milenar de um esporte sagrado (o futebol) e vencer uma partida contra os inimigos. O roteiro de Mark Burton e James Higginson, colaboradores antigos da Aardman, arrisca algumas brincadeiras e piadas conceituais, mas largamente se mantém fora do caminho dos artistas que criam a animação.
Nas mãos de Park, O Homem das Cavernas esconde prazeres inesperados em várias cenas aparentemente inócuas, e a técnica do stop-motion escapa da busca fútil por fluidez e naturalidade para criar um universo próprio que absorve o espectador com habilidade. O elenco de vozes ajuda, com gente como Redmayne, Tom Hiddleston, Miriam Margoyles e Maisie Williams se divertindo à beça com personagens caricatos, mas sentidos. Simpático e feito com a mesma medida de arte dos outros filmes da produtora, O Homem das Cavernas é um prazer inegável durante os seus 89 minutos, mesmo que não deixe uma impressão duradoura no espectador.
✰✰✰✰ (3,5/5)